Na continuação da série sobre América Latina, vou falar sobre aspectos da colonização espanhola da América Latina. A fonte de informação é o livro The Penguin History of Latin America. A gameplay é do jogo Expeditions: Conquistador.
A
colonização da América Latina teve como uma das principais características a
descentralização. Não foi uma guerra de conquista empreendida por um exército
formal, mas uma série de expedições autorizadas pela Coroa Espanhola que atraiu
milhares de aventureiros em busca de ouro e fama. Por conta disso, não foi uma
empreitada sistemática e organizada, havendo muito improviso nas operações e na
fundação de cidades. O determinante para o estabelecimento de assentamentos e a
exploração foi a busca por ouro e por mão-de-obra. Isso levou os espanhóis a
áreas já dominadas por outras civilizações, como os astecas e os incas. Fora
disso, ou não havia riquezas a se apropriar ou o local era de difícil
exploração, como o alto dos Andes.
Os
espanhóis começaram a fundar cidades próximas de áreas já densamente povoadas
por indígenas e só depois gradualmente foram povoar outras áreas. Boa parte do
interior da América do Sul só seria explorada quatro séculos depois da chegada
ao Novo Mundo. Ao leste dos Andes, apenas algumas áreas da Argentina, Paraguai,
Venezuela e Chile foram povoadas.
Ao
longo da colonização, os espanhóis se defrontaram com indígenas de vários
tipos, seguindo diferentes esquemas de desenvolvimento, indo de tribos
sedentárias da Nova Granada a sociedades mais complexas como os maias, tribos
semi-nômades como os araucarians do sul do Chile e os Chichimec do norte do
México e tributos de caçadores e coletores na Floresta Tropical da América
Central e Sul. A interação dessas tribos com os espanhóis influenciaria a
sociedade que emergiria nessas localidades.
Dessa
forma, a colonização espanhola foi limitada, dispersa e heterogênea. Mesmo
assim, havia uma conexão entre as principais áreas de colonização, ao norte a
Cidade do México, ao sul Lima. Os espanhóis preferiram estabelecer cidades
longe das costas, que são mais vulneráveis a doenças e ataques pelo mar, mas
havia portos auxiliares em Veracruz no Golfo do México, Callao no Pacífico e
Portobelo no Panamá. Santiago do Chile era ligada ao Pacífico e à Lima por
Valparaíso e Quito pelo porto de Guayaquil. A rede de transportes passou a
incluir outras cidades quando a mineração de prata ganhou fôlego, a Cidade do
México se ligando a Zacatecas, Lima à Cuzco e La Paz à Potosí. Dessa forma,
prata vinha do interior para Lima e Cidade do México e depois exportadas para a
metrópole e produtos europeus partiam de Sevilha e seguiam a mesma rota ao
longo da colônia.
Essa
foi uma maneira eficiente da Coroa manter controle sobre as colônias. Essa
estrutura básica existe desde o século XVI e foi ramificando as suas
extremidades conforme o império crescia. Essa foi a maneira da Coroa manter
controle sobre a colônia sem abrir mão de terceirizar a exploração para os
expedicionários, que agiam sem a supervisão do governo, mas, uma vez sendo bem
sucedida, se incorporando ao império. No fim, era uma mistura de iniciativa
local com autoridade centralizada que se exerce através de uma rede de
comunicações organizada.
Na
organização social da colônia, denominava-se adelantado o chefe do grupo de conquistadores. Ele era assumia o
papel de capitão-geral ou governador, sendo responsável pela defesa militar e a
administração civil. Ao adelantado era permitido distribuir recompensas aos
seus comandados, a concessão de terras podendo ser de peonías com cerca de 100
acres para soldados rasos e caballerías com cerca de 500 acres para cavaleiros.
O adelantado era obrigado a fundar cidades de uma maneira bem ritual pagando
tributo à Coroa e à Igreja. Uma espada deveria ser cravada em uma árvore para
simbolizar a implementação da justiça real no território, o nome da cidade
seria proclamado com gritos de “Viva el Rey!” e uma missa seria celebrado para
santificar o local.
O
direito à mão-de-obra indígena e de cobrar tributos dos índios está na
instituição da encomienda, concedida à elite dos exploradores. A Coroa teve o
cuidado de não criar senhores feudais já que a encomienda não transforma os
índios em servos.
Os
espanhóis que escolhiam se estabelecer na cidade seriam considerados vecinos
(cidadãos) de uma municipalidade espanhola e teriam o direito de eleger o comandante militar e seriam vassalos do rei
da Espanha. Dentre os mais importantes vecinos, aqueles com as maiores
encomiendas, o adelantado escolheria um conselho municipal, o cabildo. O
notário real e o padro que acompanhavam as expedições se tornariam o magistrado
e a autoridade eclesiástica na cidade. Assim, os órgãos essenciais da Espanha
eram replicados na colônia. Inclusive, a construção da cidade em seu início
devia seguir um plano pré-definido, a traza, com uma área retangular sendo
traçada no centro da cidade ao redor da qual eram construídas a residência do
governador, o cabildo, a igreja, a prisão e a casa dos principais encomenderos.
Da praça, oito ruas paralelas dividem a cidade em grades de casas, quanto mais
longe a casa estando da praça, menor a posição social de seu dono.
A
princípio, a economia das colônias era voltada para a autossuficiência, mas
depois passou a se voltar a estabelecer ligações comerciais e administrativas
com outras cidades e depois com a metrópole, alguns colonos se especializando
em bens como açúcar e tabaco para exportação.
A
conquista do Novo Mundo não foi uma empreitada aristocrática, a grande maioria
dos participantes vindo das classes baixas, artesão, soldados, marinheiros etc.
em busca de fama e dinheiro nas expedições. Apesar de todos os esforços da
Coroa para colocar ordem na colônia, a vida no Novo Mundo era instável e
perigosa por conta da supervisão à distância da metrópole. O fluxo de migrantes
vindo para as Américas piorou essa situação ao colocar colonos em conflitos
pelos melhores territórios.
Apenas
6% dos migrantes para o Novo Mundo eram mulheres, então restava as indígenas
para os espanhóis terem relações. A Coroa e a Igreja estimulavam a
oficialização dessas relações no casamento, e de fato muitos seguiram por esse
caminho, mas a maioria viveu no pecado mesmo. Quando mais mulheres passaram a
vir da Europa, elas se tornaram as parceiras preferenciais para casamento, não
que os espanhóis abandonassem de todo as relações ilícitas. Havia um grande
preconceito racial e os filhos brancos costumavam ser reconhecidos, ao
contrário dos não-brancos.
Do
lado dos nativos, havia uma grande heterogeneidade entre os vários grupos
indígenas, de forma que classificar todo mundo como “índio” é simplificador
demais. Ajuda a distinguir entre dois grupos extremamente diferentes (nativos e
europeus), mas esconde a grande diversidade que havia mesmo nas áreas dominadas
por incas ou astecas.
Há
uma tendência a ver a conquista espanhola como uma violência desmedida dos
espanhóis contra inocentes indígenas. Embora os espanhóis tenham cometido
barbaridades no Novo Mundo, indo do trabalho forçado a massacres e estupros, as
expedições não foram mais violentas do que muitas guerras entre europeus e até
entre indígenas. Não havia uma enorme comunidade indígena coesa, unida e
pacificada, e sim várias tribos que entravam em conflito entre si e até
internamente, os incas e os astecas estando em guerra civil quando os espanhóis
chegaram na América Latina.
Após
a chegada dos espanhóis, a população indígena foi bastante diminuída, mas nem
tanto por massacres indiscriminados e mais por doenças trazidas do Novo Mundo. Que
foram devastadoras, sem dúvida, algumas estimativas chegando de redução da
população nativa chegando a terríveis 90% no México e 40% no Peru. As doenças
não só matavam, mas também abaixavam o moral, desnorteavam os indígenas, que
não sabiam o que estava acontecendo, e desestruturava o poder, já que muitos
líderes forma mortos dessa maneira. Aqueles que sobreviveram tiveram que lidar
com a desmoralização social, com relatos de um diversos casos de suicídio,
abortos, falta de vontade e procriar e alcoolismo se disseminando entre os
indígenas.
A
cobrança de impostos dos indígenas foi outra consequência negativa da
colonização espanhola, mas não se sabe se esses impostos eram maiores ou
menores do que os cobrados pelos incas ou os astecas, mas houve casos de
indígenas fugindo de vilas dominadas por esses impérios para trabalhar para os
espanhóis. Mas é provável que os impostos fossem excessivos, já que a população
indígena diminuiu (reduzindo a produtividade) ao mesmo tempo em que a população
espanhola aumentou (aumentando as exigências). Outra questão é que havia certa
reciprocidade entre dominados e dominadores antes da conquista, e os espanhóis
não davam muito em contrapartida aos tributos recebidos. Houve também uma série
de deslocações forçadas de populações de áreas menos densamente povoadas e
distante de onde os espanhóis precisavam de mão de obra para áreas mais
próximas dos campos de trabalho.
E
apesar dos espanhóis dominarem os nativos, houve uma certa continuidade
cultural em relação ao período pré-hispânico e quem mais teve a lamentar da
derrota contra os espanhóis eram as aristocracias dos impérios inca e asteca,
que perderam o poder que tinham. E, conforme comentado anteriormente, havia uma
série de conflitos entre facções rivais nos impérios, que se aliaram aos
espanhóis para derrotar seus inimigos. E havia ainda aqueles que optaram por se
aliar aos espanhóis em tempos de paz, e esses sofreriam menos nas mãos dos
espanhóis. Outros, como os araucarians, conseguiram resistir por muito tempo.
Muitas etnias eram subjugadas pelos incas e astecas e a queda dos impérios
significou a libertação dessas etnias.
Muito
da estrutura básica da vida indígena permaneceu mais ou menos a mesma em boa
parte, desde que eles aceitassem seus novos mestres. O que não significa que a
relação foi pacífica, e os espanhóis e os indígenas entraram em choque em
vários momentos, inclusive com vitórias para os índios, mas essa não era uma
situação permanente. Na religião, havia um sincretismo entre as crenças antigas
e o cristianismo, o que se manifestou, por exemplo, no Dia dos Mortos mexicano.
Culturalmente, os nativos mostraram grande capacidade de resistência e de
escolha entre os elementos da cultura estrangeira que eles queriam assimilar.
Rituais, respeito à autoridade tribal, formas de organização familiar e a
economia familiar de antes da conquista permaneceram após a chegada e dominação
dos espanhóis. Os espanhóis empurraram o cristianismo para os nativos, mas aceitaram
as tradições que fossem compatíveis com o cristianismo por interesse de estado
e tentaram conciliar as duas culturas em muitos aspectos.