Na parte anterior de Guerra das Rosas, comecei a falar sobre os eventos
anteriores à Guerra das Rosas envolvendo o rei Ricardo II e agora vamos continuar
a história com o reinado de Henrique Bolingbroke, agora Henrique IV, que
iniciaria a Casa de Lencastre.
Aqui teríamos os problemas de hereditariedade que
resultariam na Guerra das Rosas. Henrique tinha argumentos frágeis para assumir
o trono, não sendo herdeiro direto do antigo rei, sendo o quinto da linha de
sucessão. Henrique IV argumentaria que Henrique de Lencastre era o filho mais
velho de Henrique III, e não Eduardo I. Os argumentos eram frágeis e ninguém
acreditava muito nisso, de forma que Henrique IV foi um rei usurpador.
A coroação, ocorrida no dia de São Eduardo, 13 de
outubro de 1399, era chave para dar legitimidade ao seu reinado. Contribuiu
para o simbolismo a localização da Santa Ampola justamente na mesma época, que
seria utilizada na coroação de Henrique IV.
Porém, enquanto o arcebispo da Cantuária começava a unção, descobriu
piolhos na cabeça de Henrique IV, o que é um mau sinal. Piorou quando a moeda
dourada do recém-coroado rei caiu da mão dele no ofertório e não pôde ser
encontrada. Para complementar, no banquete, Thomas Dymoke chamaria as pessoas a
desafiarem o título de Henrique IV.
Apesar de todos esses maus sinais, o reinado de
Henrique IV teve um bom começo, muito por conta da impopularidade do seu
antecessor. Ele estabeleceria seu filho, Henrique, como sucessor e o nomearia
Príncipe de Gales. Praticamente cortaria da linha de sucessão seus meio-irmãos
da família Beaufort, especialmente preocupado com a França, o rei Carlos VI não
reconhecendo Henrique IV como rei, afinal, ele usurpou o trono de seu genro.
Durante o período inicial do seu reinado, quando as
coisas costumam ser mais fáceis para um novo rei, Henrique IV se certificou de
recompensar seus apoiadores e aqueles que trabalhavam para Ricardo II. Isso
envolvia dar títulos e dinheiro para seus apoiadores, porém, o aumento nos
custos traria problemas com o parlamento. Henrique IV era um homem de posses
por conta própria, mas assim que ascendeu ao trono se tornou difícil separar o
seu patrimônio pessoal com o patrimônio público, o que seria um problema em seu
reinado.
O parlamento rejeitaria dar a Henrique IV novos
impostos e o novo rei teria problemas em encontrar dinheiro para financiar seu
governo, principalmente porque ele tinha prometido reduzir os impostos se fosse
coroado. A sua própria riqueza pessoal tinha criado a ideia de que os abusos de
Ricardo II não seriam repetidos.
Henrique IV tinha experiência militar, mas não
tinha muita habilidade administrativa ou experiência com boa governança, então
teria que aprender isso. Ele contaria com alguns familiares para ajudar com
essa deficiência, mas isso provocaria ciúmes e suspeitas na corte. Henrique IV
teria dificuldades em governar, lutando com o parlamento por dinheiro e tendo
dificuldades em reforçar a sua autoridade, de forma que uma guerra civil nunca
parecia muito distante.
O primeiro desafio a Henrique IV viria com a Décima
Segunda Noite, uma tentativa de assassinato empreendida pelos condes de
Salisbury, Gloucester, Exeter e Surrey, frustrada pela traição de um primo de
Henrique, o Conde de Rutland da Casa de York, que prosperou por seu apoio ao
rei. Mas essa era uma rebelião condenada desde o início, sem apoio popular
algum, considerando que Henrique IV era bastante popular na época e os
conspiradores foram até linchados pela população.
Essa não seria a última contestação que Henrique IV
sofreria. Externamente, teria que enfrentar os escoceses, o rei Roberto III não
reconhecendo Henrique IV como rei da Inglaterra. O príncipe da Escócia, Jaime,
seria capturado pelos ingleses e feito refém por 18 anos. Em 1400, Henrique IV
enviaria um exército para invadir a Escócia. O resultado final da campanha
seria apenas o ganho do reconhecimento de Henrique IV como rei da Inglaterra.
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Esse não seria o fim dos problemas de Henrique IV
na região. Após a campanha da Escócia, viria notícias de que um obscuro dono de
terras chamado Owen Glendower estava causando problemas com um vizinho inglês,
Lord Grey de Ruthin em 1400. Esse conflito escalou para uma revolta pela
libertação dos galeses e os ingleses tiveram que reagir rapidamente antes que o
movimento ganhasse corpo, condenando Glendower como traidor. Ao invés de voltar
para a Inglaterra, Henrique IV iria para Gales como uma amostra de poder e
teria sucesso em enfraquecer os apoiadores de Glendower.
Em 1401, Gales voltaria a mostrar rebeldia,
novamente com Glendower, que passou a ser um sério candidato a se tornar rei de
Gales. Henrique IV hesitou em tomar uma atitude, porque isso iria custar caro e
também porque tinha terras em Gales, e um conflito poderia reduzir as suas
receitas na região. Ele montaria duas expedições punitivas em 1402 para
enfrentar Glendower, sem sucesso. Para piorar, isso encorajaria os galeses a
apoiar Glendower, que receberia apoio externo da Escócia e da França.
Glendower capturaria o conde de March, Edmundo
Mortimer, que era o número 1 legítimo da linha de sucessão de Ricardo II.
Henrique IV não deveria ignorar a situação do conde de March, devido a sua
grande influência política, mas foi o que acabou fazendo. Pior para Henrique
IV, Mortimer se voltou contra ele aceitando casar com a filha de Glendower e anunciando
apoio aos galeses, apoiando seu sobrinho, o Conde de March, como sucessor ao
trono. Esse sobrinho era Ricardo York, guardem esse nome que será importante
para o futuro.
Outra ameaça a Henrique IV era Henry Percy, que
estava do lado do rei inglês, inclusive dando a ele uma importante vitória em
Homildon Hill, mas se voltaria contra ele e apoiaria Glendower. Seria uma
ameaça séria a junção de forças entre Glendower e Percy. Um grande conflito
ocorreria em Shrewsbury entre as forças de Henry Percy e de Henrique IV. Era
uma batalha equilibrada numericamente, mas a morte de Henry Percy seria
decisiva para a vitória de Henrique IV. Seu tio, Thomas Percy, conde de
Worchester, seria capturado, executado e seu corpo posto em exposição pública,
encerrando essa parte da rebelião. Outro Percy, confusamente outro Henry Percy,
conde de Northumberland, chegou atrasado no campo de batalha e acabaria sendo
perdoado por Henrique IV.
Esse não seria o fim dos problemas de Henrique IV.
A França ainda estava contrariada com o novo rei, não só pela morte do genro do
rei francês, mas também pela situação da rainha Isabella. Ela continuou na
Inglaterra após a morte de Ricardo II, mas era um dreno de recursos do tesouro
em uma época em que Henrique IV estava com problemas em levantar dinheiro. O
novo rei estava louco para devolvê-la para a França, mas como rainha da
Inglaterra e princesa da França ela não era um saco de batata para ser jogado
do outro lado do Canal da Mancha.
Em 1401, um acordo foi fechado para repatria-la para
a França, mais desfavorável para o país continental, aumentando o rancor contra
o vizinho do norte. Assim que Isabella retornou, a França lançou uma série de
ataques navais contra a Inglaterra. Além do mais, a França se aliou aos
escoceses e enviou soldados para ajudar Glendower. Tomaria ainda Aquitaine e
faria com que a Inglaterra reforçasse Calais, criando mais problemas
financeiros para o seu inimigo.
Nesse período, Henrique IV se casaria com Joana,
filha de Carlos II de Navarra, adicionando um aliado para enfrentar a França. Joana
era viúva do duque de Britanny e seria regente do ducado, mas sua falha em usar
os portos para parar os franceses faria com que ela perdesse a regência. Mesmo
sem muitos benefícios da aliança, seria um casamento feliz, apesar da cerimônia
ter demorado um ano para ser realizada após o acordo de casamento ter sido
firmado. (16)
As ameaças mais próximas continuavam vivas e
formariam uma tríplice aliança composta pelo conde de March, Glendower e Henry
Percy, conde de Northumberland. Isso forçaria Henrique IV a lutar em múltiplas
frentes, adicionando pressão ao erário inglês. Felizmente, Henrique IV
receberia os recursos necessários para empreender a guerra. Mas ocorreriam
várias deserções das fileiras de Henrique IV, como Lorde Bardolph, conselheiro
militar importante do rei, o Conde de Marshal e o Arcebispo de York, que tinha
apoiado a queda de Ricardo II e agora conspirava contra Henrique IV também.
O rei procuraria o Arcebispo de York na frente
norte para um acordo e atenderia diversas de suas reivindicações. No entanto,
assim que Marshal e o Acebispo desmobilizaram os seus exércitos, foram presos
por acusações de traição e depois condenados a morte, além de terem os seus
bens confiscados. Foi uma decisão polêmica executar um bispo, mas a verdade é
que foi efetivo, Northumberland e Bardolph fugindo para o norte, para a
Escócia, e abandonando a rebelião.
Henrique IV perseguiria os dois, mas teria que
interromper a campanha por problemas de saúde. Dizem que foi por conta de sua
consciência pesada por ter executado o Arcebispo de York ou que foi uma punição
divina, mas o fato é que ele acabaria com a rebelião ao norte, mas Glendower
sobreviveria mais um ano e continuaria com a sua rebelião.
Na volta à Londres em 1405, Henrique IV estava em
má situação física. Mesmo assim, teria que continuar com a luta contra os
galeses. No parlamento iniciado naquele ano, seria discutida uma grande redução
nos gastos, incluindo a expulsão de membros da corte da rainha Joana em Breton
e extensão da tributação para classes religiosas. O trabalho de cortar gastos
foi facilitado com a derrota da ameaça do norte, que eliminou a necessidade de
reforçar essa frente.
Com a perda dos aliados ao norte, a rebelião de
Glendower perderia força, mas continuaria existindo. Porém, em 1409, Harlech
cairia após um ataque do Príncipe Henrique, futuro Henrique V, onde o conde de
March seria morto. Glendower perderia o seu principal aliado e nunca se
recuperaria dessa perda. Ele continuaria reivindicando se tornar o príncipe de
Gales, mas seu fracasso em entrar em território inglês frustraria seus planos.
O grande responsável pela vitória inglesa foi o
príncipe Henrique, uma vez que seu pai estava muito debilitado. O príncipe de
Gales extrairia grandes ensinamentos dessa campanha e resultaria no fim da
rebelião de Glendower em 1413.
Northumberland também tentaria mais uma vez
derrubar Henrique IV tentando fomentar revoltas nos domínios dos Percy ao norte
em 1408, mas não apenas não conseguiu, como morreria na campanha. Com isso, os
principais oponentes internos de Henrique IV estavam mortos. Essa seria a
última vez que Henrique IV se envolveria em uma campanha militar. Embora ele
não tivesse chegado muito perto do campo de batalha, acompanhou o exército real
e cuidaria do julgamento de prisioneiros de guerra e execução dos líderes
rebeldes.
A Escócia ficou relativamente pacífica durante esse
período de rebeliões devido a uma série de acordos e por conta do príncipe
Jaime, herdeiro do trono escocês que já há muito tempo estava em poder dos
ingleses. Para Jaime, não foi ruim ter ficado com os ingleses, que
complementaram a sua educação durante esse período. Na França, além dos
problemas mentais de Carlos VI, a disputa de poder entre Borgonha e Orleans
passou a dominar a atenção dos franceses, o que muito beneficiou Henrique IV,
que enviaria ajuda para a facção do duque de Borgonha. Procuraria uma noiva de
Borgonha para seu filho, mas não daria certo porque havia nenhuma candidata e
também porque Orleans tentaria entrar em acordo com os ingleses também.
Em acordos secretos, Henrique IV firmaria um pacto
com Orleans, oferecendo ajuda militar em troca de territórios. O príncipe
Henrique não gostou muito do acordo, pois preferia Borgonha, mas o arranjo não
duraria muito tempo. O rei Carlos VI, em um momento de lucidez, pediria o fim
do conflito entre os dois ducados e o encerramento do acordo de Orleans com os
ingleses.
Por volta de 1410, ocorreriam diversos
desentendimentos entre Henrique IV e seu filho mais velho, que estava por volta
dos vinte anos, ganhou experiência com as campanhas de Gales e passou a ter um
papel relevante no governo do país. O príncipe faria parte de um conselho para
governar a Inglaterra no período de debilidade do rei. A doença de Henrique IV,
seja lá qual era, aparecia esporadicamente e era bastante feia, tanto no
sentido de grave quanto no sentido visual. O pior é que quando ele estava bem
parecia adotar tendências ditatoriais, inclusive no tratamento dos filhos. Para
muitos, os problemas de saúde do rei eram uma punição divina pela execução do
arcebispo.
Em 1411 surgiu a primeira sugestão de trocar de rei
por parte de Henrique Beaufort, que era da família da esposa de Ricardo II.
Henrique IV sentiu o perigo e reagiria. Ele dispensaria os Beaufort e
reformaria o seu conselho, incluindo a exclusão de seu filho mais velho e
sucessor. O príncipe Henrique chamaria seus homens para uma demonstração de
força, mas nenhum conflito ocorreria. Do lado dos apoiadores, um dos mais fiéis
era Thomas Arundel, irmão do conde de Arundel e Arcebispo da Cantuária. Com
plenos poderes, Arundel influenciou a criação de leis que punem a blasfêmia e a
heresia, que nunca foram um grande problema na Inglaterra, mas essas leis
poderiam servir para eliminar inimigos do rei ou para botar medo neles.
Era iminente a morte de Henrique IV e ela viria em
1413. O rei morreria em paz com seu filho e sucessor, mas depois descobriu-se
que ele estava virtualmente falido após ser um dos homens mais ricos do país. O
início do seu reinado foi conturbado por problemas financeiros e revoltas na
Escócia, Galês e norte da Inglaterra, além de disputas com a França. Quando
tudo parecia propício para que ele pudesse governar sem esses incômodos, vieram
os problemas de saúde e ele já não teria condições de cuidar do reino como
desejaria. Porém, a situação da Inglaterra na época da morte de Henrique IV era
pacífica, o que seria ótimo para o seu sucessor e filho, Henrique V.
No próximo capítulo de Guerra das Rosas, vamos para
o reinado de Henrique V durante o acirramento do conflito com a França, quando
a Batalha de Azincourt acaba por decidir o conflito para um dos lados.
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