Nesse vídeo, vou falar sobre a Batalha de Canas, ou
Cannae em inglês. Essa foi uma batalha vital da Segunda Guerra Púnica entre
Roma e Cartago, com vitória dos cartaginenses liderados por Aníbal. A fonte de
informação é o livro Cannae,
216 BC de Mark Healy publicado pela Osprey.
O casus belli da Segunda Guerra Púnica foi a tomada
da cidade espanhola de Sagunto, porém, a rivalidade entre Roma e Cartago já
vinha se acirrando desde o final da Primeira Guerra Púnica e era questão de
tempo até que um novo conflito eclodisse.
Antes de entrar no assunto da Segunda Guerra
Púnica, vou resumir a Primeira Guerra. Primeiro de tudo, Cartago foi fundada
por fenícios e por isso o nome do conflito, os fenícios sendo chamados de
púnicos em latim. Roma e Cartago disputavam o comércio no Mediterrâneo, o que
resultaria em uma longa guerra entre os dois, vencida por Roma em 241 antes de
Cristo. Como ocorreria com a Segunda Guerra Mundial, a Segunda Guerra Púnica
seria resultado direto da primeira e dos ressentimentos que foram criados
durante o conflito por conta das humilhantes exigências impostas pelos romanos.
Os cartaginenses foram obrigados a sair da Sicília e pagar uma enorme
indenização de 3300 talentos de ouro.
Em 237 antes de Cristo, os romanos tomaram a
Sardenha de Cartago, violando o acordo de paz. Cartago se prepararia para
retomar a cidade, mas Roma enviaria um ultimato para que eles desistissem e
exigiriam ainda mais indenização. Cartago então iria para a Península Ibérica
para se expandir militarmente, primeiro sob o comando de Amílcar e depois de
sua morte por seu genro, Asdrúbal, não confundir com o irmão de Aníbal. Em 226
antes de cristo, Roma interviria para proteger tribos amigas, estabelecendo que
Cartago não poderia cruzar o rio Ebro. A situação da cidade de Sagunto, porém,
não estava definida por esse acordo e a invasão da cidade por Cartago causaria
uma nova guerra entre Roma e Cartago.
Após o assassinato de Asdrúbal em 221 antes de
Cristo, Aníbal assumiria o comando das operações militares de Cartago e
retomaria a expansão territorial. Em 219 antes de Cristo, seu alvo seria a
cidade de Sagunto, apesar das declarações de Roma de que a cidade estava sob
sua proteção. Aníbal perguntou ao Sufete, o senado cartaginense, se tinha a
permissão para invadir Sagunto e eles lavaram as mãos, deixando que Aníbal
fizesse o que bem entendesse. Aníbal invadiria Sagunto e Roma não interveria,
revelando seu blefe. Porém, não deixariam por menos e enviariam um ultimato
para Cartago, pedindo pela cabeça de Aníbal e a recusa significando guerra. O
Sufete terminou por rejeitar o ultimato de Roma e a Segunda Guerra Púnica se
iniciaria.
Aníbal não pretendia que essa fosse uma guerra
defensiva, pois isso seria derrota certa. Seu ousado plano era atacar Roma
diretamente, cruzando os Alpes e se dirigindo à capital. Sabia que seu exército
era inferior, mas a vitória não deveria ser meramente militar, e sim política.
Aníbal pretendia fragmentar a união política romana, enfraquecendo os laços com
as diversas tribos que cediam homens para o exército romano. Seu alvo declarado
era Roma e ele mostrava isso libertando prisioneiros de guerra de aliados de
Roma, o que aumentaria as chances de seu plano ter sucesso.
Comandantes
Os cartaginenses eram liderados por Aníbal Barca,
filho de um dos líderes cartaginenses da Primeira Guerra Púnica, Amílcar Barca.
É dado como um líder carismático, que conseguiu manter unido um exército de
mercenários em sua campanha em Roma. Esse não foi um feito pequeno, dada a
grande heterogeneidade de nacionalidades e de motivações, Aníbal conseguindo
entender o que os seus comandados queriam e usando isso a seu favor. Aníbal
compartilhava das mesmas privações de seus soldados e acima de tudo era um
grande líder militar que não punha em risco a vida de seus homens sem
necessidade, o que gerava confiança entre seus comandados, que lutavam por ele,
não por Cartago. Aníbal era um excelente estrategista, muito superior aos
comandantes romanos com a exceção de Cipião Africano que o derrotaria na
Batalha de Zama. Aníbal não conseguiria derrubar Roma, mas ficaria na história
como um dos grandes comandantes militares com feitos que incluem a Batalha de
Canas.
A organização militar de Roma colocava em comando
cônsules eleitos pelo Senado, para evitar que os militares ganhassem poder. O
resultado, porém, foi que o comando dos exércitos na frente de batalha era
ineficiente. Isso acabou sendo contrabalanceado pela ótima disciplina e
efetividade das tropas, mas as legiões ganhavam batalhas apesar da inadequação
tática. Porém, ao se deparar com um gênio militar como Aníbal, essas fraquezas
ficaram evidentes e pesaram contra Roma.
O único cônsul que estaria a altura de Aníbal era
Fábio Máximo, chamado pejorativamente de Cunctator, aquele que adia, para
depois ser chamado assim como um elogio. Após derrotas humilhantes como a da
Batalha de Canas, Fábio Máximo seria escolhido ditador e utilizaria uma tática
de atrasar o inimigo e espera-lo ao invés de adotar a prática mais comum dos
romanos e partir para a ofensiva, o que se mostraria um acerto.
Exércitos
Opostos
O exército cartaginense de Aníbal era composto por
forças mercenárias africanas, espanholas e celtas. Não há muita informação
precisa sobre os equipamentos utilizados pelas tropas de Aníbal ou sobre a
organização das forças cartaginesas. Muitos dos soldados sequer vestiam algum
equipamento de proteção, enquanto que outros vestiam cota de malha e elmos. As
armas mais empregadas eram lanças para arremesso combinada com uma espada curta
ou apenas uma espada mais longa. A cavalaria era o ponto mais forte do exército
de Aníbal, os numídas formando um grupo que conduzia os cavalos sem rédea e que
eram utilizados para provocar os romanos e atrai-los para o combate. Celtas e
espanhóis formavam outro grupo de cavalaria e Aníbal, através de sua forte
liderança, conseguiu fazer com que atuassem bem juntos.
Sobre Roma, não vou entrar em maiores detalhes, já
que há muita coisa a se falar sobre legiões romanas. Basta dizer que não eram
forças mercenárias, mas também não era um exército profissional no sentido
moderno. Era composto por cidadãos com um critério rígido sócio-econômico na
época. Era considerado um dever patriótico servir nas legiões e apenas aqueles
com posses poderiam servir, já que são aqueles que teriam mais motivação para
lutar, ou assim acreditavam. Depois, com as várias baixas provocadas por
Aníbal, eles flexibilizariam os critérios, mas a princípio era assim.
Os soldados romanos lutavam basicamente com a lança
pila, a espada curta gládio em uma mão e o escudo redondo na outra. A proteção
variava muito de soldado para soldado, os mais pobres, os vélites, recebendo
pouca ou nenhuma proteção corporal ao contrário dos outros tipos de soldados
rasos mais ricos. A cavalaria não era muito bem desenvolvida no exército romano
e eles pagariam um preço caro por conta disso. Além de cidadãos romanos, as
legiões eram compostas por soldados de outras nacionalidades através de acordos
com Roma.
Ticino e
Trébia
Antes de entrar na Batalha de Canas, é necessário
falar sobre algumas batalhas que ocorreram antes. Inclusive, Canas não está no
Rome: Total War, mas esse jogo tem as batalhas de Trébia e Trasimeno, que eu
mostro como gameplay nessa parte.
Públio Cornélio Cipião e Tibério Semprônio Longo
estavam encarregados de parar Aníbal. Porém, Cipião teve que lidar com uma
revolta de tribos célticas antes, o que acabou desviando a sua atenção por
algum tempo. Em seguida, identificou a rota de Aníbal, que estava cruzando os
Alpes para um ataque direto a Roma. Manteria o seu exército na Espanha para
lutar com as forças de Asdrúbal Barca, irmão de Aníbal, e impedir que eles
mandassem suprimentos e reforços para Aníbal.
Em novembro de 218 antes de Cristo, Aníbal terminaria
a travessia dos Alpes e chegaria na Península Itálica, tendo perdido metade dos
homens, segundo estimativas. Seria vital obter reforços das tribos célticas,
que, no entanto, estavam céticas quanto à capacidade de Aníbal. Para contornar
isso, os cartaginenses atacaram a cidade que hoje é Turim, a principal cidade
dos taurinos. Isso elevaria o moral das tropas e angariaria apoio dos celtas,
que viram os cartaginenses como seus salvadores.
Aníbal desejava uma vitória de maior escala. Essa
vitória viria na Batalha de Ticino, onde Aníbal e Cipião se enfrentariam pela
primeira vez. Foi mais um confronto de cavalarias do que uma batalha e aqui os
cartaginenses mostrariam a sua superioridade na cavalaria, vencendo facilmente
a batalha. Cipião seria ferido na batalha e salvo pela ação rápida de seu
filho, que seria conhecido como Cipião Africano. Os romanos recuariam de Placência,
se dirigindo ao sul para os Apeninos, onde esperariam reforços de Semprônio.
Aníbal conseguiria angariar ainda mais apoio dos celtas, inclusive desertores
das fileiras romanas.
A primeira grande batalha entre romanos e
cartaginenses na Segunda Guerra Púnica seria a Batalha de Trébia. Aníbal e as
legiões romanas de Semprônio se enfrentariam no rio Trébia, na região de
Placência. Os dois exércitos estavam acampados próximos e era questão de tempo
para que houvesse um conflito, mas seria Aníbal quem estabeleceria as condições
do confronto.
Os romanos eram obcecados quanto à possibilidade de
uma emboscada na floresta, mas Aníbal conseguiria armar uma armadilha de uma
maneira que os romanos jamais desconfiariam, escondendo soldados na vegetação
que havia nas margens do Trébia. Além disso, conhecendo o temperamento romano e
sua predileção pelo ataque, provocaria os romanos com um ataque de cavalaria no
acampamento romano no começo da manhã. A cavalaria cartaginesa seria perseguida
logo após, sem mesmo dar tempo para que os romanos se alimentassem, tendo que
lidar ainda com o frio e a neve. As tropas de Aníbal estariam mais bem preparadas
para a batalha, tendo se alimentado antes e passando um óleo para proteger
contra o frio.
Aníbal primeiro atacaria os flancos dos romanos
usando a sua cavalaria, privando o centro da formação da proteção dos flancos.
No centro, haveria um confronto entre infantarias, a situação dos romanos
piorando com a chegada de mais infantaria, da cavalaria e das tropas que estavam
escondidas na vegetação aparecendo para atacar a retaguarda romana.
No final da Batalha de Trébia, os romanos perderam
entre 15 e 20 mil soldados, com baixas bem mais modestas entre os
cartaginenses. A responsabilidade pela vexaminosa derrota tem que se atribuída
a Semprônio, que partiu para o ataque contra Aníbal com a esperança de ser
aquele que o derrotaria. Cipião o aconselhou a ser mais cauteloso e “deixar a
situação permanecer como está”, e o comportamento inverso a esse lhe rendeu uma
grande derrota.
Aníbal passaria o final do ano e o inverno no Vale
de Pó junto a tribos célticas amigas que forneceram suprimentos para a
temporada. Em 217 antes de Cristo, retomaria as operações com o objetivo de ir
ao sul, onde poderia encontrar mais tribos célticas cujo apoio poderia obter, o
que era essencial para o seu objetivo de desmantelar Roma
Sua rota foi cruzar o rio Arno de uma maneira que
os romanos não estavam esperando. A rota escolhida era difícil e selecionada
justamente por isso, com um caminho inundado pela neve, mas mesmo assim
transponível. A região era protegida pelo exército capitaneado pelo cônsul Caio
Flamínio, que não conseguiu interceptar Aníbal na sua rota em direção ao sul,
para a região de Etrúria.
Mais uma vez, Aníbal queria atrair os romanos para
uma batalha nas condições impostas por ele. Para isso, saqueou diversas cidades
na região, que era bastante fértil e rica. Porém, o cônsul não faria esse
movimento, nem mesmo quando temerariamente Aníbal se aproximou de seu
acampamento para tentar induzi-lo ao ataque. Flamínio decidiria perseguir o
exército de Aníbal, mas sem se engajar em combate, apenas acompanhando e esperando
a chegada de um segundo exército consular liderado por Cneu Servílio Gêmino.
Aníbal sabia que estava sendo perseguido e
procuraria estabelecer uma situação favorável a ele para golpear Flamínio. Na
região do Lago Trasimeno, manobraria de forma a estabelecer acampamento em uma
colina em Passignano enquanto Flamínio ficaria em uma planície ao oeste. Durante
a noite, Aníbal prepararia uma armadilha para Flamínio aproveitando a luz da
lua. A natureza continuaria ajudando Aníbal ao providenciar uma névoa que
diminuiria a visibilidade e dificultaria a identificação da armadilha.
Tendo tantas vantagens, seria chocante se o
resultado fosse outro que não um massacre cartaginense, que de fato ocorreria,
tendo como saldo final 15 mil romanos mortos, incluindo Flamínio, e 10 mil
capturados contra 1500 cartaginenses mortos. Os aliados de Roma capturados
foram soltos e Aníbal declararia que a luta dele era contra Roma, não contra
seus aliados. No dia seguinte, muitos dos soldados romanos que conseguiram
fugir acabaram se rendendo.
Essa foi uma vitória absoluta sobre os romanos, que
ficaram com poucos homens capazes de lutar para enfrentar Aníbal. Essa seria
uma boa oportunidade para atacar a capital, mas não foi o que Aníbal fez. Essa
nunca foi a estratégia dele, que sempre pensou em destruir a confederação
desestabilizando Roma e fazendo com que perdesse o apoio de seus aliados.
Notícias sobre esse desastre chegaram a Roma e
causou pânico geral, espalhando a expressão “Aníbal nos portões”. O Senado
precisava agir e eleger um líder, mas com Flamínio morto e Gêmino incapaz de
retornar a Roma devido ao bloqueio imposto por Aníbal, as opções não eram
muitas. No fim, Fábio Máximo seria eleito Ditador, mas o Senado restringiria
alguns de seus poderes, como escolher o segundo em comando, pois ainda
acreditavam que a situação não estava tão crítica assim e que Aníbal ainda
podia ser derrotado.
Novas legiões precisaram ser criadas
emergencialmente, com homens ou mais velhos ou muito jovens. Alguns ficariam
para proteger Roma e outros seguiriam atrás de Aníbal. Sob comando de Fábio
Máximo, os romanos mudariam de estratégia, não iniciando combates contra Aníbal
e permanecendo em terreno vantajoso para evitar o ataque cartaginense. Fábio
Máximo enviaria alguns ataques isolados contra Aníbal, para diminuir
gradualmente as forças inimigas e para recobrar a confiança de seus soldados.
Aníbal provocaria Fábio Máximo, saqueando e destruindo vilas pelo seu caminho,
mas Máximo manteria a sua estratégia apesar das provocações e das pressões
internas para agir
Isso não estava nos planos de Aníbal, que precisava
recuperar suprimentos para continuar a campanha. Porém, sua saída estava
bloqueada por forças de Máximo. Foi então que Aníbal executaria um subterfúgio
genial. À noite, colocaria madeira no chifre do gado que obteve, tacou fogo e
os mandou para a passagem. As tropas que protegiam a região pensavam que o
inimigo estava avançando e atacaram o falso exército, permitindo que Aníbal
passasse e obtivesse a fuga que desejava.
Fábio Máximo não reagiria a esse movimento e aqui
ganharia o apelido de cunctator, aquele que adia. Aníbal tomaria a cidade de
Gerônio e sairia em busca de suprimentos. Enfrentaria forças do segundo em
comando, Minúcio, e sofreria um revés que elevaria o moral romano. Haveria uma
disputa de poder entre Fábio e Minúcio que terminou na divisão do exército em
dois. Minúcio decidiria atacar Aníbal e sofreria uma derrota, apena sendo salvo
pela intervenção de Fábio, que recuperaria o comando total do exército.
Após isso, os dois lados se recolheriam ao
acampamento de inverno, que Aníbal só conseguiu montar após reabastecer os seus
suprimentos. Em 216 antes de Cristo, acabaria o mandato de Fábio Máximo e o
senado, descontente com a estratégia defensiva e iludido com a vitória de
Minúcio, decidiria por uma estratégia ofensiva. Caio Terêncio Varrão foi eleito
cônsul e seria responsável por essa mudança. Para ajudar nessa nova estratégia,
Roma utilizaria nada mais, nada menos do que oito legiões em um passo sem
precedentes. Provavelmente os padrões de recrutamento já tinham sido diminuídos
nessa época para arregimentar tantos soldados, embora as fontes só afirmem isso
após a Batalha de Canas. Mas a pergunta é: isso seria suficiente para derrubar
Aníbal em uma guerra ofensiva?
Aníbal só sairia de seu acampamento de inverno em
junho de 216 antes de Cristo, para buscar suprimentos, aproveitando a colheita
de trigo. O alvo era a cidade de Canas, utilizada como depósito de comida pelos
romanos. E era inevitável que esse ataque provocasse uma resposta em Roma, que
via nesse momento a ocasião certa para atacar Aníbal. Fábio Máximo era contra a
ideia e alertaria Varrão sobre os perigos desse ataque, mas a decisão do Senado
era de iniciar um combate com Aníbal.
Os romanos reuniram exércitos liderados Gêmino e Marco
Atílio Régulo com os exércitos consulares de Varrão e de Lúcio Emílio Paulo.
Quantitativamente era uma força impressionante se dirigindo a Canas para
enfrentar Aníbal. Em 29 de julho, os romanos acampariam a cinco milhas do
inimigo, de onde podiam ver os cartaginenses. Aníbal tinha uma cavalaria superior
em números e em qualidade e o plano romano era atrair a cavalaria cartaginesa
para um terreno onde podia ser neutralizada e vencer usando a infantaria
superior. Os romanos bloquearam o acesso à planície onde Aníbal poderia obter
suprimentos, o que seria uma pressão para que ele agisse primeiro.
No dia 2 de agosto, os romanos deixaram o seu
acampamento e foram para o campo de batalha escolhido por eles, próximo do rio
Aufídio e das colinas ao sul de Canas. Os romanos posicionaram a cavalaria em
ambos os flancos para se protegerem de um ataque da cavalaria cartaginense, o
flanco esquerdo próximo do rio e o direito de colinas, para oferecerem um
terreno difícil para a cavalaria inimiga. A intenção romana era segurar a
cavalaria cartaginesa enquanto que a muito mais numerosa infantaria romana
atacaria pelo centro. Os comandantes romanos estavam confiantes, já que pela
primeira vez eles tinham escolhido as condições nas quais a batalha seria
travada.
Quanto a Aníbal, ele iria para o campo de batalha
sabendo de sua inferioridade numérica. Seu plano era preservar as tropas
espanholas e africanas e colocar as tropas célticas mais à frente. A maior
parte da infantaria era composta por celtas, o exército sendo composto ainda
por infantaria pesada, além de cavalaria numída e celta. Os cartaginenses
estavam em menor número, mas isso não abalaria a confiança de Aníbal nem da
maioria de seus homens. Aníbal iria para o campo de batalha não apenas
conhecendo as suas próprias forças, mas tendo uma boa ideia das forças inimigas
Aníbal posicionaria a cavalaria pesada celta e
espanhola no flanco esquerdo para encarar as forças de Paulo sob o comando de
Asdrúbal, que não é seu irmão (parece que era um nome popular entre os
cartagineses!). A cavalaria leve numída ficou no lado direito sob o comando de
Maharbal. No centro da linha, infantaria celta e espanhola dispostas em um
formato de crescente convexa, ou um C deitado, para ajudar a visualizar. Isso
foi feito para desacelerar o avanço da infantaria romana pelo centro e dar
tempo para que a cavalaria vencesse a resistência e flanqueasse o centro da
formação romana. Além do mais, Aníbal guardou o seu trunfo, a infantaria pesada
africana, para enfrentar os romanos quando as condições fossem mais favoráveis.
O próprio Aníbal comandaria o centro do seu exército.
A batalha começou com as infantarias se
enfrentando, começando com o arremesso de lanças e pedras e seguido pelo
combate corporal. A batalha no flanco esquerdo foi especialmente feroz, os dois
lados sabendo da importância dessa parte da formação. Incapazes de flanquear a
cavalaria romana por conta do rio, os homens de Asdrúbal precisaram encarar de
frente os romanos, que acabaram sendo prejudicados pela opção de comprimir a
cavalaria em um curto espaço de campo, de forma que com o tempo se tornou quase
um combate de infantarias. A cavalaria romana no lado esquerdo teve que recuar
diante da mais numerosa cavalaria cartaginesa.
Paulo foi ferido no comando da cavalaria e cairia
de seu cavalo ou teria desmontado. De todo modo, isso foi encarado como um
sinal para o restante da cavalaria fazer o mesmo, o que os tornou presas fáceis
para os cartagineses. A cavalaria romana ainda tentou fugir da batalha cruzando
o rio, mas seriam exterminados. Conforme a cavalaria romana se afastasse da
infantaria, surgiria um buraco na proteção do flanco, que Asdrúbal rapidamente
aproveitaria com tropas frescas e exploraria essa brecha para atacar a
infantaria pelo flanco.
No centro do campo de batalha, a infantaria romana
avançaria com ferocidade aproveitando a sua superioridade numérica, mas seria
atrasada pela formação de crescente convexo dos cartagineses, que obrigou os
romanos a cobrir mais território para empurrar os cartagineses, cansando-os
mais. Outra dificuldade é que os celtas preferiam usar a espada para cortar
enquanto que os espanhóis para perfurar, o que deixava os romanos tendo que se
adaptar a dois estilos de luta diferentes.
Inevitavelmente, a linha cartaginesa se quebraria e
seria empurrada para trás pela muito mais numerosa infantaria romana. A linha
cartaginesa assumiria uma forma côncava conforme ia sendo pressionada pelos
romanos. Porém, ainda havia o trunfo dos cartagineses, a infantaria pesada
africana posicionada nos flancos. A infantaria pesada, vestida com lóricas
segmentadas obtidas dos espólios da Batalha do Lago Trasimeno, abaixaria as
lanças e investiriam contra os romanos. O impacto de um ataque duplo da
infantaria pesada seria devastador, e enquanto os romanos se voltaram para
enfrentar a nova ameaça Aníbal reuniria a infantaria leve para avançar contra
os romanos que há pouco tempo atrás estavam massacrando-os.
A cavalaria romana no flanco esquerdo (direito dos
cartagineses) liderada por Varrão havia segurado os ataques da cavalaria numída
de Maharbal. Mas isso duraria apenas até a cavalaria de Asdrúbal atacar a
retaguarda da cavalaria de Varrão, o que desmontaria a disciplina romana e
provocaria uma fuga do campo de batalha. Maharbal ficaria responsável por
perseguir os romanos, enquanto que Asdrúbal atacaria a retaguarda do centro do
exército romano, completando o cercamento cartaginense.
Atacados por todos os lados, os numericamente
superiores romanos, possivelmente até essa parte da batalha, nada podiam fazer
contra os cartaginenses. A batalha terminou com um massacre e uma vitória
incontestável de Aníbal e suas tropas. A estimativa é de 47 mil mortos na
infantaria, 2,7 mil na cavalaria e mais de 19 mil prisioneiros, contra uma
baixa de 8 mil cartaginenses. Entre os mortos, Paulo, Gêmino e Minúcio.
Aníbal obteve a sua maior vitória e Roma a sua pior
derrota em toda a sua história. Roma teria que se mobilizar para se proteger,
criando novas legiões utilizando escravos, prisioneiros e sobreviventes da
Batalha de Canas. Nessa época que surgiria o dito “Hannibal ad portas”, ou “Aníbal
nos portões”, os romanos temendo uma invasão cartaginesa à capital a qualquer
momento.
O que não aconteceu. E a pergunta é: por que Aníbal
não atacou Roma? Maharbal pediria permissão para atacar a capital, negada por
Aníbal. Ele diria ao comandante que era brilhante em vencer, mas não em
explorar as suas vitórias. Porém, Aníbal sabia do potencial militar de Roma e
sabia que um cerco seria demorado e desgastante. Se Sagunto resistiu oito
meses, quanto tempo não resistiria Roma? E a estratégia de Aníbal era de uma
guerra de mobilidade, não de cerco. O que ele precisava era de mais batalhas
como Canas para que as deserções dos aliados começassem em maior volume, o que
começou apenas modestamente após Canas. Porém, Roma não daria oportunidades
para novas Canas para Aníbal.
No fim, a batalha daria validade para a estratégia
de Fábio Máximo, a única que até o momento teve algum sucesso contra Aníbal e
que voltaria a ser exercida após Canas. Paradoxalmente, o sucesso em Canas foi
o ponto mais alto da campanha de Aníbal, mas também o fim de seu avanço, na
medida em que os romanos não se engajariam em mais batalhas contra Aníbal.
Tendo perdido o momento, Aníbal passou a sofrer com deserções e com a falta de
reforços de Cartago, que preferiu reforçar a Espanha do que Aníbal. Canas seria
a maior vitória de Aníbal, mas também o máximo que chegaria de derrotar Roma.
A Segunda Guerra Púnica só terminaria em 201 antes
de Cristo, quinze anos após Canas. Como acabou e o que ocorreu entre Canas e
201 a.c., talvez eu fale em um vídeo futuro especificamente sobre a Segunda
Guerra Púnica.
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