Bem-vindos de volta ao Manual do Ditador. Vamos
agora para o segundo capítulo do livro, Chegando ao Poder.
As pessoas pensam que os políticos são serem
especiais que por conta disso conseguem chegar ao poder. No começo do segundo
capítulo do livro, há um exemplo de que quase literalmente um Zé Ninguém pode
chegar ao poder e lá se manter. John Doe é o nome dado a corpos não
identificados nos Estados Unidos. Literalmente, é um Zé qualquer. Eis que outro
Doe, o Samuel Doe, surgiria na Libéria. Ele era um sargento do exército que
chegou no quarto do então presidente, William Tolbert, em 12 de abril de 1980 e
o matou, se proclamando presidente logo depois. A primeira medida dele foi
executar os ministros do ex-presidente, recebendo apoio da população. Então,
organizaria o Conselho da Redenção do Povo que suspendeu a constituição e baniu
a atividade política.
Doe nunca tinha estudado política, mas sabia
exatamente o que fazer para manter o poder. Ele formou uma pequena coalizão e
os pagou para serem leais. Substituiu cargos chave na administração e no
exército por pessoas de sua confiança, muitas oriundas de sua vila, aumentou os
salários no exército e expurgou aqueles que ele não confiava, incluindo quinze
antigos colaboradores dele.
Dinheiro não era problema, a Libéria recebendo
vastas quantias de empresas e países estrangeiros, além de empresas estatais.
Como a coalizão era pequena, esse dinheiro era dividido por menos gente. A
economia do país ficou em frangalhos e o povo pobre e descontente, mas esse é
um mero detalhes. Para todos os efeitos práticos da política, Samuel Doe era um
imenso sucesso.
Essa história mostra que qualquer um pode se tornar
líder se souber aproveitar a oportunidade. Para chegar ao poder, são
necessárias três coisas: 1) Tirar o incumbente; 2) Tomar posse do aparato do
governo; 3) Formar uma coalizão de apoiadores para sustenta-lo no poder.
No primeiro ponto, o mais fácil é o incumbente
morrer. Assassina-lo não está fora de cogitação. Outra possibilidade é o
incumbente ser deposto, por um golpe de estado ou revolta popular. Aqui, é
necessário que os apoiadores do regime não deem suporte ao líder ou mesmo que
eles ajam para derruba-lo. O Egito é um bom caso. Em 2011, o presidente Hosni
Mubarak seria derrubado pelos militares após revoltas populares. O corte na
ajuda externa americana e a má situação da economia fizeram com que minguasse o
dinheiro no Egito que pudesse ser utilizado para pagar os apoiadores. Os
militares poderiam ter suprimido a revolta, mas como não estavam sendo muito
bem pagos para fazer o trabalho sujo de Mubarak, resolveram deixar que as
revoltas ocorressem.
Assim que tomar o poder, a velocidade é essencial
para se apoderar das principais instituições, como o Tesouro, principalmente
quando a coalizão é pequena. Se a mudança de poder está sendo caótica, nada
impede que um concorrente mais rápido faça uma nova mudança. Samuel Doe matou o
presidente e tomou o poder, mas o que o manteve foi rapidamente ter usado a sua
coalizão para se apoderar do exército. Se outro tivesse feito isso, Doe não
teria sido o presidente da Libéria.
Ou seja, pagar apoiadores, e não boa governança ou
cumprir a vontade popular, é a essência da política. Na transição de um regime
para outro, é importante trazer rapidamente apoiadores para o seu lado, antes
que eles comecem a imaginar se não ganhariam mais com outro líder. Por isso,
Doe rapidamente aumentou os salários no exército. Mas só recompensas não são
suficiente, porque os apoiadores iriam desejar cada vez mais. É necessário
também um pouco de medo. Apoiadores com medo de serem substituído são muito
mais leais do que os apenas bem recompensados.
A mortalidade é um problema sério para a coalizão.
Líderes mortos não dão recompensas e líderes morrendo deixam vulneráveis a
coalizão vencedora a possíveis desafiantes, por isso que as doenças dos líderes
são mantidas em segredo para evitar o levante de essenciais ou pessoas de fora
da coalizão.
A subida do iatolá Khomeini foi um caso em que
alguém de fora da coalizão aproveitou a oportunidade com a morte do incumbente.
Para obter o poder, é necessário capitalizar sobre as insatisfações populares e
dentro da coalizão e com isso obter carta branca para realizar mudanças que
permitam que ele se mantenha no poder. Khomeini aproveitou a ovação popular
para trazer o exército para seu lado e perseguir dissidentes, declarar uma
república Islâmica e reescrever a constituição para dar poder aos clérigos, ou
seja, sua coalizão vencedora. Khomeini se tornaria o líder supremo com a
proteção de um conselho que vetasse leis ou candidatos não-islâmicos. Isso
acabou por excluir grupos seculares e moderados, mais conhecidos como idiotas
úteis que só serviram para colocar Khomeini no poder.
Khomeini subiu ao poder dando à oposição um ponto
focal e contando com a não intervenção do exército. Uma vez no poder, reduziu o
tamanho da coalizão vencedora, embora existissem muitos outros interesses no
golpe. Havia democracia com eleições parlamentares, mas apenas membros da
coalizão vencedora podiam ser candidatos. O interessante é analisar porque
Khomeini tomou o poder em 1977, não quatorze anos antes, quando foi para o
exílio. A revolta contra o xá ocorreu por insatisfação popular, que já existia
antes. O que importou foi a complacência do exército, que poderia reprimir as
revoltas, mas não o fez. Não o fez porque não tinham uma recompensa para agir
de uma maneira tão desagradável.
A história das Filipinas mostra um caso parecido.
Benigno Aquino Jr., assim como Khomeini, era um candidato a desafiante do líder
com grande apoio popular e que poderia derrubar um tirano. Ele se tornaria um
crítico do presidente e foi para o exílio. Em 1983, retornaria ao país para
lutar pela liberdade, como ele disse. Mau movimento, deveria ter esperado o
incumbente cair, assim como fez Khomeini. Ele seria assassinado em
circunstâncias estranhas. Sua esposa, que, a exemplo de Samuel Doe, não tinha
habilidades políticas seria a presidente anos depois.
Eleições ocorreriam em 1985. O incumbente
Ferdinando Marcos concorreria com a esposa de Aquino, Corazon. Marcos fraudaria
a eleição e venceria. Até ai, tudo bem, Marcos agiria de maneira correta para
se manter no poder. O problema é que ele perderia apoio. O presidente Reagan,
cardeais da Igreja, o povo e a oposicionista perdedora protestaram, mas nada
que não se resolva. O problema foi que o exército abandonou Marcos e isso faria
com que a eleição fraudulenta fosse anulada.
Por trás de tudo isso, a informação de que Marcos
estava doente e não viveria muito mais tempo. Quem sabia dessa informação sabia
que não poderia contar com ele para extrair benefícios e era mais garantido
esperar a transição para negociar o apoio. Mesmo sem saber nada de política,
Corazon agiu certo ao desafiar o incumbente quando ele era fraco.
Para evitar mudanças de regime, o líder precisa
nomear seu sucessor ainda quando tem poder. É o que Kim Jong Il e Fidel Castro
fizeram, mantendo a vantagem do incumbente na política. Nesse caso, por mais
que o líder seja forte, pode ser difícil que a sua vontade seja respeitada após
a sua morte. Por isso, não são raras as disputas fraticidas pela sucessão, isso
inclusive era política de estado no Império Otomano.
Por que não desafiar o herdeiro? Uma das razões é
que é mais provável que o herdeiro siga com o esquema de pagamento para a
coalizão vencedora, o que reduz a incerteza. Outro motivo é que há muitos
concorrentes ao cargo, o que diminui a chance de se tornar o novo líder.
Fracassar em obter o poder para si significa morte. Além do mais, um bom herdeiro já sabe onde
está o dinheiro e quem pagar, logo, herda a vantagem do incumbente de seu
antecessor e não é fácil tira-lo do poder. Então, havendo um herdeiro
confiável, os essenciais preferem apoia-lo a arriscar uma aventura.
Uma coisa que é essencial para o líder é que o
estado se mantenha com os cofres cheios, com uma economia próspera e com as
contas equilibradas na medida do possível. Não pelo bem-estar da população,
óbvio, mas porque sem dinheiro não tem como pagar os apoiadores. Crises
financeiras são o chamariz perfeito para o surgimento de desafiantes.
Foi o que aconteceu na Revolução Russa. No meio da
Primeira Guerra Mundial, que drenou os recursos da Rússia, o país começou a
passar por uma grave crise econômica. O exército russo não se importou em
proteger o tsar dos revoltosos, já que não estavam recebendo a parte deles.
Pior, baniu a vodka do exército. Ai não tem russo que aguente!
Após a queda de Nicolau II, o primeiro a assumir
foi Alexander Kerensky. O erro dele foi tentar um governo democrático com uma
coalizão vencedora bem ampla, além de continuar a principal crítica ao tsar, a
guerra. Lênin e os bolcheviques não cometeriam o mesmo erro, tomariam o poder
de Kerensky, mantiveram uma pequena coalizão e executaram os opositores.
A economia não é tão essencial assim, desde que
sobre dinheiro para pagar os essenciais. O Zimbábue é um desastre econômico há
muito tempo, com uma inflação tão elevada que há notas de cem trilhões de
dólares zimbabuanos. O Zimbábue foi transformado em uma vibrante economia
agrícola exportadora para um país dependente de ajuda externa. Além disso, há
uma epidemia de cólera no país. O presidente do país, Robert Mugabe, não
cometeria o erro de tentar consertar esse problema. Tudo que ele precisava para
se manter no poder era pagar o exército. No que a política mais importa, Mugabe
é certamente um vencedor, estando no poder por 26 anos aos 90 anos.
Mudanças institucionais podem ser necessárias para
se manter no poder. Um exemplo é o da Perestroika de Mikhail Gorbachev.
Certamente que o presidente russo não adotou esse programa por ser um liberal,
mas, como ocorre com todo regime socialista, o dinheiro dos outros uma hora acaba.
A União Soviética precisava de dinheiro e, apesar de ser perigoso dar liberdade
às massas, isso era necessário para manter a competição com os Estados Unidos.
Era uma aposta arriscada e Gorbachev pagaria o preço.
Vários grupos antirreformistas foram contrários a
Gorbachev e procuraram derruba-lo. Mas Gorbachev receberia o apoio de Boris
Iéltsin e voltaria ao poder. Por pouco tempo, já que o próprio Iéltsin tomaria
o poder. Ele comandaria o colapso da União Soviética e sedimentaria o seu poder
formando uma coalizão vencedora com alguns membros da coalizão de Gorbachev se
aliando aos que se beneficiariam mais com o fim do regime comunista, que
certamente não seriam os membros do Partido Comunista.
Em democracias, o processo também envolve comprar o
apoio da coalizão vencedora, mas há diferenças. É mais difícil garantir a
lealdade, já que a melhor maneira de conseguir maior apoio para ser eleito é
através do fornecimento de bens públicos, que beneficiam a todos de maneira
dispersa. O incumbente tem uma vantagem, mas nada que o desafiante não possa
oferecer. Também não há a necessidade de pressa e geralmente há uma longa
distância entre a vitória na eleição e a tomada de posse do poder.
A tomada do poder é mais civilizada e o processo é
mais no campo das ideias do que no confronto físico, mas isso não garante que
boas políticas serão adotadas. A disputa em ditaduras é pela apropriação de
bens privados e a disputa em democracia é em termos de ideias políticas. A
disputa geralmente envolve prometer gastar mais e mais dinheiro, o que impacta
o déficit público e a dívida pública, mas tudo bem, já que gente que ainda nem
nasceu não vota e os pais atuais ou futuros não se importam com as
consequências dos gastos públicos no longo prazo.
O segredo aqui é tentar separar para conquistar, ou
seja, causando um racha nos apoiadores dos adversários políticos e tentando
capitalizar sobre isso. Abraham Lincoln foi um grande exemplo, questionando o
concorrente Stephen Douglas sobre a escravidão nas eleições para o senado em 1858.
Se mostrasse apoio à abolição, ganharia a eleição para senado em Illinois
contra Lincoln, mas isso causaria rebuliço no Partido Democrata. Se não o
fizesse, perderia a eleição para senador e diminuiria as chances de ser
candidato presidencial dois anos depois.
Douglas se mostraria a favor da abolição, ganharia
a eleição para senado em 1858, mas a cisma no partido abriria caminho para
Lincoln, que venceria a eleição com 40% dos votos e pouquíssimos votos no sul.
Na campanha da reeleição, Lincoln possibilitou que soldados votassem para
aumentar a sua quantidade de votos. Mesmo estando em uma democracia, Lincoln
entendia sobre como manipular os essenciais para obter o poder.
Por fim, política é um negócio arriscado e não é
para quem tem coração fraco. O capítulo termina com quem começou, Samuel Doe.
No fim, acabou o dinheiro dele quando os Estados Unidos removeram o apoio após
o fim da Guerra Fria e isso causou muitos problemas. Sim, o exército ainda estava
do seu lado, mas o comportamento dos militares na repressão das revoltas acabou
por alimentar o levante e isso culminou em sua deposição e um fim bem feio.
Então, política é também sobre como lidar com riscos e não deixar que uma porta
se abra para desafiante, uma vez que isso é tudo o quanto basta para perder o
poder. Mas manter o poder é um tema para o próximo vídeo.
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