No vídeo anterior, discutimos como os líderes
gastam em bens públicos para se manterem no poder. Nesse vídeo, vamos discutir
como eles podem gastar em bens privados. Em outras palavras, vamos falar de
corrupção, que é outro meio efetivo de se manter no poder.
Gastar em bens privados para uma coalizão pequena é
uma maneira mais barata de se manter no poder. Se além disso a base de
intercambiáveis for grande, o custo de comprar a lealdade dos essenciais é
ainda menor, já que os apoiadores saberão que podem ser substituídos por outra
pessoa extraída da base de intercambiáveis.
Como já vimos em vídeos anteriores, os líderes
querem chegar ao poder e se manter no topo. Para isso, podem recorrer a todo
tipo de expedientes, incluindo suprimir a população com violência física, ou matar
opositores, atuais ou potenciais, reais ou imaginários. É da política, o
tamanho da coalizão vencedora determinando o que o líder pode ou não pode
fazer.
Mas tem situações em que a violência não resolve as
coisas. Ou então, que dinheiro resolve a situação de uma maneira muito mais
satisfatória e fácil. Então, além da brutalidade, outro recurso que o líder
pode recorrer para se manter no poder é a corrupção. Aliás, o próprio líder não
precisa ele mesmo suprimir a sua população, pode pedir para um apoiador fazer
isso. E o apoiador só o fará se receber algum por isso. E não será por vias
legais, e sim ilegais, ou seja, corrupção, que em muitos casos não é feita nem
tanto para enriquecer o próprio líder, muitas vezes sendo necessária para
mantê-lo no poder. A regra de sobrevivência é clara: pense primeiro nos seus apoiadores
essenciais antes de sua conta em Cayman.
Os países mais corruptos são aqueles que dependem
de uma coalizão vencedora pequena, ou seja, autocracias com algumas
semi-democracias como Venezuela e Rússia. Nesses países, uma parcela maior da
receita nacional vai para o pagamento dos essenciais. Porém, em democracias o
“bolo”, por assim dizer, é maior e pode ser que mesmo uma parcela menor indo
para bens privados pode ser mais recompensador para aqueles que recebem esse
dinheiro via corrupção, que há mesmo em países bem desenvolvidos.
Os autores então comparam dois países, Turquia e
Irã, que seguem a mesma religião (embora sejam de grupos étnicos diferentes) e
com tamanho populacional semelhante, mas várias outras diferenças. Como dito no
vídeo anterior, Irã é uma autocracia de longa data, enquanto que a Turquia é
uma democracia, apesar de imperfeita. Segundo a Transparência Internacional, o
Irã está classificado em 146 de 178 no ranking de corrupção, enquanto que a
Turquia está em 56º. A renda per capita dos dois países é bem próxima em
paridade de poder de compra, apesar da Turquia não contar com receita de
petróleo, diferente do Irã. Os impostos são maiores no Irã, apesar do petróleo.
Eles têm um grupo bem curioso chamado de Bonyards, que não pagam impostos, não
são acusados de corrupção e estima-se que gerenciem entre 20 e 25% da renda
iraniana. Essa é a própria definição de benefícios privados.
Se a Turquia fosse gastar o mesmo em termos
monetários que o Irã gasta para comprar a coalizão vencedora, precisaria gastar
uma porcentagem menor do PIB porque é um país mais rico. Porém, o tamanho da
coalizão vencedora dilui a receita individual dos recebedores e diminui o poder
de comprar lealdades.
Porém, nem tudo está perdido para líderes em
democracias. Eles podem recorrer a bens públicos de uma forma parecida com bens
privados, optando por políticas que privilegiam um grupo e esperando que isso
seja suficiente para ou leva-los ao poder ou lá mantê-los. Muito se discute
sobre ideologia, eficiência das políticas públicas e tudo o mais, mas tudo pode
ser resumido a conquistar e manter o poder, como tudo em política.
Um exemplo de como bens públicos podem ser utilizados
para comprar votos vem da Tanzânia, já mencionada anteriormente. O país pode
ser considerado uma democracia em transição, com o número de essenciais e
intercambiáveis aumentando, mas com a coalizão vencedora não sendo tão grande.
Aqui especificamente estamos falando das eleições parlamentares para o Bunge,
que inclui uma cota de 25% para mulheres, o que parece ser uma ótima prática,
mas reduz o tamanho da coalizão vencedora. O presidente pode influenciar o
resultado das eleições parlamentares através da distribuição de subsídios para
a plantação de milho, a principal cultura agrícola do país. Essa distribuição
não é de acordo com a necessidade ou a produtividade do local, e sim com o
tamanho do distrito e sua influência para as eleições. Se o distrito for
grande, então isso significa que a coalizão vencedora nesse distrito é grande,
então, não vale a pena. Mais vale comprar votos em distritos menores que ainda
assim podem gerar um bom número de cadeiras para o parlamento, criando a base
de apoio para o presidente.
Rússia é outra democracia em transição, mas, dessa
vez, em transição para uma autocracia. Os líderes desse país adotam algumas
táticas interessantes. Uma delas é pagar pouco a polícia e dar carta branca
para que ela seja corrupta, o que mais do que compensa a baixa remuneração
formal. Corrupção política também é ignorada pelas autoridades, exceto quando é
conveniente para o líder acusar alguém de corrupção, como ocorreu com o rebelde
Mikhail Khodorkovsky. Essa é uma maneira ilegal de comprar apoio de essenciais
na forma de benefícios privados, mas bastante eficaz em autocracias.
Outro tipo de corrupção é o desvio de ajuda
interacional, dinheiro destinado por países desenvolvidos para auxiliar países
pobres, que, mesmo após décadas de ajuda, continuam pobres. Isso ocorre porque
o líder desvia esse dinheiro, não necessariamente para si, mas para recompensar
a sua coalizão vencedora. Isso ocorre mesmo que o auxílio venha em bens, o
líder entregando esses bens para os seus compadres que revenderão no mercado
negro.
Suborno e corrupção ocorrem em organizações
privadas também, como o COI e a FIFA, que ficam em uma região cinzenta com
elementos privados e públicos, procurando adotar o que é mais conveniente em
cada um. Seus eventos, Olimpíadas de Inverno e de Verão e Copa do Mundo,
movimentam muito dinheiro e as cidades ou países-sedes estão bastante
interessados em atrair o evento. Para isso, procuram oferecer recompensas aos
poucos membros dessas organizações que determinam as sedes, seja dando suborno
simples e direto, seja fazendo uma boa apresentação do país ou cidade, ou seja,
dando uma bela festa para os votantes. Essas instituições são sempre ávidas por
controlar o fluxo do dinheiro, como a sua logomarca ou produtos relacionados ao
evento, seguindo uma das regras da política. Essa é a maneira de seus
dirigentes se manterem no poder por década a fio.
Para o COI especificamente, são necessários apenas
58 votos para eleger os seus principais executivos para uma organização que
movimenta bilhões de dólares. Na discussão sobre agente-principal, quem é o
principal do COI e da FIFA? Eu mesmo não sei a resposta e a única coisa que
posso pensar é um genérico “esportes olímpicos” e “futebol”. Os eleitores do
COI, os membros do comitê olímpico, não são os donos do COI e possuem uma série
de interesses que nem sempre são o melhor para o esporte. Ou seja, essa é uma
instituição em que os principais não são nem mesmo parte dos intercambiáveis, o
que faz com que a sua organização política seja problemática. Mesmo que
tenhamos algumas boas almas no comitê, bastam 58 corruptos no COI para que as
decisões não sejam as melhores para os esportes olímpicos, o que abre uma
imensa oportunidade de extração de benefícios privados.
Na FIFA, a escolha de sedes depende da maioria do
comitê executivo, composto por 24 membros. Ou seja, você só precisa comprar o
apoio de 13 pessoas para conseguir sediar uma Copa do Mundo, com todos os
benefícios que ela pode trazer, nenhum deles para a população ou para a
economia do país-sede.
Em empresas, o benefício privado que os altos
executivos extraem são remuneração e bônus vultuosos que eles próprios definem.
Há um movimento nas discussões sobre governança corporativa a respeito do Say on Pay, ou seja, que os acionistas
devem opinar sobre a remuneração dos executivos. No Brasil, isso já é lei, a
assembleia de acionistas devendo aprovar a remuneração executiva. Mas, quando a
coalizão vencedora é pequena, em termos de número de pessoas, é mais fácil para
os administradores da empresa conseguirem maiores pacotes de remuneração.
Um grande problema da corrupção, além da
impunidade, é que os organismos que procuram combatê-la sofrem fortes pressões,
inclusive físicas, justamente onde são mais necessárias, ou seja, nos países
mais corruptos. Aqui temos um problema de ovo e galinha, ou seja, os países
mais democráticos são menos corruptos porque tem melhores mecanismos de combate
à corrupção ou possuem melhores mecanismos porque são menos corruptos? De todo
modo, cooperar com o combate à corrupção não faz bem para a saúde em
autocracias ou em democracias altamente corruptas.
Mais perigoso do que xeretas se metendo onde não devem
ao investigar a corrupção é tomar como garantida a coalizão vencedora. Na
organização do gasto público, o líder precisa colocar em primeiríssimo lugar a
compra de apoio da coalizão vencedora. Depois, com o dinheiro que sobra, pode
gastar em bens públicos para melhorar a vida da população ou com a sua conta
secreta, fica a critério do líder. Mas nunca deve pagar de menos os essenciais,
e nem demais também, isso podendo custar o seu cargo e até a sua vida. Se até o
imperador Júlio César rodou por ter negligenciado os seus apoiadores, o que
dizer de líderes menos poderosos.
Exemplo de líderes que privilegiaram a sua conta
bancária são vários, como Milosevic na Iugoslávia, Saddam Hussein no Iraque,
Papa Doc Duvalier no Haiti entre outros. Os recordistas devem ser Suharto da
Indonésia e sua esposa, a Sra. Tien, apelidada de “Sra. Tien Percent”, a
estimativa sendo que eles roubaram US$ 35 bilhões dos cofres públicos. O pior
de tudo é que eles ficaram muito tempo no poder, chegando a 30 anos em alguns
casos, e vários saíram sem morrerem ou serem mortos e viveram uma boa vida
depois. Nenhum brasileiro individual chega ao nível desses, não que saibamos,
porque aqui a coalizão vencedora é maior e a vigilância é maior do que nessas
autocracias. Podemos dizer que a corrupção no Brasil não é para favorecer o
líder pecuniariamente, e sim mantê-lo no poder.
Curiosamente, leis mais estritas de corrupção podem
ter o efeito contrário ao desejado, dando mais poder para o líder usar a
corrupção contra aliados dissidentes. Em países muito corruptos, o líder sabe
de tudo o que acontece, porque isso o ajuda a se manter no poder. Aumentar as
penas, nesse caso, só vai dar mais poder de barganha para o líder substituir um
essencial rebelde por outro extraído da base de intercambiáveis sedentos para
fazer parte da coalizão vencedora. Para reduzir a corrupção, seja no ambiente
político, corporativo ou organizacional (caso do COI e FIFA), o que é
necessário é expandir a coalizão vencedora, o que envolve o aumento dos
intercambiáveis, ou seja, dar a mais pessoas o poder de tomar decisões
políticas.
A conclusão é: primeiro de tudo, compre o apoio da
coalizão vencedora e faça de tudo para se manter no poder. Em segundo lugar,
decida o mix de bens públicos e bens privados para si mesmo, seja benefícios
como um estilo de vida luxuoso ou uma conta secreta recheada. No fim, é bem
possível que tenhamos um ditador benevolente que reprime a população se tiver
que fazer, mas se preocupa com crescimento, emprego e até bens públicos para
melhorar a vida da população. Mas, acima de tudo, está a sobrevivência
política.
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