Como vimos nos vídeos anteriores, controlar o fluxo
de dinheiro é uma das tarefas mais essenciais da política pois é assim que se
compra apoio. Porém, isso é feito com o dinheiro dos outros, ou seja, com
tributos, que uma hora pode acabar. Se começar a faltar dinheiro para os
aliados, o líder terá problemas.
No caso da Libéria, após a destituição de Samuel
Doe, o seu desafiante e novo incumbente, Prince Johnson, o torturou para
descobrir mais sobre as contas secretas de Doe. Como Doe é um homem de família,
não contou, para assegurar o futuro de seus herdeiros. Com isso, a Libéria
ficaria sem dinheiro e a consequência é que nem Johnson nem um insurgente
desafiante, Charles Taylor, conseguiram se estabelecer no poder. O resultado
foi guerra civil.
A sucessão no Império Otomano antes de regras que a
civilizassem também seguia esse padrão, com os herdeiros do sultão morto
correndo para assegurar o tesouro e comprar apoios, mas havendo uma
desfragmentação que resultava em guerra civil.
A falta de transparência de regimes autocráticos,
feita de propósito, atrapalha a transição. O desejo por sigilo não é apenas
para ocultar a arrecadação e os gastos do povo, essa é a menor das
preocupações. O mais importante é deixar os essenciais sem saberem quanto
dinheiro o estado tem para não aumentarem o seu preço. Torna-se então um
desafio descobrir onde está o dinheiro, saber quanto dinheiro o estado tem e
quais as suas fontes após o dinheiro dos impostos passar por tantos intermediários.
Uma solução para sobreviver à transição política é
confiscar dinheiro para poder comprar a base de apoio rapidamente. Isso pode
afetar a arrecadação a longo prazo, mas o mais importante, se manter no poder
pelos primeiros seis meses, será obtido. Uma estratégia de sobrevivência para
esse período é se travestir de democrata por tempo suficiente para se
consolidar no poder e formar a sua coalizão vencedora. Em democracias, onde as
contas públicas são relativamente mais transparentes, tais expedientes são
desnecessários.
Arrecadar impostos é necessário em qualquer regime
e os líderes precisam de dinheiro para bens públicos, pagar os essenciais e
enviar para as suas contas secretas, não necessariamente nessa ordem de
prioridade. Porém, as pessoas odeiam pagar impostos. Então, cria-se um conflito
que é decidido pelos mesmos princípios de política que vimos até agora.
Cobrar impostos traz três problemas: 1) Aumentar
impostos pode fazer com que as pessoas trabalhem menos; 2) A carga de impostos
vai em algum momento recair sobre os essenciais, mesmo que indiretamente; 3)
Coletar impostos envolve conhecimentos especializados e custos. A conjunção
desses fatores determina a carga tributária ótima.
Como regra geral, quanto maior for o grupo dos
essenciais, menor é a carga tributária. A taxação é boa para os que estão
dentro da coalizão, afinal, é daqui que vem o dinheiro que paga as suas
recompensas, e ruim para quem é de fora. A tributação afeta também quem está
dentro, mas com uma coalizão pequena, a redistribuição dos impostos é feita
entre menos pessoas de forma desproporcional à perda com tributação. Especialmente
quando a coalizão é pequena, a taxação redistribui renda dos pobres (fora da
coalizão) para os ricos (que estão dentro da coalizão). Em certos países, essa
é justamente a diferença entre ricos e pobres. A elevada carga tributária faz
com que aqueles que estão dentro da coalizão fique ainda mais receoso de sair
dela, pois terá todo o ônus e nenhum bônus dos impostos, ou seja, esse é um
fator que reforça a lealdade ao líder.
Isso pode fazer com que o líder opte por uma carga
tributária excessivamente alta. Foi mencionado que impostos tiram os incentivos
para trabalhar. Na verdade, não é só isso, uma tributação elevada incentiva a
elisão e a evasão fiscal. Tecnicamente, temos a chamada Curva de Laffer
mostrando a relação entre a carga tributária e a arrecadação de tributos, com
forma em U invertido. Passado um ponto ótimo de carga tributária, a arrecadação
cai porque as pessoas têm menos incentivos para serem produtivas e por conta
das técnicas legais e ilegais de não pagar imposto. Em regimes autocráticos, os
líderes optam por uma carga tributária acima desse ponto, justamente para
marcar bem a diferença entre dentro e fora, que é a diferença entre rico e
pobre.
Porém, democracias também podem tributar
pesadamente a população, justamente pelos mesmos motivos: para remunerar os
grupos que apoiam o líder. Porém, há uma limitação, que é o grande número de
apoiadores essenciais, o que torna caro comprar o apoio de todo mundo e
politicamente indesejável tributar tão pesadamente. Como mencionado, as pessoas
não gostam de pagar impostos e tendem a apoiar aqueles que prometem não
aumentar ou até reduzir impostos. Dessa forma, democratas tributam além do
ponto mínimo para uma boa governança, mas não acima do ponto da tributação
máxima como nas autocracias.
Em regimes autocráticos, os impostos costumam ser
menos progressivos do que em democracias. Ou seja, pessoas ou famílias precisam
receber uma renda menor para serem tributados em autocracias do que em
democracias.
Em um tema correlato, o sistema tributário pode
servir para não apenas recompensar os essenciais, mas puni-los caso saiam da
linha. É o que aconteceu com Mikhail Khodorkovsky, outrora um apoiador de Putin
na Rússia e grande beneficiário das privatizações, mas que criticaria o regime
de Putin e financiaria grupos de oposição alguns anos mais tarde. Ele seria
então processado por acusações de fraude, cumpriria a pena, seria processado de
novo e estava na cadeia até o final de 2013. Então, precisamos sempre ver se um
rico ou uma empresa estão sendo processados pelo governo por terem feito algo
errado ou se desagradaram o governo. Geralmente, são as duas cosias ao mesmo
tempo, mas o segundo fator sempre é mais importante.
O problema da tributação é que custa dinheiro
montar uma estrutura eficiente para coletar os tributos, sendo que essa costuma
ser a parte mais eficiente do estado. As pessoas vão tentar evitar pagar os
impostos e o estado irá investir pesado para ir atrás dessas pessoas. Uma
maneira de reduzir os custos é através da tributação indireta, transferindo a
responsabilidade para outra pessoa. Uma forma de tributação indireta é através
de imposto sobre vendas, que tem como benefício secundário esconder a
tributação das pessoas.
Terceirizar a coleta de impostos pode ser uma boa
ideia, porém, tem o risco de o coletor ter um mau comportamento que possa
custar caro politicamente ao líder e pode incentivar desafiantes. Essa terceira
pessoa pode ser alguém de dentro ou de fora da coalizão. Terceirizar o poder de
cobrar impostos gera corrupção, mas isso não é problema em autocracias. Na
verdade, é até solução, o líder podendo conceder esse poder no pacote de
benefícios para um membro da sua coalizão vencedora.
Uma opção que depende da natureza é possuir
recursos naturais. Para o líder, é ótimo ter uma fonte de recursos confiável.
Petróleo, por exemplo. E nem precisa administrar bem. Nas palavras de
Rockefeller, uma empresa de petróleo mal administrada é o segundo melhor
negócio do mundo, o primeiro sendo uma empresa bem administrada. O líder não
precisa nem colocar seu povo para trabalhar, pode simplesmente conceder a
exploração para uma empresa estrangeira. Para o povo, por outro lado, raramente
é uma boa o país ter abundância de petróleo. Exceto pela Noruega, nenhum país
que dependa da receita do petróleo conseguiu se desenvolver como um todo. Mas
em todos, invariavelmente, o líder e sua coalizão vencedora estão numa boa.
Outra consequência negativa da riqueza em recursos
naturais é o aumento no custo de vida. Em algumas pesquisas internacionais,
Luanda em Angola e Caracas na Venezuela aparecem como as cidades mais caras
para expatriados, apesar de serem países pobres. No fim, recursos naturais criam
as condições financeiras para resolver os problemas de uma nação, mas também
dão incentivos para que isso não seja feito. Em democracias, esse efeito é
menor, mas há pouco incentivo para a democratização no caso do país já ser uma autocracia
ou uma oligarquia. Depender menos da tributação para financiar o estado acaba
sendo pior, porque o líder pode comprar o apoio da coalizão vencedora sem ter
que recorrer a um mecanismo impopular. Porém, isso não melhora a situação dos
que estão fora da coalizão.
Empréstimo é outra ótima maneira de um líder se
financiar. É dinheiro disponível para gastar hoje que cria o compromisso de
pagar de volta daqui a alguns anos junto com o pagamento de juros. Nessa data
futura, talvez o líder já nem esteja mais no poder. É ótimo para o líder gastar
dinheiro dos outros, seja da população, seja o futuro líder. Isso vale tanto
para autocracias quanto para democracias. O incumbente tem pouco incentivo para
não se endividar, já que pode estar simplesmente dando margem de endividamento para
um desafiante. Melhor, então, gastar ele mesmo esse dinheiro para comprar o
apoio dos essenciais.
Quanto menor é a coalizão vencedora, maior é o
endividamento, já que o benefício do endividamento é espalhado para uma
quantidade menor de pessoas. Em autocracias, o único limite para o
endividamento é a parte da oferta. Isso explica porque a Nigéria tem uma
elevada dívida pública ao mesmo tempo em que tem grandes receitas com petróleo:
eles se endividam bastante justamente porque podem.
Para democracias, o gosto pelo endividamento também
se aplica, mas uma coalizão vencedora maior diminui a margem de manobra. Aqui,
novamente a restrição se dá pelas condições do país, não pelo desejo do líder
em se endividar. Há uma boa dose de disciplina de mercado, já que o
endividamento se dá pela emissão de títulos da dívida, que são vendidos no
mercado financeiro e comprados por investidores. Se o endividamento for muito
elevado frente a capacidade de geração de receitas, o mercado passa a exigir
taxas de juros maiores, o que limita o endividamento dos governos.
A dívida pode se tornar impagável dependendo da
situação. Para o líder, isso é péssimo. Para um desafiante, é uma ótima
oportunidade. Uma fonte comum de dividendos políticos para desafiantes é a
plataforma política de não pagar a dívida, principalmente quando a situação
política e econômica do país está caótica. Quem se aproveitou muito bem disso
foi Adolf Hitler. O líder pode tentar se manter no poder adotando políticas
econômicas mais sensatas, como a liberalização da economia. Ou seja, quando
tudo o mais falhar, seja sensato para se manter no poder.
É comum os países ricos perdoarem a dívida dos
países pobres. Apesar de estabelecerem algumas condições, o efeito final
costuma ser o de permitir a volta do endividamento por parte desses países. A
única condição que pode reduzir o endividamento dos países pobres é a
democratização, submetendo esses países às mesmas restrições que democracias
encontram na hora de se endividarem.
Ou seja, na visão dos autores, é inútil perdoar a
dívida dos países pobres. A única forma de reduzir a dívida desses países é a
abertura política. O líder pode prometer democratizar o país, mas, como todo
político deveria saber, todo político mente. Assim que a crise financeira
passar, o líder compra o apoio da coalizão vencedora e se mantem no poder. Para
países que já são democracias, é inútil perdoar a dívida, já que esse é um
passo natural. O efeito final do perdão da dívida é dar mais dinheiro para que
o líder gaste na compra dos essenciais. Ou se eles já tiverem dinheiro
suficiente, para rechear as contas secretas.
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