No primeiro capítulo do livro O Manual do Ditador,
os autores, Mesquita e Smith, mostram quais seriam, segundo eles, as regras da
política. Será utilizada aqui a palavra líder para denominar todo aquele que
tem poder político, o foco sendo nos ocupantes de cargos públicos, mas podendo
ser aplicado também a presidente de empresas, por exemplo.
Primeiro, querem deixar claro que os líderes não podem
agir unilateralmente. Por mais que ditadores tenham acumulado e ainda hoje
acumulem grande poder, não podem agir totalmente por conta própria e não governam
sozinhos. Mesmo para exercer poder absoluto, o líder precisa de um grupo
restrito de asseclas com lealdade absoluta a ele, precisa recompensa-los muito
bem e assim fazer com que eles também se apeguem ao poder e não tentem tirar o
poder dele. O líder precisa se certificar de que seja mais lucrativo para seus
seguidores próximos apoia-lo do que apoiar a qualquer outro. Um grande número
de pessoas esperando para fazer parte do círculo íntimo do líder é mais um
fator a garantir a lealdade de seus asseclas.
A paisagem política pode ser separada em três
dimensões: o seletorado nominal, o seletorado real e a coalização vencedora. Os
autores usam a palavra seletorado, que não existe, mas ajuda a criar um
conceito diferente do eleitorado, já que me parece independer de haver ou não
eleições como temos em democracias. Ou seja, o seletorado seria o grupo de pessoas
que seleciona o líder, independente de haver eleição. Esse conceito de aplica a
democracias e ditaduras igualmente.
O seletorado nominal é todo aquele que tem direito
legal de escolher seu líder. O seletorado real é aquele que efetivamente escolhe
o líder, pensando aqui nos que efetivamente votam. O mais importante de todos é
a coalização vencedora, o subconjunto do seletorado real que compõe a
coalização e dá sustentação ao líder e cujo apoio é essencial para a sua
sobrevivência. Explicando de outra maneira, o seletorado nominal é o grande
conjunto de possíveis apoiadores do líder, o seletorado real inclui aqueles que
são realmente influentes e a coalizão vencedora aqueles sem os quais o líder
não sobrevive. De maneira mais simples, são respectivamente: os
intercambiáveis, os influentes e os essenciais.
No exemplo da cidade de Bell, mostrado no vídeo
anterior, o seletorado nominal eram os 9.395 votantes aptos. O seletorado real
eram os 2.235 que efetivamente votaram. Os essenciais eram aqueles 473 votos
necessários para eleger um membro do conselho municipal. Em uma ditadura, o
seletorado nominal pode ser a totalidade da população adulta, mas o seletorado
real são aqueles que escolhem os candidatos únicos aos cargos e a coalização
vencedora são aquelas pessoas que dão suporte ao vencedor. Nas eleições
americanas, o seletorado nominal são aqueles que podem votar, o seletorado real
aqueles que compõem o colégio eleitoral (na prática, nominal=real) e a coalizão
vencedora o número mínimo de votos no colégio eleitoral necessários para eleger
o presidente, que pode representar meramente 20% da população. Em eleições para
presidente de empresas, o seletorado nominal são os acionistas, os seletorado
real o conselho de administração eleito pelos acionistas e a coalização
vencedora o número mínimo de conselheiros para eleger o presidente.
Todo o argumento dos autores ao longo do livro gira
em torno dessas três dimensões. A proporção de intercambiáveis, influentes e
essenciais é o que vai determinar o que o líder pode e não pode fazer. Isso se
aplica a ditaduras e democracias. Nesses termos, ditadura pode ser definida
como um pequeno número de essenciais tirados de um grande número de
intercambiáveis e um relativamente pequeno número de influentes. Democracias têm
um grande número de essenciais com um número maior de influentes quase do mesmo
tamanho dos intercambiáveis. Outras formas de governo, como monarquias e juntas
militares, têm um pequeno número dos três tipos.
Modificar a quantidade relativa dos três grupos é a
arte de governar, segundo os autores, e pode ser feito para obter ou manter o
poder. Nos Estados Unidos, há um controverso método chamado de gerrymandering,
através do qual são definidos os distritos eleitorais. Essa divisão pode ser
manipulada de forma a reduzir o número de essenciais para que o político seja
eleito, ou seja, para diminuir o número de pessoas que precisam votar no líder
para que ele seja eleito.
Na administração do orçamento, o líder precisa
decidir quanto gastar em bens públicos que beneficiam a sociedade e quanto
gastar em bens privados para beneficiar uns poucos, incluindo o próprio líder.
A questão aqui é a quantidade de pessoas que o líder precisa comprar para se
manter no poder.
Em democracias, o custo de se comprar a lealdade
através de bens privados é muito elevado, já que o número de essenciais é muito
grande. Por isso, precisa investir em bens públicos que melhorem, ou deem a
impressão de melhorar, a situação das pessoas. Em ditaduras, é possível
investir em bens privados para comprar a lealdade da coalizão vencedora, gastar
um pouco em bens públicos para manter o povo longe da revolta e mandar o resto
para a sua conta em Cayman. Programas públicos para aumentar o bem-estar da
população não devem ser encarados do ponto de vista da benevolência do líder, e
sim em termos de manter seus apoiadores felizes e leais.
E nesse ponto, o líder se coloca em um dilema. Para
comprar a lealdade de seus seguidores, o líder precisa de dinheiro, que não sai
de seu bolso ou da sua conta em Cayman, e sim dos próprios seguidores. E as
pessoas não gostam de pagar impostos, embora saibam que algum nível de tributação
para serviços essenciais é necessário. Seguindo o raciocínio desenvolvido até
aqui, os impostos tendem a ser menor quanto maior for a coalizão vencedora.
Precisar comprar poucas lealdades é o caminho para poder explorar os que estão
foram da coalizão vencedora.
É importante para o líder saber controlar a sua
coalizão vencedora para poder mantê-la a um custo menor. O líder precisa propor
aos seus apoiadores mais do que eles poderiam obter apoiando outro líder. Do
contrário, outra pessoa receberá o apoio dos essenciais e o líder pode ser
deposto. Os soviéticos entendiam muito bem disso, apenas um de seus líderes
tendo sido deposto, os outros saíram ao morrer por idade ou doença.
O atual líder tem uma vantagem. Todos sabem que os
políticos mentem, então um novo líder prometendo mais recompensas aos essenciais
não necessariamente precisa cumprir a promessa. Pode simplesmente ganhar o poder
e se livrar dos essenciais, sabendo que eles poderão apoiar outra pessoa no
futuro. Há o sério risco do novo líder colocar novos apoiadores na coalizão
vencedora, esperando que esses sejam mais leais, e se livrar daqueles que o
apoiaram. A pergunta é: como? Ou mandando para o exílio, ou mandando para uma
missão suicida ou matando, tanto faz, na verdade. Mandar para o exílio ou para
uma missão fadada ao fracasso na Bolívia, digamos, é mais gentil quando o líder
tem uma ligação mais afetiva com quem ele quer se livrar, mas no fim dá na
mesma. Essa é uma boa maneira de também se livrar de possíveis desafiantes.
Então, quem pensa em participar de uma revolução sem ser o líder, muito cuidado
para não ser descartado na primeira oportunidade. Quem dá golpe de estado uma
vez, pode dar uma segunda vez e o novo líder vai procurar evitar isso.
Além disso, para reduzir o custo de se manter a
coalizão vencedora, é necessário ter um bom número de pessoas esperando a sua
oportunidade de compô-la. Quando há poucos essenciais para muitos
intercambiáveis ou influente, é fácil substituir um essencial, que sabe disso e
cobrará pouco para se manter leal.
Com base no que foi visto no primeiro capítulo, é
possível formular as regras de sobrevivência política. Regra nº 1: Mantenha a
sua coalizão vencedora o menor possível, dependendo de menos pessoas para se
manter no poder. Bom exemplo disso é o ditador Kim Jong Il, que se manteve no
poder dependendo de um número bem reduzido de essenciais.
Regra nº 2: Mantenha o seletorado nominal o mais
amplo possível. Assim, é possível substituir um essencial ou influente
problemático por outro mais dócil. Lênin fez um bom trabalho nesse sentido ao
adotar o sufrágio universal, sem que isso significasse perda de poder.
Regra nº 3: Controle o fluxo da renda. O ideal
seria manter um grande número de pessoas pobres e redistribuir a renda entre os
seus apoiadores e para si mesmo. O exemplo dado pelos autores é de Asif Ali
Zardari, que acumulou um patrimônio de US$ 4 bilhões e governa um dos países
com menor renda per capita.
Regra nº 4: Pague seus apoiadores o suficiente para
que se mantenham leais. Uma vez controlando a renda, é possível comprar o apoio
de essenciais, só tendo que tomar o cuidado de não pagar demais. Robert Mugabe
conhecia muito bem essa regra, aumentando o pagamento a seus apoiadores sempre
que surgia a ameaça de um golpe.
Regra nº 5: Não tire dinheiro de seus apoiadores
para fazer a vida das pessoas melhor. Entre dar mais dinheiro para o povo ou
para os apoiadores, opte pela segunda opção. Um povo faminto é fraco demais
para se revoltar. Apoiadores famintos, por outro lado, são extremamente
perigosos. Um ótimo exemplo é de Than Shwe de Mianmar, que após o ciclone
Nargis controlou a ajuda humanitária e deixou que fosse vendida no mercado
negro pelos militares ao invés de deixar que chegasse ao povo.
A pergunta que fica é: isso se aplica para
democracias? A resposta é: sim, só que é mais complicado. Não dá para mandar
matar os possíveis desafiantes ou apoiadores inconvenientes, por exemplo. Algumas
regras ficam difíceis, mas não impossíveis, de seguir. Na primeira regra, o
citado gerrymandering serve justamente para reduzir o tamanho da coalizão
vencedora. A imigração pode expandir a base de intercambiáveis. As discussões
sobre tributação são justamente a respeito da regra nº 3. Programas sociais
alvejam seguir a regra nº 4, e favorecer ricos e doadores de campanha a regra
nº 5. É só uma questão de imaginação e criatividade.
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