Guerra é uma constante da história humana. Muitas
vezes, a guerra pode ser fruto de algum erro de cálculo ou mal entendido, mas
também pode ocorrer de ser iniciada por um cálculo político de sobrevivência
política seguindo as regras descritas no livro.
Isso não deveria ser surpreendente. Afinal, como
disse Clausewitz, a guerra é a continuação da política por outros meios. Então,
precisamos sempre procurar verificar os motivos políticos que levam a uma
guerra e, assim como ocorre em outros aspectos, autocracias e democracias
diferem muito. Líderes democratas pensam em bens públicos para satisfazer a
grande coalizão, enquanto que líderes autocratas pensam mais nas recompensas
privadas que podem extrair da guerra. Líderes democratas preferem comprometer o
exército nacional para guerras que sabem que podem ganhar para conflitos de
interesse nacional. Autocratas podem se comprometer a guerras de mais difícil
resolução, podem fazer um bom esforço inicial, mas logo depois pedem para sair
se as perspectivas parecem ruins.
A Guerra dos Seis Dias é um exemplo desse
comportamento díspar. Israel entrou nesse conflito contra Egito, Síria e
Jordânia com objetivos claros e sabendo que poderia vencer. Os gastos militares
de Israel eram menores em termos absolutos na comparação com seus inimigos, mas
em termos relativos o gasto por soldado era maior. E era mais bem empregado em
equipamentos e treinamento que minimizavam o risco de baixas. Sendo uma
democracia, Israel se preocupa com as baixas de soldados, que também são
eleitores e cuja morte é vista como negativa pelos outros eleitores. Para os
inimigos, que eram e ainda são autocracias, soldados não são apoiadores
essenciais e podem morrer.
Como o próprio nome diz, a guerra foi curta. Israel
conseguiu seus objetivos e os inimigos não tinham porque continuar na luta, já
que o objetivo de mais longo prazo, o líder e seus compadres se manterem no
poder, não dependia do resultado da guerra. Autocracias precisam muito de seus
exércitos, porém, menos para enfrentar um inimigo externo e mais para se
defenderem de insurgentes domésticos. Muito dinheiro vai para o exército, mas
mais para pagar os apoiadores essenciais do que armar o exército. Entre ganhar
guerras e receber recompensas privadas, os militares em autocracias optam pela
segunda alternativa. Autocratas precisam de um exército poderosos suficiente
para suprimir a sua própria população, não precisam de muito mais do que isso.
Democracias, por outro lado, utilizam seus
exércitos para defesa ou para guerras ofensivas para defender interesses
nacionais empreendidas quando eles têm certeza da vitória. Guerras longas e
difíceis são extremamente impopulares em democracias e os líderes querem evitar
isso. Por esse motivo, a Guerra Fria ficou fria, porque os Estados Unidos não
tinham certeza da vitória.
A Primeira Guerra Mundial mostra alguns exemplos
interesses. Primeiro de tudo, que lutar uma guerra para vencer pode prejudicar
a sobrevivência do líder, como ocorreu com a Rússia, o governo caindo e o poder
sendo tomado pelos sovietes, que sabiam que a guerra desviava recursos
necessários para manter a coalizão vencedora leal e decidiram sair da guerra,
que já estava cara demais.
Continuando com a Rússia, o país foi o que menos
gastou em termos per capita. O mais interessante é que a Grã-Bretanha e a
França gastaram mais do que qualquer outro país e aumentaram os gastos durante
a guerra, ao contrário das autocracias exceto Alemanha. Mesmo assim, o aumento
das democracias foi constante, enquanto que a Alemanha estacionaria os gastos
por um tempo, só aumentando em 1917. Democracias têm mais compromisso com a
vitória do que autocracias.
Outros casos são os Estados Unidos vencendo o
México na guerra entre os dois entre 1846 e 1848, sendo que na época os Estados
Unidos tinham um exército menos poderoso. Temos ainda Veneza sobrevivendo a
conflitos com França até serem derrotados por Napoleão e a Prússia vencendo a
Áustria em 1866 e a França em 1871.
Guerras são lutadas por sobrevivência política em
democracias e autocracias, mas isso é feito de maneiras diferentes. Autocratas
geralmente querem guerras rápidas que eles podem extrair benefícios para
remunerar a coalizão vencedora. Democracias empreendem guerras para realizar
objetivos de política externa. Podemos entender que guerras conseguem o que
ajuda externa e diplomacia não são capazes de realizar. Democracias geralmente
tiram o autocrata do poder e colocam um fantoche que eles possam manipular na
direção de seus objetivos políticos. Esse fantoche pode ser um ditador mesmo, e
é até mais confiável que seja, já que um democrata teria que se submeter aos
desejos do povo, que podem não ser os mesmos do país invasor.
A Primeira Guerra do Golfo em 1991 é uma boa
amostra disso. O Iraque invadiu o Kuwait esperando extrair benefícios disso,
mas teria que enfrentar os Estados Unidos e aliados que expulsaram os
iraquianos do Kuwait e se limitaram a isso. O objetivo era menos espoliar o
Kuwait ou o Iraque e mais restaurar a ordem no Oriente Médio. Fizeram isso por
seus próprios objetivos políticos e econômicos, mas mesmo assim sem a mesma
sanha que Saddam tinha com relação ao Kuwait. Vendo que não conseguiria o que
queria, Saddam Hussein não insistira com a guerra. Enquanto a coalizão liderada
pelos Estados Unidos sofreu 358 baixas, o Iraque teria dezenas de milhares de
baixas, que Saddam não lamentaria muito. Hussein poderia usar a sua guarda
especial para lutar contra a coalizão, mas ele precisava de sua força de elite
para se manter no poder. Mandaria, no lugar da sua guarda especial, soldados
mal treinados e mal equipados. Isso foi importante, já que vários grupos
tentariam se aproveitar da situação para tirar Saddam do poder, mas ele
sobreviveria por mais uma década.
Em democracias, vencer guerras nem sempre significa
sobrevivência política, que o digam Bush pai (Guerra do Golfo), Margaret Thatcher
(Guerra das Malvinas) e até mesmo Winston Churchill. Para democracias, o que
importa é o número de baixas, a opinião pública odiando corpos de soldados
mortos em guerras. Se o país perde a guerra, como no caso do Vietnã, ai que o
líder não tem como ficar, como ocorreu Lyndon Johnson. Por incrível que pareça,
autocratas são menos vulneráveis a derrotas, exceto se a guerra era para
derruba-lo. Por isso Saddam sobreviveu em 1991, mas não em 2003. Basta que o
líder saiba lidar com eventuais rebeldes que tentem se aproveitar da derrota
militar que ele se manterá no poder. Para isso, não pode desviar muitos
recursos para a guerra exterior, resguardando a proteção doméstica. Além do
mais, elevado número de baixas é irrelevante em autocracias.
Para enfatizar o valor que democracias dão a vidas
de soldados (porque soldados mortos representam baixa de popularidade), os
autores lembram o caso da Somália, onde helicópteros americanos caíram em território
inimigo e os Estados Unidos fizeram de tudo para resgatar os soldados. Essa
situação foi retrada no filme Falcão Negro em Perigo. Diametralmente oposto, na
guerra entre Etiópia e Eritreia, quando tanques etíopes ficaram para trás, ao
invés de serem resgatados, foram destruídos com um bombardeio.
Democracias nunca se enfrentam em guerra. Não
porque democracias sejam amantes da paz, mas não houve uma situação em que uma
democracia agressora encontrou uma democracia alvo tão mais fraca que a vitória
era absolutamente certa. Tanto que muitas democracias já foram agressoras, como
na época do Imperialismo, sempre contra autocracias bem mais fracas do que a
democracia agressora.
Se democracias nunca se enfrentam, poderíamos
imaginar que o caminho da paz é todo mundo se democratizar. Retoricamente,
muitos presidentes americanos alegavam isso. Porém, na prática, precisamos
lembrar que guerra é a continuação da política por outros meios. Quando ajuda
externa e diplomacia falham, democracias podem usar a guerra para atingir seus
objetivos. O século XX está repleto de casos, mas no século XIX tivemos a
Guerra do Ópio entre China e Grã-Bretanha. E, mesmo assim, entrar em guerra
para derrubar ditadores não costuma ser tão simples, como os recentes casos do
Iraque e Afeganistão mostram, para não falar em Egito e Líbia. As próprias
democracias podem não querer que uma nação se democratize, se isso significar
ferir os interesses de outras nações, como o caso de Patrice Lumumba,
democraticamente eleito no Congo e sofreria golpe de estado com ajuda da Bélgica e Estados Unidos.
Democratização imposta externamente só funciona se
o povo da ditadura derrotada compartilha de valores com a democracia vencedora
e se a democratização for conveniente para os vitoriosos. Isso foi o que
aconteceu com a Alemanha e o Japão após a Segunda Guerra Mundial.
Resumindo, guerra é continuação da política por
outros meios e gira em torno de sobrevivência política. Democracias recorrem a
guerras para fins de política externa e autocracias para obterem recursos para
recompensar os apoiadores essenciais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário