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No capítulo 6, Sérgio Buarque de Hollanda analisa o
período pós-independência onde, na parte cultural, podemos dizer que tudo mudou
para continuar igual. Volta a citar o “apego singular aos valores da
personalidade”, afirmando que o brasileiro raramente se aplica de corpo e alma
a um objeto exterior a nós mesmos e a atividades em que o sujeito se submeta a
um mundo distinto dele, a personalidade individual não suportando ser comandada
por um sistema exigente e disciplinador, nas palavras do autor.
No começo do capítulo, Buarque de Hollanda vai fazendo
afirmações bem fortes em sequência. Um exemplo: “É frequente, entre os
brasileiros que se presumem intelectuais, a facilidade com que se alimenta, ao
mesmo tempo, de doutrinas dos mais variados matizes e com que sustentam,
simultaneamente, as convicções mais díspares”, bastando que tais ideias tenham
uma roupagem vistosa como palavras bonitas e argumentos sedutores, em mais um
exemplo da concepção do autor de que um traço nacional é a valorização das
aparências, inclusive no que se refere ao ambiente social.
No que se refere ao trabalho, o objetivo é a busca
da satisfação e o trabalho como um fim em si mesmo, e não como uma obra, um
finis operantes, a finalidade daquele que obra, e não finis operis, a
finalidade da obra. As atividades profissionais acabam por ser quase um
acidente na vida dos indivíduos e na época do autor, segundo ele próprio, era
raro termos pessoas que se limitassem a uma profissão. Nessa parte, o autor
fala do “vício do bacharelismo”, que também tem raízes lá de Portugal, mas que
persistiu na colônia e era mais uma amostra da importância demasiada a títulos
para valorizar a personalidade individual. O bacharelismo seria uma
reminiscência da antiga importância que era dada a títulos, só que ao invés de
títulos de nobreza, o de doutor. Nas palavras do autor: “A dignidade e
importância que confere o título de doutor permitem ao indivíduo atravessar a
existência com discreta compostura e, em alguns casos, podem libertá-lo da
necessidade de uma caça incessante aos bens materiais, que subjuga e humilha a
personalidade”, retomando a ideia de depreciação do trabalho manual analisada
em capítulos anteriores. No final dessa parte do capítulo, Buarque de Hollanda
parece considerar que os brasileiros são parecidos com o Conselheiro Acácio,
ideia minha, não uma comparação direta do autor, afirmando: “O prestígio da
palavra escrita, da frase lapidar, do pensamento inflexível, o horror ao vago,
ao hesitante, ao fluido, que obrigam à colaboração, ao esforço e, por
conseguinte, a certa dependência e mesmo abdicação da personalidade, têm
determinado assiduamente nossa formação espiritual”.
Na sequência do capítulo, o autor passa a analisar
a aceitação das ideias do positivismo de Auguste Comte. Não cabe aqui entrar em
maiores detalhes, mas essa corrente filosófica, grosso modo, valorizava o
conhecimento científico que seria a única forma de conhecimento verdadeira e
razão do progresso da humanidade, teve grande influência no Brasil a ponto de
um dos lemas do Positivismo, “Amor como princípio, ordem como base e progresso
como objetivo” ter influenciado o lema que está na nossa bandeira, Ordem e
Progresso. O argumento do autor é que essas ideias se encaixavam facilmente com
o ideário da época, seguindo algumas conclusões já analisadas aqui, a certeza
do triunfo final das novas ideias que o mundo acabaria por irrevogavelmente
aceitar. O apelo era, nas palavras do autor, o repouso que essas ideias
permitem ao espírito, as definições irresistíveis e imperativas do sistema de
Comte. E os positivistas brasileiros eram, paradoxalmente, negadores. Citando
Buarque de Hollanda: “Viveram narcotizados por uma crença obstinada e pela
certeza de que o futuro os julgaria segundo a conduta que adotassem com relação
a tais princípios”. Mais praticamente, muitos dos adeptos do positivismo se
afastavam da política e se colocavam acima desses assuntos inferiores.
Buarque de Hollanda diz que um de nossos traços
característicos é a “crença mágica no poder das ideias”, já que importamos
ideias de “terras estranhas” sem saber como se ajustariam à realidade local, se
referindo à ideologia impessoal do liberalismo democrático. Aspectos dessa
ideologia foram incorporados na medida em que não entravam em conflito com o
conjunto de características nacionais, como o horror às hierarquias e à
impessoalidade. Em mais uma afirmação bem forte, o autor declara que “a
democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”. Essa foi uma
dessas ideias importadas pela aristocracia rural e semifeudal brasileira e
adaptada aos seus direitos e privilégios, até entrando em conflito com o que
era pregado na Europa ou na América do Norte de onde essas ideias vieram.
Dessa forma, movimentos reformadores vieram de cima
para baixo e tiveram mais inspiração intelectual ou sentimental do que de ordem
prática. Dois grandes momentos de nossa história, a Independência e a
Proclamação da República, são bem emblemáticos, movimentos vindos da elite com
nula participação popular.
No campo das artes, Buarque de Hollanda faz uma
conexão interessante entre a chegada da corte real portuguesa em 1808 e o
Romantismo. Esse evento não chegou a arruinar as estruturas da sociedade
colonial, mas aumentou a importância dos centros urbanos e provocou algumas
mudanças sociais. Incapazes de responder às “exigências impostas por um outro
estado de coisas”, nas palavras do autor, a existência mais regular e abstrata das cidades provocou uma
certa crise nos intelectuais manifesto em expressões como “o cárcere da vida”
ou outras equivalentes para reclamar da existência, bem ao estilo do
Romantismo, estilo artístico mais voltado ao subjetivo e no individual e na
expressão forte de emoções, grosso modo, juntando um nacionalismo que adotou um
“indianismo de convenção”, na avaliação do autor.
A adoção entusiasmada desse movimento artístico
acabou tendo aspectos negativos na opinião de Buarque de Hollanda, um movimento
negador da realidade em um momento que deveria ser de afirmação após a
independência. E também sequer acrescentou algo de novo artisticamente, sendo
uma linguagem luxuriosa para dizer a mesma coisa, nas palavras do autor. Mas
demonstrou bem a característica dos nossos “homens de ideias”, “homens de
palavras de livros” que procurava recriar um mundo mais dócil aos desejos e
devaneios, uma forma de não rebaixar ou sacrificar a individualidade. Essa
própria devoção aos livros era até uma forma de demonstrar superioridade como o
grau de bacharelado mencionado a pouco, e um exemplar desse tipo de atitude foi
o próprio Imperador Dom Pedro II.
Certamente que não parece uma ideia tão ruim ter
gente desse tipo em um país onde a média de livros lidos é 2 por ano, mas a
questão é que no momento em que a velha aristocracia rural declinava,
precisávamos de uma elite intelectual melhor do que isso para ocupar esse
vazio. O saber era visto como instrumento para elevar seu portador acima dos
seus pares e dignificação individual, ou seja, erudição por erudição, palavras
rebuscadas e estrangeirismos apenas para impressionar. Isso retoma uma ideia já
apresentada no livro, de que o trabalho mental era considerado superior não por
sua utilidade prática, mas por diferenciar daqueles que fazem o trabalho
braçal. Ao mesmo tempo, havia uma simplificação das questões de ordem mais
prática, colocando as coisas ao “alcance de raciocínio preguiçosos” e atraindo
através de frases de efeito ou fórmulas mágicas. Isso tudo é negativo, pelo que
entendi, porque se dava em um momento em que precisávamos de boas ideias postas
em prática entre a Independência e a República.
Por todo esse capítulo, percebi certos paralelos
entre o que Buarque de Holanda escreveu na década de 1930 e hoje, mas vou
deixar para vocês identificarem a maioria desses pontos em comum. Um trecho que
gostaria de mencionar é esse: “Não têm conta entre nós os pedagogos da
prosperidade que, apegando-se a certas soluções onde, na melhor das hipóteses,
se abrigam verdades parciais, transformam-nas em requisitos obrigatórios e
únicos de todo progresso”. Eu consigo imaginar quais seriam algumas dessas
verdades parciais nos dois lados do espectro político, vocês podem pensar em
alguns casos também, e Buarque de Holanda cita a “miragem da alfabetização do
povo”, que era apresentado com muita “retórica inútil” como a solução para
todos os males do país, assim como, diria eu, é feito com a educação hoje em
dia. “Certos simplificadores”, nas palavras do autor, diziam que se fizéssemos
isso seguindo o exemplo dos Estados Unidos seríamos a segunda, talvez terceira
potência mundial. Até hoje o Brasil não está plenamente alfabetizado, ao menos
em termos funcionais, e alguém poderia dar razão a esses “pedagogos da
prosperidade” por conta disso, mas o que o autor argumenta é que o problema do
Brasil à época era a falta de cultura técnica e capitalista, que os Estados
Unidos tinham apesar de sequer terem erradicado o analfabetismo. Ou seja,
desacompanhada de outros elementos fundamentais, saber ler e escrever não serve
para tanto assim e a própria discussão em termos tão rasos desviava a atenção
de assuntos mais importantes.
Por fim, vou comentar o sétimo capítulo do livro, a
Nossa Revolução. A revolução a que Buarque de Holanda se refere não é uma
grande revolução como a Americana ou a Francesa e não tem um único marco, mas
vários em uma “lenta revolução” na caracterização do autor, os principais sendo
a Abolição da Escravatura e Proclamação da República. Nessa revolução, o centro
da vida brasileira deixaria definitivamente o meio rural e iria para os meios
urbanos, que não mais serviam como complemento para o campo e na verdade acabou
havendo uma inversão de papéis facilitado pela melhoria nas comunicações e
transportes.
Contribuiu também, na visão do autor, o declínio da
produção açucareira, que incentivava a estratificação da sociedade, e a sua
substituição pela lavoura do café que tendia a nivelar mais a sociedade. As
análises da época eram a de que a cultura cafeeira não exigia extensas porções
de terra ou grande uso de capital, a redução do latifúndio ajudando a dispersar
a propriedade. Buarque de Holanda aponta alguns erros nessa análise, que não corresponde
exatamente à realidade na maior parte das vezes, mas em algumas partes do país,
como o oeste de São Paulo, haveria um distanciamento maior das formas coloniais
de exploração da terra e o próprio relacionamento com o campo, para muitos uma
fonte de sustento e renda, mas não um modo de vida tanto que muitos fazendeiros
passaram a residir nas cidades. Porém, houve um efeito colateral indesejado
dessa troca de cultura, que foi o menor uso da terra para a produção de gêneros
alimentícios, que acabaram por ficarem mais caros.
A Abolição não afetaria de maneira tão
significativa a produção de café, cultura que já estava se adaptando ao
trabalho remunerado, mas seria fatal para os produtores de açúcar e seria a
etapa final do declínio dos antigos senhores rurais e de sua influência na
política brasileira. A urbanização “contínua, progressiva, avassaladora”
catalisada pela Abolição, embora esse não tivesse sido o único fator, fez com
que o meio rural perdesse influência, mas, segundo Buarque de Holanda, não
houve a substituição por algo realmente novo. Apesar de a base ter
desaparecido, o estado brasileiro preservou resquícios da monarquia como
“relíquias respeitáveis”.
O próximo tópico do capítulo é o aparelhamento do
estado, marcado por “maturidade precoce” e “estranho requinte” nas palavras do
autor. O estado brasileiro no império seguia uma ideia de não ser despótico, o
que contrariaria a “doçura de nosso gênio”, palavras do autor, mas que
mantivesse compostura, grandeza e solicitude. Isso procurava se manifestar no
âmbito nacional, mas também internacional, querendo passar uma imagem de um
“gigante cheio de bonomia superior para com todas as nações do mundo”. O Brasil
não ambicionou ser um conquistador e até adotava soluções bastante pacíficas,
como a abolição formal e até prática muito antes disso da pena de morte,
seguindo o padrão de sociedades mais avançadas e se envaidecendo da ótima
companhia. O resultado dessas correntes, porém, é o desarmamento de expressões
menos harmônicas e negação da espontaneidade nacional, esse último ponto, me
parece, mais relacionado com a ideia de que o ordenamento social necessitava de
leis escritas quando a disciplina social espontânea pode surgir sem isso, como
foi o caso da Inglaterra. Havia um otimismo grande com regras racionais e
regulamentos como ordenadores da vida social. Nas palavras do autor: “Nesse
erro se aconselharam os políticos e demagogos que chamam atenção frequentemente
para as plataformas, os programas, as instituições, como únicas realidades
verdadeiramente dignas de respeito”, em outro trecho que talvez ainda seja
bastante atual. Ainda predomina o emotivo sobre o racional, mas, quando
conveniente para as oligarquias, o racionalismo poderia ser empregado para
manter o status quo.
Como já mencionado, muitas das práticas políticas
do império e do começo da república foram importadas do exterior, especialmente
da Revolução Francesa, e adaptada à realidade nacional. Porém, a democracia
exigia uma impessoalidade que não se adaptava muito bem ao caráter nacional e
nem, de forma mais ampla, à América Latina. O caudilhismo anti-liberal que
estava em voga na época do livro era impessoal em essência e a democracia só
triunfaria de verdade quando esse antiliberalismo fosse superado.
E essa vitória só viria com uma revolução que
extirpasse as estruturas arcaicas que o país ainda não tinha conseguido
eliminar. Mas essa revolução não precisava, e, segundo o autor, não deveria ser
violenta e na verdade já vinha se processando de forma que vivíamos à época
entre dois mundos, um morto e o outro que luta por vir à luz. E essa revolução
não deveria ser horizontal, ou seja, mera troca dos que estão no poder, e sim
uma revolução vertical que trouxesse novos elementos para a política. Não seria
o caso de eliminar as classes superiores, e sim de amalgamá-la com as demais
classes que também tinham lá os seus defeitos ao mesmo tempo que as classes
superiores tinham homens de bem.
No Brasil, porém, se levantavam contra essa
revolução, além das pessoas que se beneficiavam do status quo, as
“constituições feitas para não serem cumpridas, as leis existentes para serem
violadas” beneficiando pessoas e oligarquias. Inclusive, era possível uma
alternância no poder, mas para deixar tudo como está. Como se dizia antes, nada
mais parecido com um saquarema no poder do que um luzia. Ou seja, uma revolução
horizontal só resultaria na troca de um personalismo por outro sob o disfarce
de se fazer democracia e era necessária outra abordagem, abolir esse
personalismo que tornava tão estranha a ideia de democracia, de uma entidade
imaterial e impessoal pairando sobre os indivíduos.
Em essência, essa é a análise de Sérgio Buarque de
Holanda presente nos dois últimos capítulos do livro Raízes do Brasil.
Resumindo de maneira rápida as ideias do livro, os principais pontos do autor
são de que o brasileiro é um povo com uma forte propensão de encarar tudo com
um fundo emotivo, o que se reflete em diversas esferas da vida social,
inclusive na organização política e na dificuldade em separar o público do
privado.