Sobre Itália, vou começar a falar sobre Império Romano. Pretendo no futuro fazer uma série sobre Roma e essa pode ser entendida como uma primeira parte. O jogo que eu vou usar é o Total War: Rome 2, não na parte de campanha, e sim em um de seus cenários, a Batalha da Floresta de Teutoburgo. Como o que eu tenho a falar é mais longo do que esse cenário, complemento com o mesmo cenário do Rome: Total War 1 . A fonte de informação é o livro Teutoburg Forest AD 9, de Michael McNally, publicado pela Osprey.
A
Batalha da Floresta de Teutoburgo opôs o germânico Armínio e o general romano
Varo no ano 9 depois de Cristo. Diferente de outras batalhas, é incerta a
localização exata de onde a batalha foi travada. É provável que o palco da
última batalha de Varo tenha sido em algum lugar ao redor da cidade de Detmold
na parte sul da Floresta de Teutoburgo. Há ainda hoje uma discussão sobre onde
teria sido essa batalha, mas não cabe aqui entrar nesses detalhes.
O
contexto da batalha era o conflito permanente entre Roma e as tribos germânicas
na Germânia Magna ao leste do Rio Reno. As principais tribos germânicas em
guerra com Roma eram os Queruscos, os Suebii e os Sugambri. Roma já estava em
guerra com tribos germânicas desde pelo menos dois séculos antes de Cristo. No
comando das campanhas contra os germânicos, passaram Caio Mário, famoso pelas
vitórias em Aquae Sextiae e Vercellae e depois Júlio César, governador da Gália
defendendo a região de ataques germânicos durante seu mandato. Depois de algum
tempo, Druso, enteado do Imperador Augusto, seria nomeado como governador da
Gália e seria responsável pelas principais vitórias de Roma em território
germânico, embora isso não tenha resultado em anexação.
Após
algum tempo, na entrada da era cristã, seguiu-se um período de paz e
prosperidade, florescendo um rico comércio com as regiões germânicas, que agora
optaram por se aliar aos romanos, inclusive com muitos guerreiros germânicos se
alistando em Roma. Essa paz e prosperidade tornariam Roma complacente, e isso
seria fatal nos eventos do ano 9 da era cristã.
Lados Opostos
Vou
falar agora sobre os comandantes dos dois lados opostos da batalha. Públio
Quintílio Varo (46 a.c.-9 d.c.) é o único filho de Sextus Quintílio Varo, um
oficial da facção de Pompéia que cometeu suicídio após a batalha de Filipos ao
invés de ser preso por traição. Varo subiu rapidamente na carreira pública e em
22 antes de cristo foi eleito Questor, o primeiro cargo na hierarquia da cursus
honorum, o curso dos oficiais na Roma Antiga, mais ou menos 6 anos antes dos 30
anos, quando estaria elegível ao cargo. No ano 20 antes de Cristo ele casaria
com Vipsania Marcella Agripa, filha de Marco Vipsânio Agripa. No ano 15 antes
de Cristo comandaria com sucesso a legião XIX em Noricum e Raetia. Isso
elevaria ainda mais a sua posição social e em 13 antes de Cristo ele seria
eleito cônsul júnior.
Em
8 antes de Cristo, Varo seria nomeado governador da província senatorial da
África e no próximo ano foi eleito governador da Síria, o mais importante cargo
na parte leste do Império, que ele conseguiu levar em bom nível. Findo seu
mandato na Síria, voltaria para Roma, casaria com a sobrinha do Imperador,
aumentando ainda mais o seu status que o levaria para o comando da Germânia no
ano 7 depois de Cristo.
Armínio,
o adversário de Varo na Batalha de Teutoburgo, era o filho mais velho de um
influente nobre da tribo dos Queruscos, que ficava perto da atual cidade de
Minden. Nas campanhas de Druso, reféns foram feitos das tribos germânicas e
Armínio estava dentre os reféns para assegurar o bom comportamento das tribos.
Com mais ou menos 10 anos, Armínio receberia a mesma educação dedicada aos
romanos nobres. Duas memórias ficariam fixadas no jovem Armínio: a emboscada de
Queruscos, provavelmente liderada por seu pai, contra Druso e a campanha bem
sucedida de Druso que o levou a virar refém de Roma. Armínio entenderia que os
romanos podem ser derrotados, desde que a sua flexibilidade tática e disciplina
fossem desafiadas. O tempo que passou em Roma serviria para aprender mais sobre
o inimigo.
Perto
dos 20 anos, retornaria para seu povo para suceder seu pai, ele supostamente
sendo um bom embaixador entre Roma e os Queruscos. Seu irmão mais novo o
substituiria como refém, talvez jovem demais para sofrer retaliação no caso de
um ataque dos Queruscos.
Exércitos Opostos
Agora
vou falar sobre os exércitos de Roma e dos germânicos. Quando foi nomeado
general na Germânia, Varo tinha cinco legiões sob comando mais unidades
auxiliares que devem totalizar uns 20% da linha de frente. Na época imperial,
cada legião era dividida em 10 sub-unidades ou cohortes, cada uma dividida em
seis centúrias de 80 soldados e 20 servos cada, comandadas por um centurião.
Cada legião completa tinha 4.800 homens apoiada por 120 unidades de cavalaria
com a tarefa de batedor e de escolta. A estimativa é que Varo tinha 17 mil
combatentes mais 3.800 não combatentes na Batalha de Teutoburgo.
A
principal arma de um legionário era o dardo pesado (pilum), desenhada para
dobrar no impacto para entrar no escudo inimigo e torna-lo pesado demais para
ser usado. Além do mais, a arma torna-se inútil depois da batalha, o que
impossibilitaria o inimigo de usá-lo ao mesmo tempo que pode ser refeita pelos
ferreiros romanos. A arma secundária eram o gládio, espada curta de perfuração,
e a adaga púgio. Para defesa, os legionários usavam um escudo retangular na mão
esquerda (o scutum), um elmo de ferro ou bronze e uma cota de malha.
A
tática de combate envolvia arremessar o pilum nos escudos inimigos,
atrapalhando a coesão do inimigo até que eles chegassem próximo para o combate
corpo a corpo, usando o gládio para apunhalar e o escudo como arma. Além dos
soldados romanos, as legiões podiam contar com o apoio dos numeri, tropas de
aliados de Roma em número variável, usando os equipamentos de sua própria
nação. Com a redução no número de legiões e de soldados, era necessário
aumentar o número do efetivo e essa foi uma solução de baixo custo. Outro tipo
de tropa era o auxiliarius, composto por pessoas sem status social que poderiam
receber o título de cidadão após o fim do seu tempo de alistamento. Eles eram
equipados de forma parecida que os legionários, mas com uma lança mais leve, a
lancea, e um escudo redondo ao invés do retangular. Havia ainda especialistas
em arcos (sargittarii).
Diferente
dos romanos e de outros de seus adversários, os germânicos não mantinham
registros escritos que pudessem dar maiores detalhes sobre o exército de
Armínio, por isso, é necessário recorrer a estimativas que variam muito. As
estimativas mais razoáveis variam entre 20 e 30 mil homens, o que superaria a
tropa de Varo. Além de Queruscos, também havia tropas Angrivarii e Bructeri. É
necessário também enfatizar que nem todos estariam tão bem equipados, já que
qualquer germânico poderia ser um guerreiro.
Os
guerreiros mais bem equipados utilizavam a framea, uma lança que podia ser
usada tanto para arremesso quanto para combate corpo a corpo. Como uma arma
secundária, espada ou machado, com adaga como arma de último recurso. Na
defesa, escudo redondo ou hexagonal. Cota de malha era rara entre os guerreiros
e provavelmente era mais fruto de espólio de guerra do que produção própria.
Varo na Germânia
Como
mencionado anteriormente, a Germânia estava relativamente pacificada na época.
Ainda é uma incógnita a razão da expedição de Varo na Germânia, sendo cogitado
uma campanha de conquista ou de coleta de impostos. O mais provável é que Varo
foi mandado mais por razões políticas do que bélicas, ele mesmo sendo melhor
político do que guerreiro. Varo foi mais para manter o status quo do que para
conquistar a Germânia, para reassegurar as tribos aliadas de que Roma estava
com elas e evitar revoltas.
Para
esse fim, foram enviadas procissões regulares para territórios disputados para
mostrar a força de Roma. Para ajudar nessa missão, Varo contava com o auxílio
de tribos mais aliadas e com os líderes dessa tribo. E havia um líder que
parecia ser confiável, que recebeu educação romana e que já havia servido Roma.
Seu nome: Armínio.
Não
se sabe quando Armínio resolveu se voltar contra Roma, mas sua convivência com
os romanos e o conhecimento de táticas bater e correr das tribos germânicas o
tornaram o candidato perfeito para liderar uma vitória sobre Roma em território
germânico. Armínio buscou apoio de outras tribos, já que os Queruscos sozinhos
não conseguiriam enfrentar o exército de Varo. E todo o planejamento do ataque
se baseava na rapidez do ataque, já que um confronto mais prolongado
beneficiaria os romanos, que eram qualitativamente superiores aos germânicos.
Armínio tinha em mente três objetivos: manter em Varo a percepção de que estava
em território amigável; fazê-lo montar o acampamento de verão em território
Querusco e atrasar a volta para o acampamento de inverno.
A campanha
A
campanha de Varo na Germânia começou no ano 9 AD. O exército atravessou o Reno
e estabeleceu o acampamento de verão em território Querusco, onde ele receberia
delegações germânicas amigas ou hostis para negociações. Ao longo do caminho,
foi criando guarnições para facilitar a logística em território germânico, para
essa e outras expedições futuras. Uma vez no acampamento de verão, não se sabe
exatamente o que Varo fez em território germânico. Armínio deve ter aproveitado
essa ocasião para dialogar com tribos inimigas de Roma e tentar conseguir mais
apoio em uma futura insurreição.
Armínio
armaria alguns ataques contra romanos em patrulha ou trabalho ao redor do
acampamento. A intenção era incitar uma campanha militar por parte dos romanos
e desviar a rota de Varo de volta para o Reno para um caminho que favoreceria
Armínio. O seu plano deu certo e Varo mudaria os planos para enfrentar tribos
germânicas e também mudou a sua rota de volta.
Em
7 de setembro, Varo anunciaria os seus planos para as tropas e partiria em uma
rota de volta para o Reno e ao mesmo enfrentaria os germânicos seguindo para
noroeste. Armínio iria na frente, prometendo reencontrar o resto do exército
daqui a dois ou três dias. Secretamente, ele foi se encontrar com seus aliados.
Essa seria a última vez que Armínio e Varo se veriam.
No
dia 8, retomariam a macha. O exército de Varo entraria em uma região de
floresta pesada, o que diminuiria o ritmo da marcha e os tornaria mais
vulneráveis a ataques. Homens da tribo Bructeri lançaram ataques bater-e-correr
contra os romanos, parte do plano de Armínio de cansar os romanos, causar danos
e os deixar desconfortáveis. A floresta densa impossibilitava que eles
entrassem em formação da maneira apropriada contra os agressores e os feridos
resultantes desses ataques diminuiriam ainda mais o ritmo da marcha. No
primeiro dia de confrontos, as baixas não foram muito consideráveis. Nesse dia,
cairia uma chuva torrencial que atrapalharia ainda mais os romanos, embora
também prejudicasse os germânicos. À noite, Varo teria uma reunião de guerras,
as suas principais preocupações sendo o movimento da cavalaria e dos trens de
bagagem através da floresta.
Como
decorrência das chuvas do dia anterior, a estrada virou um lamaçal
intransponível, e os romanos não puderam marchar no dia seguinte. Varo mandaria
batedores, um grupo para para verificar o caminho adiante e verificar a posição
e força do inimigo e outro para se se encontrar com o grupo de Armínio. Apenas
um dos grupos retornaria. O primeiro grupo relataria que o caminho adiante está
impossível de percorrer por conta da lama, que atrasaria principalmente os
carros de bagagem. O segundo grupo foi capturado e torturado até relevar a
situação das forças de Varo, sendo mortos posteriormente.
Tudo
estava saindo de acordo com o plano de Armínio. Ele enviaria mensagens para os
Angrivarii e os Bructeri para reforçar os ataques bater-e-correr e preparar uma
emboscada no caminho que Varo obviamente seguiria, sem ter guias locais (os que
eles tinham, homens de Armínio, já os deixaram). Com o não retorno dos
batedores, Varo deve ter percebido que alertas anteriores sobre a lealdade de
Armínio eram verdadeiros.
A
marcha retomaria no dia seguinte independente das condições da estrada. Varo
faria algumas modificações, como abandonar o máximo de bagagem possível, que a
essa altura era um estorvo, o que acabou por diminuir o tamanho da coluna de
marcha. Não-combatentes receberam armas improvisadas e os feridos com gravidade
seriam deixados para trás.
Antes
do amanhecer, os romanos desmontaram acampamento sem alarde, para não chamar a
atenção do inimigo. Varo esperava conseguir forçar seu caminho para o oeste e
sair da floresta, esperando ter maior vantagem em campo aberto. A formação
tinha três partes, a vanguarda que estaria mais próxima do inimigo com duas
legiões, o quartel-general com Varo e a retaguarda com o que restou da bagagem
e a terceira legião. A cavalaria, comandada por Numonius Vala, ia atrás da
retaguarda. Como a cavalaria não ia conseguir lutar na floresta, Varo preferiu
que ficasse atrás retaguarda para proteger contra perseguição inimiga.
Com
dificuldade, o exército de Varo avançou e deixou por completo o acampamento. Os
germânicos retomaram as operações de bater-e-correr , causando baixas no
exército romano que não podia contra-atacar e perseguir os germânicos na
floresta. Feridos foram não apenas sendo deixados para trás, mas mortos pelos
próprios companheiros para evitar serem capturados, o que abriu clareiras e
desorganização na formação romana. A linha de comunicação tinha se quebrado, já
que era impossível alguém se mover para trás ou para frente da coluna sem
atrapalhar o movimento geral, e a prioridade era se mover o mais rápido
possível.
À
noite, as tropas de Varo conseguiram deixar a floresta e a prioridade passou a
ser encontrar uma área defensável para montar um acampamento. Não se sabe ao
certo a sua localização, mas provavelmente foi em um local elevado para dar
alguma vantagem para a defesa. No acampamento, Varo pode ver melhor a má
situação de seu exército, com baixas consideráveis infligidas pelos germânicos.
No
acampamento, Varo mandaria Vala e a cavalaria para o norte para buscar reforços
entre as tropas romanas ou os aliados germânicos de Roma. Porém, Vala foi
atacado por tropas de Armínio, que exterminaram o inimigo, fechando a opção de
ir para o norte. Restava seguir para o oeste e voltar para a floresta, e voltar
a ficar vulnerável a emboscadas, ou ir para o sul, tendo que ir por um caminho
acidentado. Ficar acampado, apesar da disponibilidade de suprimentos, não seria
uma boa ideia pois chamaria o inimigo até eles.
Após
a destruição das tropas de Vala, Varo tomaria a decisão de tirar a própria
vida, assim como fez seu pai antes dele, por uma combinação de desejo de
preservar a honra da família, sentimento de falha e para evitar ser capturado
com vida pelos germânicos. Esse gesto não deve ser encarado como sinal de
covardia, mas de muita coragem e uma aceitação completa da culpa do fracasso e
uma maneira de proteger a herança de seu filho, assim como seu pai fez com ele.
Outros soldados seguiriam o seu exemplo e caberia a Lucius Eggius e Caeonius
liderarem as tropas dai em diante.
Antes
do amanhecer do 11 de setembro do ano 9, as tropas de Eggius partiram para a
última marcha em direção ao oeste, por dentro da floresta. Além de sofrer mais
ataques bater-e-correr, os romanos se depararam com uma bifurcação. Por um
caminho, que descia, provavelmente havia uma inundação. Então, seguiram pelo
outro caminho, só para encontrarem um baluarte germânico pelo qual teriam que
passar para prosseguir.
Não
havia outra opção a não ser atacar o baluarte. Esse ataque é ilustrado no livro
que eu uso como referência nas páginas 74 e 75. Um grupo avançava contra a
fortificação e deixava os escudos para serem usados como rampas, que outro
grupo utilizaria para se aproximar da fortificação e tentar destruí-la,
enquanto os germânicos eram bombardeados por lanças. O restante ficava como
reserva, atentos para possíveis contra-ataques.
As
tropas de Caeonius, que partiram depois de Eggius, saíram do acampamento sob
vigilância das tropas de Armínio. Quando Caeonius já estava longe o suficiente
do acampamento, Armínio ordenaria o ataque contra os romanos em marcha. Em
muito menor número, alguns tentaram voltar para o acampamento e outros seguirem
rapidamente para oeste para tentar encontrar as tropas de Eggius. Caeonius, que
tinha conseguido voltar para o acampamento, recebeu uma oferta de Armínio para
negociar. Armínio perguntou onde estava Varo e Caeonius apontou o túmulo de
Varo. Em seguida, Armínio ordenou que o morticínio prosseguisse, depois a
cabeça de Varo sendo recuperada e levada como troféu.
Ao
oeste, as tropas de Eggius não tiveram como passar pelo baluarte e recuaram,
para encontrar o que restou das forças de Caeonius. Sem nenhuma outra
alternativa, eles se agruparam e voltaram a atacar o baluarte. Sem
consideráveis reforços de seu lado, e com o aumento no número de inimigos vindo
das tropas de Armínio, o inevitável resultado só poderia ser a derrota.
Não
se sabe se esse ataque de Armínio foi feito com a intenção de entrar em guerra
com Roma ou apenas desafiar Roma, mas o fato é que Armínio não receberia o
apoio de mais tribos para um ataque contra Roma, mais notadamente, Marobóduo
dos Marcomanos. No fim, Armínio enviaria a cabeça de Varo para Roma, acendendo
ainda mais o desejo por vingança. Agora com as tropas da Germânia sob comando
de Germânico, Roma continuou em guerra com as tribos germânicas por algum
tempo, tanto por desejo de vingança quanto para recuperar as aquiale perdidas,
mas chegou uma hora que Tibério simplesmente decidiu encerrar os confrontos e
que o Reno marcaria a fronteira norte do Império Romano.
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