Um líder de sucesso
sabe que precisa colocar as necessidades dos seus apoiadores essenciais acima
das necessidades do povo. Esse é o básico da sobrevivência política, mas pode
ocorrer da situação do país degringolar e o povo começar a ficar insatisfeito.
Essa não é uma ameaça tão grande quanto uma revolta dos essenciais em termos de
intensidade ou frequência, mas pode ocorrer e o líder precisa saber conter uma
revolta popular.
Em autocracias, o povo
enfrenta um grande dilema na hora de se revoltar. São eles que sustentam o
líder e a sua coalizão vencedora, mas em autocracias o estado é muito mais
forte do que o povo. Se o líder é sustentado por um governo estrangeiro
benevolente ou recursos naturais, e não pelo povo, a situação fica pior.
Mas chega um momento
em que o povo simplesmente não aguenta mais. Geralmente, há uma espécie de gota
d'água, um momento marcante que faz com que as pessoas se decidam a arriscar as
vidas para enfrentar o governo, seguindo alguns primeiros corajosos que tomaram
a vanguarda e deram alguma esperança de vitória.
Há um delicado
equilíbrio. Os líderes em autocracias basicamente fazem de tudo para amedrontar
a população, convencendo as pessoas de que se opor ao governo significa morte,
prisão ou miséria. A vida em um governo desses é horrível, mas o custo de
enfrentar o governo é simplesmente muito grande.
Nas revoluções, quando
um grupo se adianta para enfrentar o governo, os oposicionistas proclamam as
suas intenções e prometem reformas democráticas, melhorias sociais, unificação
nacional, ou seja, lá o que o povo aspira. Isso serve mais para chamar o povo
para as ruas para apoiar os revolucionários, mas nunca é levado adiante quando,
e se eles tomam o poder. Vide Rússia ou China indo para o comunismo, por exemplo.
O povo se revolta contra o regime esperando melhorar a vida, mas podem
simplesmente estar trocando uma autocracia por outra, talvez pior do que a
anterior.
Mas, antes de tudo,
vamos examinar como o incumbente reage a uma revolta popular. Há duas maneiras
de proceder. Pode aumentar a democracia para melhorar a vida das pessoas ou
aumentar a ditadura tornando pior ainda a situação e aumentando os riscos para
insurgentes. Essa segunda estratégia é, obviamente, a mais efetiva. A lealdade
do exército é chave nesse ponto. Por mais que as pessoas fiquem mais fortes
juntas, o exército ainda contém mais força para reprimir a população. Muitos
regimes caem porque o exército não protege o líder, e não o faz por não estar
sendo bem recompensado ou por esperar ser melhor recompensado com um novo
líder. Toda revolução bem sucedida contou com a deserção parcial ou total do
exército na proteção do atual regime.
O importante para o
líder é reprimir a revolta o quanto antes com a máxima força possível. Se
deixar, o movimento pode crescer e ficar mais forte, se tornando mais difícil
de debelar mesmo com a ajuda do exército.
Crises econômicas,
como a que a França sofria antes da Revolução Francesa ou a da Rússia durante a
Primeira Guerra Mundial, são a oportunidade perfeita para a tomada do poder,
não só porque o povo está mais revoltado, mas porque o exército deve estar
sendo mal pago. Mais recentemente, temos o Egito, onde o dinheiro começou a
escassear, o exército começou a não receber a sua parte e o ditador de longa
data acabou sendo derrubado por protestos populares. Assumiu um regime pior
ainda que foi derrubado pelos militares, mas é assim que geralmente ocorre.
Protestos em
democracias e autocracias são bem diferentes. Em democracias, protestar é fácil
e barato, os cidadãos tendo liberdade de reunião, de expressão e de imprensa.
Mas há também menos motivos para ir para protestar, embora possam fazer isso
quando o líder adota uma política impopular, com guerra.
Em autocracias, por
outro lado, há muito mais motivos para protestar, inclusive para derrubar o
governo atual, mas poucos meios de se fazer isso, os cidadãos não tendo as
liberdades necessárias para se manifestar. Isso acaba reduzindo a produtividade
do povo, então o líder precisa saber equilibrar os bens públicos que ele vai
tolerar a fim de ao mesmo tempo dinamizar a economia e mantê-lo no poder a
salvo de protestos. Esses bens públicos incluem as liberdades citadas agora há
pouco. Por isso que recursos naturais e ajuda externa são excelentes: o líder
não precisa da ajuda do povo para se manter no poder.
Toda revolta popular
começa com um evento (podemos chamar de choque) que dispara revoltas
simultâneas em diversos lugares. Esse choque pode transbordar as fronteiras
nacionais. Por exemplo, a queda de uma república soviética deu força para que
as outras repúblicas se revoltassem e a União Soviética ruísse. A chamada
Primavera Árabe de 2011 começou na Tunísia e foi se espalhando para outros
países, como o já mencionado Egito.
Esses choques podem
ser desastres naturais, crise sucessória, desaceleração econômica, além de
algum evento social, como no caso da Tunísia, onde o suicídio de um comerciante
disparou a chamada Revolução de Jasmin. Eleições podem ser uma fonte de choque
mesmo em autocracias. Ditadores adoram eleições, desde que eles ganhem, e podem
adotar diversas manobras para determinar o resultado da eleição. Porém, isso
pode dar errado e dar início para uma revolução. Uma eleição pode dar força
para a oposição que utiliza esse evento para ganhar corpo e momento. O começo
do fim de Samuel Doe, da Libéria, foi a convocação de uma eleição, por exemplo.
Desastres naturais são
curiosos, já que por um lado enfraquecem, empobrecem e matam as pessoas, mas
formam campos de refugiados, que podem ser utilizados para organização política
de uma forma que não seria possível de outro modo, ainda mais com o estado
ocupado com outras coisas além de reprimir o povo. Foi o que ocorreu na Cidade
do México em 1985 após um terremoto de 8,1 na escala Richter, gerando campos de
refugiados que serviram para a mobilização política de milhares de pessoas
descontentes e desiludidas pelo governo. Esse foi um fator para a
democratização o México.
Dessa forma, desastres
naturais são ruins para o governo, mas não pelos motivos certos. Mas a ameaça
para a sobrevivência política pode ser contornada com as ações certas. Em
Mianmar, o governo não cometeria o mesmo erro do México. O ciclone Nargis em
2008 causou um imenso estrago no país e mobilizou a comunidade internacional
para auxiliar. O governo aceitou ajuda na forma de dinheiro, que não ia para
ajudar os que precisavam, ou de bens, que chegavam a quem precisava depois de
passar pelo mercado negro. Mas não deixa forasteiros entrarem no país. E quando
os campos de refugiados se tornaram um foco de resistência política, o exército
foi enviado para reprimir as manifestações. Cruel, mas do ponto de vista da
sobrevivência política faz todo sentido.
Em democracias,
desastres naturais são ruins para o líder, que pode perder o apoio do eleitorado
se não souberem gerenciar bem a emergência. Após o furacão Katrina, por
exemplo, o governo estadual e federal não foram competentes o suficiente para
tomar uma ação para remediar o problema e os republicanos foram punidos nas
urnas no estado. Não por outro motivo, morrem menos pessoas em democracias do
que em ditaduras resultado de desastres naturais.
Seja pelo motivo que
for, há sempre a ameaça de rebeliões em um país e o líder precisa escolher se
vai reagir a isso com repressão (a forma mais eficiente, quase sempre eficaz,
mas nem sempre possível) ou com diálogo (sempre uma opção perigosa). Mianmar é
um caso emblemático. Esse é um país abençoado para o líder, cheio de recursos
naturais como madeira, pedras preciosas e petróleo que facilitam governar sem a
ajuda do povo, o que torna a população pobre e o líder e sua coalizão ricos.
Como já mencionado, eles reprimiriam uma organização política que se formava
nos campos de refugiados. Não era a primeira vez que reprimiriam fortemente a
população. Em 8 de agosto de 1988, um grande protesto foi realizado e
fortemente debelado pelos militares. Antes mesmo do ciclone Nargis, houve um
grande protesto em 2007 com a participação de monges, que são reverenciados no
país. Mesmo assim, as manifestações foram reprimidas e o General Than Shwe, que
governava o país há 16 anos, se manteria no poder.
Por outro lado, alguns
governos não conseguem evitar a revolução ou se democratizam por conta própria
para evitar o golpe. Nesse segundo grupo, temos Gana, onde Jerry Rawlings, que
governou o país em vários mandatos, decidiu abrir o regime em 1992 e se
tornaria o primeiro presidente eleito do país e até ganharia a reeleição quatro
anos depois. No primeiro caso, temos alguns poucos países que se democratizaram
após a revolução, como os Estados Unidos e África do Sul, e outros que só
trocaram uma ditadura por outra, como Cuba, Rússia, China, México, Quênia e por
aí vai. No primeiro caso, desde o início havia uma coalizão grande para ser
satisfeita, o que resultou na adoção de práticas democráticas. No segundo, ou
não era esse o caso ou os revolucionários deram um jeito de restringir o número
de apoiadores essenciais.
De forma geral, se o
país é rico em recursos naturais, o caminho natural da revolução é uma
ditadura, chegando à fonte de dinheiro do país, comprando o apoio dos
essenciais e se mantendo no poder. Se o país não tem muitos recursos, precisa
de uma economia produtiva, o que requer uma infraestrutura de comunicações e
transporte que podem ser usadas contra o líder. Ou pode ocorrer do país estar
em uma situação econômica ruim e se deteriorando, como a União Soviética da
época de Gorbachev, que decidiu-se por liberalizar a economia para tentar
salvar o regime arrecadando mais dinheiro. Porém, isso não significa que Gorbachev
não agiria como um ditador, reprimindo movimentos separatistas em países como
Lituânia, Letônia e Estônia. Hoje em
dia, a Rússia está trilhando o caminho de volta para a autocracia, sem precisar
se preocupar tanto com dinheiro, já que possui bastante petróleo que está sendo
melhor utilizado agora.
Há ainda um terceiro
caso, onde o autocrata se compromete com a democratização, cumpre a sua
palavra, mas, no meio do caminho, quando a crise que o levou a medidas tão
drásticas passa, ele volta atrás e volta a fechar o regime. Esse foi o caso de
Mugabe no Zimbábue e, apesar da longa janela de tempo, da própria Rússia.
Voltando a Gana, Jerry
Rawlings não abriu o regime econômica e politicamente porque achava que essa
era uma grande ideia e que faria seu povo feliz. O fez porque o governo estava
sem dinheiro e que a melhor maneira de arrecadar dinheiro era melhorar a
produtividade da economia, liberar o câmbio, seguir a cartilha do FMI e isso
tudo envolvia conceder mais liberdades políticas e também, indiretamente, meios
para que as pessoas se reunissem e se comunicassem. E acabou dando certo, tanto
que ele foi eleito e reeleito presidente. Seja como for, Gana hoje é uma
democracia e é relativamente próspera para padrões africanos.
Ou seja, crise econômica
é uma crise política com especial ênfase nos países autocráticos. Vendo de
fora, os países democráticos podem utilizar crises econômicas em autocracias
como uma oportunidade para democratizar o país ou deixar que ele se
democratize. O mais importante de tudo é o país estrangeiro não salvar o ditador,
por exemplo, perdoando a dívida externa ou dando ajuda externa. Isso só serve
para perpetuar o líder no poder. Se o líder adotar compromissos críveis de
democratizar o país, essa pode ser uma alternativa, mas é necessário ter
cuidado porque autocratas mentem bastante (assim como democratas). Em uma
transição, é necessário ter extrema cautela, já que novos líderes costumam se
travestir de democratas, mas apenas por tempo suficiente para formarem a
coalizão vencedora e depois se mostrarem perfeitos autocratas.
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