No capítulo nove do livro O Manual do Ditador, os
autores terminaram a análise sobre a política em autocracias e democracias. O
último capítulo do livro pergunta: o que há a ser feito a partir disso?
E aqui temos que ser realistas. Os autores foram ao
longo do livro realistas e até um tanto cínicos, mas assim é que é a política.
Nesse capítulo, procuram analisar como as coisas poderiam ser na política, mas
mantendo um pé no chão.
Pelo que vimos ao longo da série, os apoiadores
essenciais preferem uma coalizão vencedora pequena para dividir em menos gente
as recompensas privadas que obtém. Porém, países governados por autocracias
tendem a ser mais pobres. Conforme a coalizão vencedora se expande, os líderes
precisariam investir mais em bens públicos para aumentar o bem-estar da
população e a produtividade do país pode crescer com um governo mais
democrático, fatores que também beneficiariam as pessoas que fazem parte da
coalizão.
O segredo para a democratização é a coalizão
vencedora se expandir. Quanto maior o grupo de apoiadores se torna, mais os
essenciais passam a considerar como positivos os benefícios de continuar a
expandir a coalizão. Mais importante de tudo, eliminar apoiadores essenciais
passa a exigir cada vez mais mortes para que se chegue ao número ideal na mente
dos líderes e dos essenciais. Se isso ocorrer e a pessoa sobreviver, ótimo. Mas
os essenciais sabem que quando a coalizão cresce, a chance do seu nome estar na
lista do expurgo é grande, então eles não estão tão dispostos a apoiar uma
eliminação de apoiadores.
Dessa forma, precisamos analisar as aspirações da
coalizão vencedora, pois eles são a fonte de mudanças positivas ou negativas. Os
essenciais podem reagir a uma revolução e a controlá-la ou participar dela, e
vão decidir qual é o caso com base no que é melhor para eles. A boa notícia é
que aumentar a coalizão é menos arriscado para os apoiadores essenciais, já que
perder privilégios é ruim, mas perder a cabeça com a redução da coalizão é
ainda pior.
O melhor momento para uma democratização é quando o
líder ou é muito novo ou já está em um estado de saúde tão ruim que não
demorará a haver uma mudança de poder. Não só por causa da transição, mas
também porque o risco de ser expurgado é maior durante trocas de regimes.
Crises econômicas também são momentos propícios
para mudanças. O dinheiro para pagar os essenciais é menor, o que no limite
força o líder a conceder liberdades econômicas para a população, mas também
pode dar incentivos para um expurgo, para reduzir o número de pessoas cujo
apoio deve ser comprado e assim aumentar o prêmio individual. Temendo isso, os
apoiadores essenciais podem ser favoráveis a um aumento na coalizão vencedora,
ruim para o bolso, mas bom para a saúde. Um apoiador em específico pode adotar
a dianteira porque sabe que o momento é bom e que outros o farão se ele não
fizer.
Dessa forma, chefes novos, morrendo ou falidos são
uma ameaça para os essenciais. Nessas condições, massas e apoiadores essenciais
podem se juntar para a realização de mudanças de regime. A Primavera Árabe é um
exemplo disso, as massas tomando as ruas e alguns dos apoiadores, incluindo o
exército, ponderando que era melhor deixar a mudança ocorrer do que se arriscar
e se opor a ela.
Nesse ponto, os autores fazem uma pausa na análise
política e passam para o mundo dos negócios e a governança. E começa analisando
o caso do Green Bay Packers, um time da NFL, a liga de futebol americano, que
está sediado em uma cidade com 100 mil habitantes e tendo 112 mil acionistas. É
o único time da NFL sem fins lucrativos e que tem como donos a própria
comunidade de Green Bay e redondezas. Há um limite no número de ações que uma
pessoa pode ter, o que impede que alguém ganhe muito poder político, e o
conselho de administração tem 43 membros. Ou seja, o time tem tanto um grande
número de intercambiáveis quanto uma coalizão vencedora grande.
Para empresas, o que os autores sugerem é
justamente dar mais poder aos acionistas minoritários. As redes sociais estão
participando ativamente das revoltas e protestos mundo afora e os autores
sugerem que esse é o caminho. Nos Estados Unidos, a base acionária das empresas
é mais dispersa, com milhões de acionistas com pouco poder político
isoladamente. Esses pequenos acionistas possuem menos acesso a informações e na
verdade não parecem se importar muito em exercer os seus direitos políticos.
A solução para esse problema é a área de relações
com investidores, que busca a comunicação entre os investidores e a empresa. Há
muitas iniciativas boas em Relações com Investidores no Brasil e no exterior,
mas isso não parece ser suficiente para engajar mais os investidores. Uma coisa
que não se vê é algum tipo de fórum de discussões ou um blog para que os
acionistas pessoa física de uma empresa se comuniquem e possam se mobilizar.
Está certo que líderes empresariais fazem de tudo
para dificultar a ação dos minoritários, mas, diferente dos líderes políticos,
não dispõem de poder de polícia para reprimir os seus intercambiáveis.
Iniciativas que fizessem com que os minoritários se mobilizassem podem ter o
mesmo efeito renovador que manifestações por liberdades políticas poderiam
obter, de forma a tornar os líderes mais responsáveis com seus principais, com
as pessoas que eles representam.
Voltando ao mundo político, os autores analisam a
história dos Estados Unidos e como melhorar as democracias. Eles questionam as
análises de que o norte era mais próspero por causa do clima ou da escravidão.
Um estudante deles realizou o cálculo do tamanho da coalizão vencedora estado a
estado e determinou que no norte o número de apoiadores essenciais em relação à
população era maior.
Os autores ainda retomam a discussão sobre o
desenho dos distritos, um tema bastante polêmico nos Estados Unidos e que
permite reduzir o número necessário para ser eleito nos Estados Unidos. Sugerem
acabar com o gerrymandering e também o colégio eleitoral e a eleição indireta.
Sugerem também flexibilizar as regras de imigração, que na verdade é
historicamente um dos motivos para que os Estados Unidos tenham se
desenvolvido. Além do mais, pode servir para aumentar a coalizão vencedora e
forçar os líderes a se preocupar mais com o bem-estar da sociedade.
Para ditaduras, mudanças podem ocorrer por dentro
ou por fora. A maneira mais eficiente e com mais chance de sucesso é que isso
ocorra por dentro. E o ambiente mais propício para a queda de um regime é uma
crise econômica quando o líder depende do dinheiro dos impostos para se manter
no poder. Países turísticos são especialmente vulneráveis a mudanças,
especialmente em tempos recentes. Para atrair turistas e ganhar dinheiro, o
líder precisa conceder infraestrutura e liberdades, inclusive a de reunião e
comunicação. Essas liberdades acabam se voltando contra o governo, como vimos
na Tunísia e no Egito, dois países que dependem do turismo.
As democracias que genuinamente desejem
democratização podem influenciar esse processo impondo condições para a ajuda
externa, como a de fornecer infraestrutura de comunicações. Isso pode ser bom
para o líder, na medida em que aumenta a produtividade da economia. Beneficia a
população também, as comunicações melhorando a vida econômica das pessoas e
dando as condições para uma revolta. Se o líder se recusar a aceitar a
tecnologia, vai estar sinalizando para os doadores de ajuda externa que não é
um líder político confiável. Outras condições podem ser impostas, como metas a
serem cumpridas pelo país beneficiário, inclusive em termos de liberdades
políticas.
Para ditaduras que podem se manter com recursos
naturais, a questão é mais complicada, já que esses países não precisam
fornecer muitos bens públicos para arrecadarem os recursos necessários para o
líder se manter no poder. O jeito é esperar que a revolta política surja de
dentro do país e oferecer anistia ao líder. Isso pode parecer estranho e até
injusto, mas anistiar o líder de uma ditadura pode ser efetivo para tirá-lo do
poder sem maiores derramamentos de sangue. E mesmo a mera proposta pode ser
efetiva, já que os apoiadores essenciais vão desconfiar que o líder pode
escapar a qualquer momento e retirar o apoio a ele. Porém, isso depende de
ocorrer uma situação em que essa barganha possa ser mais efetiva.
Eleições, por si só, não são a solução. Mesmo que
não haja manipulação de votos, mesmo que as pessoas possam votar livremente, de
nada adianta se o partido no poder puder manipular o processo eleitoral para
reduzir as chances da oposição ou até mesmo eliminar opositores fortes.
Eleições nesse caso só aumentam a base de intercambiáveis (que é bom para o
líder ao deixar desconfortável os seus apoiadores próximos) e servem para dar
legitimidade ao líder aos olhos da comunidade internacional e entrincheira-lo
ainda mais.
Bom, esse é o fim do livro O Manual do Ditador. O
livro mostra alguns conceitos importantes sobre política e explica como líderes
se comportam em democracias e autocracias dependendo de quantas pessoas ele
precisa satisfazer para se manter no poder. A série terá mais um capítulo para
eu mostrar o final dessa missão do Tropico 5, só não sei ainda sobre o que
exatamente vou falar nesse próximo vídeo.
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