O sétimo capítulo do livro O Manual do Ditador
discute a questão da ajuda externa, vendida ao público como uma prática com as
melhores das intenções. A ideia é ajudar os países pobres a resolverem os seus
problemas e melhorar a vida de suas populações. Porém, a verdade não é tão
adocicada assim e tanto os líderes dos países que recebem quanto os que dão
ajuda externa têm segundas intenções.
Na parte dos recebedores, os autores trazem o caso
da Etiópia, relatando que em 1972, durante o reinado do Imperador Haile
Selassie, os países que estavam dando ajuda externa se revoltaram contra a
Etiópia. Isso porque o Ministro das Finanças do país estava pedindo dinheiro
para que os estrangeiros pudessem dar ajuda. Como assim ajudar a população sem
eles, a base de sustentação do regime, receber nada com isso?
Talvez com uma dose de cinismo, os governantes da
Etiópia consideravam fome e seca como coisas normais. Há centenas de anos a
população sofre com isso, então, para eles está tudo normal. Alguém poderia
imaginar que essa postura era específica de Selassie e que as coisas mudariam
com um novo governo. E mudariam, para pior. Mengistu Haile Mariam liderou o
golpe militar que depôs Selassie e adotaria políticas que pioraram a situação da
população. Com a guerra civil e a seca, Mariam adotou a coletivização de terras
com o uso de trabalhos forçados. O resultado desse tipo de política é mais do
que previsível: fome em massa, que vitimou entre 300 mil e 1 milhão de pessoas.
Para Mariam, isso foi ótimo, já que enfraqueceu os rebeldes.
A parte superficial dessa história rodou o mundo e
várias pessoas e organizações se mobilizaram para ajudar a Etiópia. Por
exemplo, tivemos em 1985 o Live Aid, uma série de concertos realizados com o
objetivo de arrecadar dinheiro para os famintos da Etiópia. Boas intenções,
porém, é basicamente dar dinheiro para o vilão. Vários dos caminhões que
deveriam ser utilizados para entregar a ajuda alimentícia foram ao invés disso
utilizados para transportar compulsoriamente pessoas para as fazendas
coletivas.
Esse não é um caso isolado. Os autores ainda citam
outros exemplos, como o Paquistão, que recebeu 6,6 bilhões de dólares em ajuda
dos Estados Unidos para combater o Taliban, mas estima-se que apenas 500
milhões acabaram sendo gastos para esse fim. Os Estados Unidos capturaram Bin
Lande no Paquistão, mas sem muita ajuda e talvez até atrapalhados pelo exército
local.
Alguém pode imaginar que, uma vez descoberto que os
líderes estavam tendo essa atitude, a ajuda externa ia parar. Mas não é bem
assim e vamos falar agora da parte doadora da ajuda externa. É necessário supor
muita ingenuidade por parte dos líderes dos países desenvolvidos para que fosse
plausível que eles não imaginem que a ajuda externa é mal utilizada. Por
exemplo, no Quênia, John Githongo foi escolhido para dirigir um órgão
anticorrupção. Não demorou muito para descobrir sinais de corrupção, inclusive
na destinação da ajuda externa e então denunciar os líderes de seu país na
comunidade internacional. Edward Gray, Alto Comissário britânico no Quênia,
também denunciaria os líderes quenianos. Resultado: os dois foram afastados dos
seus cargos e suas denúncias ignoradas.
Ajuda externa é acima de tudo uma política externa
para defender os interesses dos países doadores. Nessa época, por exemplo, os
Estados Unidos precisavam da ajuda do Quênia para combater os piratas somalis
no Oceano Índico. O nosso velho amigo, Samuel Doe, por exemplo, recebia
dinheiro dos Estados Unidos durante a Guerra Fria para que não se aliasse à
União Soviética. Só quando acabasse a Guerra Fria é que os Estados Unidos se
mostraram escandalizados com os usos da ajuda externa.
Dessa forma, a falha da ajuda externa em
efetivamente melhorar a vida da população nos países recebedores não é questão
de pouco dinheiro sendo utilizado para esse fim, e sim que o objetivo da ajuda
externa nunca foi esse. Claro que nem todo o dinheiro da ajuda externa é
desviado, algumas migalhas chegam ao povo, principalmente para ser possível
tirar fotos e mostrar para a opinião pública internacional que o dinheiro está
sendo bem usado. Porém, o fato é que a principal consequência é manter o líder
no poder. Ajuda externa dá as condições para reduzir a pobreza, mas retira os
incentivos para se fazer isso.
E por que os países ricos só pagam autocracias para
realizar seus interesses em política externa? Primeiro, porque são mais pobres.
Mas o principal é que esse tipo de compra de apoio funciona melhor em
autocracias, onde a coalizão é pequena e o dinheiro da ajuda externa é dividido
por menos pessoas. Por exemplo, os Estados Unidos queriam o apoio da Turquia para
invadir o Iraque e ofereceram um caminhão de dinheiro. A Turquia, que é uma
democracia, por mais imperfeita que seja, não aceitou. A população era contra,
não só porque a maioria da opinião pública no mundo inteiro era contra, mas
também porque eles não queriam ajudar um país cristão a invadir um país
muçulmano. Como a coalizão vencedora é grande, a ajuda oferecida é baixa em
termos per capita (estimada em 370 dólares), logo, os líderes da Turquia nunca
iam aceitar essa oferta. Supondo que fosse necessário o apoio de 25% da
população, ficaria mais ou menos 1500 dólares por pessoa, o que ainda é baixo.
Ou seja, os Estados Unidos precisariam pagar muito mais dinheiro para comprar o
apoio da Turquia, o que não era viável.
Ou seja, comprar o apoio de democracias é caro
demais. Quando o país já está inclinado a adotar uma política, ajuda externa é
só um empurrãozinho extra, mas quando a população é muito desfavorável, como no
exemplo mencionado agora há pouco, aí fica difícil. Mais fácil comprar o apoio
de uma autocracia, como o Paquistão.
Outro bom exemplo é o do Egito. Basicamente, os
Estados Unidos compraram o apoio do Egito a Israel, sendo o primeiro país da região
a reconhecer o Estado de Israel. A população egípcia não concordava muito com
isso, mas a boleta dividida por pouca gente é o suficiente para que os líderes
decidam por apoiar Israel. Isso acabou mal para o presidente Sadat, assassinado
por fundamentalistas, mas faz sentido em termos de política.
Recentemente, movimentos democratizantes surgiram
no Egito, incluindo a derrubada de um presidente de longa data. Mas isso não é
bom para os Estados Unidos. Teoricamente, por tudo que eles falam em liberdade,
deveria. Porém, fazer a vontade do povo aqui significa retirar o apoio a
Israel. Para os Estados Unidos e Israel, é melhor uma autocracia amiga do que
uma democracia com ideias próprias. Apesar do discurso de liberdade, os Estados
Unidos nunca hesitaram em apoiar autocracias quando isso era conveniente.
Esses exemplos mostram como a ajuda externa ajuda o
governo, e não o povo. Não a toa, em uma pesquisa realizada em 2002, Paquistão
e Egito tinham majoritariamente uma visão negativa dos Estados Unidos. Ambos
recebiam vastas quantias de ajuda externa, pelos motivos apontados acima. Seria
possível imaginar que a ajuda externa deveria melhorar a opinião das pessoas,
mas piora, porque as pessoas sabem que isso sustenta os governos autocráticos.
Não são apenas os Estados Unidos que pagam ajuda
externa e os países não fazem isso apenas por motivos militares. Motivos
econômicos também são fortes, como, por exemplo, obrigar o país recebedor a
gastar o dinheiro em produtos do país doador. Ora, porque não dar dinheiro
direto para as empresas nacionais. Resposta: leis comerciais internacionais
impedem esse tipo de subsídio, e ajuda externa nesse formato ajuda a contornar
essa restrição.
Uma análise interessante sobre o impacto da ajuda
externa é verificar as consequências para eleição do conselho de segurança da
ONU. Ser membro rotativo é algo muito buscado pelos países, mas os números
mostram que o crescimento econômico dos membros rotativos diminui nessa
condição. Mostram também que a ajuda externa aumenta, e dá para entender o
motivo: passa a ser mais valioso comprar a amizade desse país. Também tende a
diminuir as liberdades em autocracias, primeiro porque os líderes recebem
dinheiro mais fácil, segundo porque podem adotar políticas impopulares, dependendo
dos favores que vendem e precisando menos da cooperação da população.
Há ocasiões em que ajuda externa realmente ajuda. O
Plano Marshall foi um exemplo. Apesar da ajuda aos países europeus por parte
dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial ter motivos geopolíticos, ou
seja, afastar os europeus da União Soviética, os recursos foram bem empregados
e ajudaram os recebedores. O problema é que essa é uma exceção, fruto de uma
situação extraordinária e tendo como receptores da ajuda países com mais
inclinação para democracia.
ONGs podem prestar ajuda externa sem que isso
envolva entregar dinheiro para os líderes políticos. Bom, sem entregar
diretamente. ONGs não fazem nenhum trabalho em um país estrangeiro que o
próprio governo não poderia pagar para fazer. Indiretamente, acabam entregando
dinheiro para a coalizão do líder, com a ressalva de que é menos dinheiro.
Uma maneira que os países estrangeiros poderiam
ajudar os países pobres é através do comércio internacional. Os países ricos
adotam várias práticas protecionistas, a exemplo de qualquer outro país. Se
liberalizassem mais o comércio com os países pobres, poderiam prestar um
serviço melhor do que com ajuda externa.
Outro problema da ajuda externa é no caso de
auxílio humanitário em caso de desastres naturais, como o tsunami de 2004 e o
ciclone em Mianmar em 2008. Há o problema dos bens serem desviados e vendidos
no mercado negro pelos apoiadores do regime, o que ocorre com frequência. No
Sri Lanka, para liberar a entrada de ajuda externa após o tsunami, o governo
exigiu o pagamento de imposto de importação de 300%, o que dá por volta de 1
milhão de dólares, que a Oxfam acabou pagando.
Ainda nesse tópico, desastres naturais, o Paquistão
é outro exemplo. Após inundações na década de 1970, o governo investiu em
programas de prevenção. Verdade irrefutável, porém, os investimentos foram
concentrados em determinadas áreas a fim de beneficiar os membros da coalizão
vencedora. Quem estava de fora, ou seja, o povão, ficou desprotegido, tanto que
ocorreriam outros grandes desastres que prejudicavam a população. Essa é uma
prática política interessante, lembrando aos apoiadores do líder as
consequências de ficar de fora da coalizão vencedora. Melhor ainda: notícias de
tragédias humanas atraem ajuda externa e mais dinheiro para os essenciais.
Como consertar a ajuda externa? Esperar que os
líderes ajam de maneira mais humanitária é tolice. Uma sugestão é que os
doadores ofereçam ajuda após a obtenção de objetivos. O Paquistão, por exemplo,
poderia receber dinheiro apenas após capturar o Bin Laden e acabar com a
Al-Qaeda, já que eles teriam um incentivo para agir assim. Bin Laden vivo e
Al-Qaeda ativa eram fontes de receita para o Paquistão.
Outra solução seria as pessoas nos países ricos e
democráticos realmente quererem ajudar os países pobres, com todas as
consequências negativas que isso poderia ter para elas mesmas. Em democracias,
os políticos tentam dar às pessoas o que elas querem, podendo ou apenas fingir
que dão ou dar, mas de uma maneira distorcida. Se as pessoas realmente
quisessem ajudar os países subdesenvolvidos, isso poderia ser feito de maneira
mais efetiva. Mas a verdade é que as pessoas não querem isso tanto assim.
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