(Texto do vídeo Ni No Kuni (#2): Vidas ao Vento)
Nesse
vídeo, vou falar sobre o filme mais recente do Miyazaki que pode ser o seu
último, embora este deva ser o terceiro ou quarto filme de aposentadoria dele e
parece que ele já deu sinais de que vai mudar de ideia de novo. O filme vai
estrear no Brasil no próximo dia 28 para quem assiste esse vídeo quando ele vai
ao ar com o título Vidas ao Vento. Não gostei muito do título, parece coisa de
novela mexicana, mas tudo bem. Cuidado que esse vídeo pode ter uns spoilers,
mas acho que nada de mais. O filme, na verdade, em termos de enredo, não tem lá
grandes surpresas no enredo.
O
filme conta a história de Jiro Horikoshi, o engenheiro que projetou o Mitsubishi
A6M Zero, mais conhecido simplesmente como Zero, um dos principais caças da
força aérea japonesa na Segunda Guerra Mundial. Eu assisti o filme na Mostra
Internacional de São Paulo e vou falar sobre o filme baseado nas minhas
impressões e posso deixar de lado vários aspectos relevantes sobre o filme.
O
que achei foi que esse é o filme mais bonito do Miyazaki. Não o melhor, diria
até que ficou abaixo da média do Miyazaki, que é muito alta. A qualidade da animação
é melhor do que a dos filmes anteriores, mas isso é meio que óbvio que seria
assim. Mesmo assim, fiquei impressionado em alguns momentos. Tem uma hora em
que mostra a régua que o Jiro usa em detalhes que me deixaram boquiaberto. O
filme tem algumas partes sem falas, só mostrando paisagens, voos de aviões,
sonhos estranhos, a futura esposa do Jiro pintando, como aparece no pôster do
filme, e essas imagens combinadas com a trilha sonora de Joe Hisaishi – sempre
ele! – compõem cenas muito bonitas. Os outros filmes do Miyazaki também têm
disso, mas me parece que a dose é maior no Wind Rises. Nesse sentido, o filme é
emocionante, não tanto pelo enredo, pelo drama da esposa do Jiro ou qualquer
outra coisa, apenas pela beleza das cenas.
Ao
mesmo tempo em que o filme é um dos mais sérios e adultos do Miyazaki, o filme
é também um tanto ingênuo. Causou grande repercussão o filme, muitos acusando
Miyazaki de glorificar um fabricante de armas. Como relata a The Economist,
Miyazaki livra a cara de Jiro dizendo que ele não era o culpado pelo uso de sua
invenção, mesmo que o projeto fosse de um caça militar. Em uma entrevista em
2011, Miyazaki disse que o que o inspirou a utilizar a história de Jiro foi a
declaração do engenheiro de que “ele só queria fazer uma coisa bonita” e parece
que essa Miyazaki tentou passar essa visão ingênua das coisas. O filme opta por
não colocar essas questões no foco das atenções, o que não impediu que as
pessoas trouxessem o assunto a tona.
Eu
disse que o filme é ingênuo, mas meio que em alguns momentos diz: “Ei, eu sei
que tem coisas horríveis, só escolhi ignorar”. Hitler e perseguições políticas,
inclusive envolvendo o personagem principal, são abordadas, mas de maneira bem
secundária e apenas para lembrar que havia essas coisas. O empobrecimento do
Japão em prol do projeto militar também é mostrado de passagem. Em uma cena,
Jiro e um imaginário Giovanni Caproni, engenheiro aeronáutico italiano e ídolo
de Jiro, discutem sobre a questão de construir ou não pirâmides, ou alguma
coisa do tipo, uma metáfora para construir fazer uma coisa bem feita, apesar
dos usos que serão feitos com a invenção. Ou seja, o filme fala para você que
está contando a história da criação de uma arma de guerra, mas prefere mostrar
o lado bonito, que é a determinação do projetista em dar forma ao seu sonho.
Mesmo
com essa ingenuidade, o filme é adulto e sério. Uma coisa que notei é que não
há nenhuma cena muito delirante, fora aquelas que são sonhos de Jiro. Em vários
animes, do Miyazaki ou não, tem umas cenas bem malucas que eu acho que parecem
estranhas demais aqui no Ocidente e não os não-amantes de animes. O Wind Rises
não tem nenhuma cena assim. Também é adulto pelo enredo, pelo ritmo mais lento
e também por ser bem politicamente incorreto, com vários personagens, inclusive
o Jiro, fumando. Tem uma cena em que um colega de Jiro estava sem cigarro e
acendeu um cigarro usado para continuar fumando. Cheguei até a achar que o Jiro
ia morrer mais rápido de câncer do que a esposa de tuberculose. Fiquei até
surpreso com a classificação etária de apenas 12 anos.
Outra
coisa interessante foi a menção à Montanha Mágica do Thomas Mann, um livro que,
grosso modo, conta a história de um homem que fica se recuperando da
tuberculose, como ocorre com a esposa do Jiro. Na parte final do vídeo, é como
se os dois personagens principais estivessem na Montanha Mágica, por assim
dizer, até que chega a hora de saírem de lá. E o final do filme e do Montanha
Mágica tem lá as suas semelhanças. Os dois terminam nas Grandes Guerras, o
livro na Primeira, o filme na Segunda. Nenhuma das duas obras dá maiores detalhes
sobre o que acontece com os personagens. No Montanha Mágica, tudo que o
narrador diz é que o personagem, Hans Castorp, vai para o “baile macabro” e que
tem pouca chance de sobreviver. E, se bem lembro, o Giovanni Caproni, no sonho
do Jiro, também diz que os aviões de Jiro têm pouca chance em um momento bonito
onde as criações dele voam pelo céu. Não sei se estou viajando, mas o livro de
Mann e esse filme têm as suas similaridades.
Outra
coisa que notei é um certo complexo de vira-lata dos japoneses no filme. Em uma
cena engraçada, os personagens vão pousar em um porta-aviões e o avião deles
começa a dar problema. E o chefe do Jiro avisa que esse avião foi feito com
motor japonês. Até o Zero do Jiro, o Japão não tinha feito um bom avião 100%
japonês. Em outros momentos esse complexo de vira-lata também se revela, de uma
maneira parecida que no Brasil. E hoje eles estão bem avançados, em termos
tecnológicos e sociais. Talvez isso possa acontecer por aqui também...
Era
basicamente isso que eu queria falar sobre o filme.
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