Bem-vindos de volta ao Manual do Ditador. Nesse
vídeo, vou acrescentar algumas coisas sobre o que tem no livro, que eu acho que
ajuda a entender melhor os argumentos apresentados.
Principal-Agente
Os autores não falam isso, mas eu diria que o
raciocínio que eles desenvolvem se aplica para situações onde há uma relação de
agência, ou seja, quando uma parte é escolhida para agir em nome da outra.
Nesse tipo de relação, temos o agente e o principal. O principal é a parte que
tem os seus direitos representados e o agente é a parte que toma decisões em
nome do principal. Na política, a população é o principal e os políticos os
agentes. Nas empresas, os acionistas são os principais e os administradores da empresa
os seus agentes.
O grande problema nas relações de agência é que o
agente deveria tomar as decisões visando o melhor interesse do principal. No
entanto, o agente tem os seus próprios interesses a perseguir e poderá seguir
com a sua própria agenda às custas do principal. É um dever ético o agente ter
responsabilidades para com aqueles que ele representa, devendo tomar os
melhores esforços para perseguir o melhor interesse dos principais, isso
constando de lei inclusive. Porém, todos sabemos que isso nem sempre vai
acontecer e nunca ocorrerá de forma ideal. A isso denominamos conflito de
interesses, quando os agentes atuam de forma a beneficiar a eles próprios em
detrimento do principal.
A teoria da agência é bem complexa e existem
diversos mecanismos para tentar alinhar os interesses do agente e do principal,
de forma a fazer com que o agente faça o melhor para o principal porque isso
também o beneficia. De interessante para essa série, temos fato de que o agente
buscará obter o cargo e depois mantê-lo e seguindo a teoria dos autores do
livro isso será mais fácil nas condições que eles colocam nas regras da
política, que expliquei no vídeo anterior. Basicamente, ele tem que descobrir
quais são os essenciais para que ele se mantenha no poder e comprar o apoio
dele usando dinheiro da instituição que ele representa. Uma vez conseguindo
isso, pode se dar ao luxo de ignorar os principais, ou a parcela deles que está
fora da coalizão vencedora.
Eleições
corporativas
Todo mundo sabe basicamente como uma eleição
política funciona. Para empresas, no entanto, talvez não saibam tanto. Primeiro
de tudo, temos os acionistas, que são os donos da empresa na proporção da
quantidade de ações que possuem, ou cotas se não for uma sociedade anônima. Se
a empresa tem ações negociadas na bolsa, qualquer um pode ser acionista da
empresa, bastando comprar as ações no mercado.
A ação dá ao acionista dois direitos: o de
participar nas assembleias de acionistas e de receber parte dos lucros da
empresa, os dois direitos sendo proporcionais à quantidade de ações que
possuem. No Brasil, temos a diferenciação entre ação ordinária e ação
preferencial. A ação preferencial, em relação à ordinária, tem poderes
políticos reduzidos, em muitos casos, nulos, mas com direitos adicionais no recebimento
de dividendos. Nos mercados internacionais, há a ação preferencial, mas ela não
tem nada a ver com a nossa ação preferencial, e não vem ao caso explicar as
diferenças. E há também ações com direitos diferenciados, mas eles chamam isso
de ação ordinária de classes diferentes.
Pois bem, as ações com direito a voto permitem
participar da assembleia de acionistas e nelas é possível eleger os membros do
conselho de administração da empresa. Estes, por sua vez, irão eleger os
diretores da empresa, inclusive o diretor-presidente, que é o CEO na
nomenclatura em inglês. Em assembleias de acionistas, diferente de eleições
políticas, os acionistas têm pesos diferentes e é possível que um reduzido
grupo de pessoas possam ter maioria na assembleia. Nesse caso, dizemos que a
empresa tem um controlador definido, que pode ser um único acionista ou um
grupo de controle. E aqui temos outro conflito, entre acionistas controladores
e minoritários, que é uma discussão complexa.
O diretor-presidente é o que toma as principais
decisões executivas nas empresas e podem ser considerados os líderes, da forma
que chamo nas análises dos autores do livro. Na visão deles, os
diretores-presidentes são como os líderes em autocracias e democracias, querem
chegar ao poder e se manter nele. Há uma série de benefícios para os
presidentes de empresas assim como para os presidentes de repúblicas. Eles têm
um bom salário, definido em assembleia geral dos acionistas que aprova ou não a
sugestão do conselho de administração, têm secretária, jatinho, carro da
empresa, mandam nas pessoas, têm o saco-puxado por todo tipo de gente
importante, vários benefícios que muitas vezes eles próprios definem. Assim
como ocorre com políticos, irão se valer dessas regalias na medida do possível,
em algumas empresas encontrando mais restrições e em outras menos. Aqui
voltamos ao tópico anterior, podendo haver um conflito de interesses entre
acionistas e administradores quanto ao uso dos recursos da empresa.
Provavelmente os autores não tocam nesse tema, mas
eleições em clubes de futebol seguem uma lógica parecida com a desenvolvida
pelos autores. E aqui temos uma situação peculiar, onde os principais, que são
os torcedores, na maioria das vezes não são nem intercambiáveis, ou seja, não
tem o mínimo poder de escolher o presidente do clube. Pelo pouco que sei da
política clubística, os presidentes são eleitos pelos sócios do clube, que não
são tão numerosos. Então, temos poucos intercambiáveis e menos ainda
essenciais. O líder precisa então convencer poucas pessoas para se manterem no
poder e mantê-los fiéis com distribuição de benesses com o dinheiro do clube.
Grupos de sócios costumam ser formados e a tarefa do líder fica facilitada
precisando negociar com alguns grupinhos para formar a sua coalizão vencedora.
Mas a base de apoio necessária para o líder se
manter no poder pode incluir outras pessoas, como membros de conselho
deliberativo e outras coisas. Como disse, não entendo muito de política de
clubes. Mas tem um elemento essencial para manter o líder no poder, que são as
torcidas organizadas, que recebem várias regalias como ingressos e passagens
aéreas. Enquanto tiverem isso e o time estiver indo bem, irão apoiar o líder.
Do contrário, podem se revoltar contra ele e isso pode causar um grande estrago
no clube, até literalmente. Dessa forma, o presidente de clube precisa
descobrir quem são os essenciais e como comprar a sua lealdade, como em outros
contextos, com a diferença que temos um elemento para-essencial, por assim
dizer, que consegue fazer parte da coalizão vencedora sem sequer ser um
intercambiável.
Paraísos
Fiscais
O último tópico adicional que gostaria de abordar é
o dos paraísos fiscais. São países que facilitam a entrada de capital
estrangeiro oferecendo tributação baixa ou nula, sigilo bancário e baixa ou
nula aplicação das leis internacionais de prevenção ao crime de lavagem de
dinheiro. Antes que alguém pergunte, não, o Brasil não é um paraíso fiscal,
aliás, tem uma boa legislação contra a lavagem de dinheiro e um sistema
bancário bastante evoluído.
Por que políticos, empresários, ditadores e outros
tipos mandam dinheiro para paraísos fiscais? Das vantagens mencionadas, baixa
tributação é bom, mas não é o principal. O essencial de tudo é o sigilo e a
possibilidade de lavar dinheiro. Paraísos fiscais podem ser utilizados para
fins justificáveis e sem haver nenhum crime envolvido, muitas empresas sérias
mantêm operações offshore nesses países, mas também são muitos utilizados para
lavar dinheiro. Como isso ocorre? Imagine que você seja o ditador do jogo
Tropico. Você desvia dinheiro dos cofres públicos para a sua conta pessoal. Ou
seja, há um crime antecedente, que é a corrupção. Você quer depositar esse
dinheiro fora do país porque não acredita nas instituições do seu país e porque
o que você quer comprar não tem no país. Não poderia depositar em um país que
não seja paraíso fiscal, porque eles irão questionar a origem do dinheiro. Na
prevenção à lavagem de dinheiro, os bancos e seus profissionais precisam
questionar a origem do dinheiro movimentado seguindo o princípio do Conheça o
seu Cliente. Se você, agora falando do você de verdade, não o ditador
hipotético do Tropico, entrar no banco com uma maleta com um milhão de reais
para depositar, vão perguntar a origem do dinheiro e podem até se recusar a
aceitar o depósito se você não der uma boa justificativa. Além do mais, vão te
reportar ao COAF, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, e você pode
ter problemas. Os bancos são muito atentos quanto ao crime de lavagem de
dinheiro e procuram seguir a legislação nesse ponto, porque isso representa um
risco legal e um risco de imagem. Os próprios profissionais precisam se atentar
a isso, pois podem ser co-responsabilizados pelo crime. Na lavagem de dinheiro,
“eu não sabia” não é justificativa: você é obrigado a conhecer o seu cliente.
Então, não é uma boa tentar depositar dinheiro
ilícito em bancos que seguem as normas internacionais de prevenção à lavagem de
dinheiro. Então, o corrupto precisaria enviar dinheiro para países que não
questionam a origem do dinheiro. Melhor ainda, que permitam manter em sigilo a
identidade do depositante. Ou seja, não pagar imposto é bom, mas para o
corrupto, melhor ainda é poder levar o dinheiro para um lugar seguro de onde
ele poderá posteriormente dar aparência de legalidade e utilizar para comprar
mansões no exterior, Ferraris, festa com supermodelos etc.
Bom, eram esses os pontos que eu gostaria de
acrescentar e que serão úteis para entender melhor o livro O Manual do Ditador.
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