Ok, o novo líder adquiriu o poder e chegou ao cofre
do estado. Agora, precisa escolher como gastar o dinheiro para manter a
coalizão vencedora feliz, mas não em demasia, e manter os intercambiáveis
felizes o suficiente para não se revoltarem. Isso tudo envolve gastar dinheiro,
que deve ser alocado entre os essenciais, os intercambiáveis e a conta em
Cayman do líder.
No quinto capítulo do Manual do Ditador, os autores
procuram determinar como gastar o dinheiro arrecadado pelo estado. Uma maneira
de gastar o dinheiro é através de bens públicos que beneficiam a todos e outra
em bens privados que beneficiam os essenciais e o líder. A questão é: qual a
proporção ideal entre bens públicos e privados e onde investir em bens públicos.
Primeiro de tudo, é necessário discutir a utilidade
dos bens públicos. Não é bom para o líder ter um povo insatisfeito, já que ele
pode se revoltar contra ele. Porém, pode ser bom para o líder ter um povo
extremamente miserável e famélico, que é fraco demais para se revoltar. O
perigo para o líder, então, se encontra no meio caminho, com um povo forte e
com motivos para se revoltar. Dois países asiáticos mostram estratégias
distintas, mas igualmente eficazes. Os dirigentes chineses têm uma preocupação
quase obsessiva com a satisfação do povo, mesmo que ilusória, para evitar que
eles se revoltem. E é possível manter o povo satisfeito sem perder poder. Os
dirigentes do Partido Comunista se preocupam com o crescimento econômico
necessário para manter a renda em alta e o desemprego baixo e balizam a
política econômica nesses termos. Realizando isso, questões como direitos
humanos e liberdade de imprensa deixam de preocupar os intercambiáveis. Já a
Coreia do Norte busca manter os intercambiáveis famintos para evitar que eles
se revoltem. Os autores não falam isso, mas eu imagino a razão das diferenças:
bilhões de chineses famintos com motivos para se revoltarem são fortes o
suficiente para forçar a queda dos seus líderes, enquanto que alguns milhões de
coreanos famintos não têm tal força.
Em democracias com coalizão vencedora grande, os
líderes precisam manter o povo feliz, saudável, empregado e com uma vida longa,
não por altruísmo, mas para se manterem no poder. Pode ocorrer de haver
ditadores benevolentes que gastam recursos discricionários para manter a
população feliz. Por recursos discricionários entenda-se os recursos que sobram
após comprar o apoio da coalizão vencedora. Esse dinheiro poderia ir para o
próprio líder, mas ele pode gastar em bens públicos. Cingapura é um exemplo
isolado de ditadura benevolente, que se preocupa com o bem-estar da população,
sem abrir mão de restringir liberdades civis da população.
Retomando um tema do capítulo anterior, os autores
falam sobre os pacotes de resgates soberanos, que afetam de maneira diferente
autocracias e democracias. Para autocracias, os resgates são mais frequentes,
são um ótimo negócio e são necessários para poder manter os essenciais leais.
Para democracias, é um mal necessário, pois erode a confiança da população, ou
seja, dos essenciais. Isso inclui o resgate não do governo, mas de empresas
pelo governo, como visto nos Estados Unidos em 2008 e que custou a sucessão de
George W. Bush. Em democracias, resgates geram mudanças, mas em autocracia se
destinam a manter tudo como estava antes, mesmo que haja pressões externas ao
contrário. Por isso, os resgates a países pobres são tão frequentes.
Muito se discute se a democracia segue o
desenvolvimento, ou seja, se o crescimento econômico de um país gera apelos
para a abertura política do país. Nações ricas em petróleo e a China desmentem
essa tese. A opinião dos autores é a de que a dependência de poucos essenciais
é uma explicação melhor.
Bom, com isso em mente, vamos agora para a
discussão sobre onde gastar em bens públicos. Educação é um ótimo investimento
para os líderes, mas não pelos motivos que as pessoas imaginariam. Em
autocracias, ou seja, quando a coalizão vencedora é pequena, educação das
massas é necessária, mas apenas até certo ponto. As pessoas precisam ser
educadas para trabalharem. Na visão dos líderes, o povo só serve para uma
coisa: pagar impostos. Um povo muito ignorante não pode ser produtivo o
suficiente para pagar impostos em quantia necessária para que o líder compre o
apoio dos essenciais. Na Coreia do Norte, por exemplo, a população é toda
alfabetizada. Isso ajuda a torna-los produtivos em um país de baixa
produtividade, mas não vai fazer com que os intercambiáveis venham a desafiar o
líder. Ou seja, gaste no ensino básico, mas não forme pessoas muito capacitadas
que possam desafiar o regime. Também cuidado com o que ensinar. Matemática,
física e química, isso tudo é ótimo de se ensinar em autocracias. História,
sociologia e outras matérias, nem tanto. Ou então, ensine, mas do jeito mais
conveniente para o regime.
Ensino superior é essencial para as autocracias,
mas apenas para os filhos dos membros da coalizão vencedora, e do próprio líder
em especial. Por isso que ditadores de todos os tipos mandam seus filhos
estudar nas melhores universidades do mundo. Mesmo em democracias, filhos de
políticos têm uma vantagem. É sempre bom ter bons contatos com gente influente,
afinal.
Gastar em saúde também é uma boa ideia, afinal, uma
força de trabalho fraca não arrecada impostos. O foco aqui é na população
adulta, e não em crianças ou idosos. Ou seja, o gasto em saúde, como em
qualquer outra área, deve privilegiar as pessoas que ajudarão o líder a se
manter no poder hoje, não no futuro. Saddam Hussein, por exemplo, permitiu que
remédios para crianças enviados pelas Nações Unidas fossem desviados para o
mercado negro, onde seriam negociados por seus compadres. Dependendo de uma
coalizão pequena, essa era a melhor maneira de se manter no poder.
Água limpa segue uma lógica parecida com saúde. Em
autocracias, a qualidade da água é pior, pois as doenças que causam afetam
principalmente jovens e idosos. Em democracias, onde a quantidade de apoiadores
essenciais é maior, a qualidade tende a ser maior. Isso tem mais impacto do que
a riqueza do país. Os autores comparam a pobre, mas democrática, Honduras com a
mais rica, em termos de PIB per Capita, Guiné Equatorial, que é uma autocracia.
Em Honduras, 90% das pessoas têm acesso a água limpa. Na Guiné Equatorial, com
PIB per capita maior, esse porcentual é de 44%.
No que se refere à infraestrutura, o líder deve
construir o suficiente para tornar a economia eficiente, mas deve tomar cuidado
porque essas estradas podem ser utilizadas para aumentar poderes regionais ou
mesmo ser usado contra o líder em caso de uma revolta. No que se refere a
aeroportos, o líder em autocracias precisa ter uma distância curta entre a
capital de estado e o aeroporto, para ter uma rota de fuga mais rápida. Os
autores calcularam a distância entre a sede de governo e o principal aeroporto
e essa distância é menor em autocracias do que em democracias. Isso é
facilitado pelo uso do domínio eminente, regra pela qual o governo pode se
apropriar de um terreno para fazer uma obra de infraestrutura, indenizando o
proprietário. Isso pode ser utilizado em democracias, mas o custo político é
mais elevado.
Eletricidade também é uma parte da infraestrutura
que pode ser utilizada a favor do líder em autocracias, onde o custo tende a
recair mais no consumidor e que está sob controle estatal, ou seja, o líder
pode cortar a eletricidade se isso lhe convir. Desnecessário dizer o outro
benefício das obras de infraestrutura: por terem orçamentos elevados, dá para
usar para recompensar os membros da coalizão vencedora, da forma como é comum
no Brasil.
No raciocínio dos autores, o que diferencia o nível
de bem-estar entre os países é o tamanho da coalizão vencedora que o líder
precisa manter. Por isso que democracias tão heterogêneas, que tem em comum o
fato dos líderes dependerem de uma grande coalizão, são mais avançadas do que
autocracias, onde apenas uma, Cingapura, tem um bom nível de bem-estar para a
população. Os líderes em democracias precisam fornecer diversos bens públicos,
entre eles algumas liberdades como imprensa, expressão e de organização. Os
líderes em democracias bem que prefeririam não conceder essas liberdades, pois
facilitam ser removidos do poder, mas não têm escolha.
Um exemplo emblemático ajuda a marcar as
diferenças. Em 2003, o Irã sofreu um terremoto entre 6,5 e 6,6 na escala
Richter, vitimando 26.271 pessoas de um total de 97 mil habitantes na cidade
atingida. Dois anos depois, o Chile, com a mesma renda per capita do Irã,
sofreria um terremoto mais forte de 7,9 na escala Ritcher, matando 11 pessoas
em uma população de 238 mil, uma diferença e tanto.
Como mencionado, a renda per capita dos países é
parecida, então riqueza não é o determinante. A grande diferença, segundo os
autores, é que o Irã é governado através de uma coalizão pequena, isso desde
antes da Revolução. No Chile, além de hoje ser uma democracia e antes de 1973
também, em 1960 o país sofreu com um terremoto que vitimou mais pessoas e isso
resultou em um rigoroso código sísmico de forma a aumentar as exigências para
construções. Isso não foi alterado no regime de Pinochet em 1993 foi alterado
para aumentar ainda mais os padrões de segurança. O Irã, que nunca foi uma
democracia plena, tentou implantar códigos semelhantes, mas ineficiências
institucionais impediram que a lei fosse imposta de maneira efetiva. Faltou
dinheiro para isso também, mas não porque o país é pobre, mas porque os líderes
preferiram canalizar os recursos para bens privados para remunerar a pequena
coalizão vencedora do que em bens públicos.
Esse não é um exemplo isolado. A China sofreu um
terremoto semelhante ao do Chile em termos de força, mas com muito mais mortos,
enquanto que Honduras, Itália e Japão tiveram também catástrofes terríveis, mas
com um relativamente pequeno número de mortos. Ou seja, coalizões grandes
salvam vidas.
Nos dois casos, autocracias e democracias, as
decisões de alocações de bens públicos não são guiadas pelo altruísmo ou pela
maldade de seus líderes, e sim de acordo com a sua sobrevivência política, cada
país fornecendo os seus incentivos para maior gasto em bens públicos ou em bens
privados.
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