Sobre Camarões, vou falar sobre alguns contos folclóricos que estão no livro African Myths of Origin organizado por Stephen Belcher. A gameplay é do jogo PHL's Air Flying Game, desenvolvido em Camarões. Não tem tanto a ver com o que eu vou falar, mas é um jogo simpático.
Os
Fangs vivem na Floresta Equatorial do Gabão e de Camarões, tendo migrado para
lá durante o século XIX. Seu estilo de vida era baseado em procurar por
recursos na floresta onde vivem e apenas mais tarde se tornariam sedentários. A
língua Bantu os une com outros grupos étnicos de Camarões, como os Bulu e os
Beti. Hoje em dia, pouco do estilo de vida deles permanece, assim como floresta
onde viviam, e suas práticas religiosas são sincréticas. As histórias a seguir
foram coletadas durante o período colonial.
Primeiro,
o mito de criação segundo os Fangs. O primeiro ser era Mebege, embora também se
diga que a terra foi criada por uma gigantesca aranha que desceu do céu em uma
longa teia e colocou o ovo que virar a Terra. Mebege criou os humanos, criando
um lagarto de barro e o colocando na água, oito dias depois surgindo o primeiro
homem, Nzame. A primeira mulher seria Oyeme-Mam e era irmã de Nzame.
Apesar
de irmãos, os dois humanos primordiais tiveram relações. Não, isso não era
normal entre os Fangs, e sim a pior corrupção que poderia existir. Como
consequência, Mebege deixou a terra e encarregou os dois de continuar o
trabalho da criação. Oyeme deu a luz a oito pares que se tornaram ancestrais
dos vários grupos Fangs.
Nzame
foi até Mebege, talvez em forma de espírito, e retornou com vários
conhecimentos como o da agricultura. Apesar de não ter morrido, ou assim, diz a
lenda, Nzame deixou o mundo, antes dando as instruções sobre a organização da
sociedade. Mas houve brigas entre os herdeiros e o conhecimento não foi
disseminado da maneira planejada. E dizem que é por isso que os brancos têm
mais riqueza do que os africanos.
A
próxima história do livro sobre os Fangs trata da migração. Antigamente, todos
os povos viviam ao norte do atual território. O mito diz que eles eram atacados
por gigantes vermelhos e migraram para o sul. No caminho, pararam em um rio, já
que eles não tinham habilidades para construir navios. Mas eles encontraram um
grande crocodilo, que ofereceu ajuda-los ao deitar sobre o rio de forma que
eles conseguissem cruzá-lo. Ele ajudou o Gigante Vermelho a atravessar o rio,
mas depois afundou nas águas, afogando o gigante.
Tendo
atravessado o rio, chegaram em uma floresta e tiveram o caminho barrado por uma
enorme árvore. Enquanto discutiam sobre como passar pela árvore, três pigmeus
apareceram, que mostraram o caminho para passar pela árvore por uma estreita
passagem. Porém, houve uma briga sobre qual grupo deveria liderar o caminho, se
os jovens ou os anciões, então assim que passaram pela árvore, eles se
dividiram em dois grupos e cada um tomou seu caminho próprio.
O
livro conta ainda histórias dos Duala, um povo costal de Camarões que vive
basicamente como intermediários entre os europeus e povos do interior. A
história de Jeki La Njambe foi preservada até os dias de hoje. O mundo de Jeki
é povoado por caçadores e pescadores vivendo ao longo da costa de Camarões. Os
Duala hoje admitem que não entendem bem a história de Jeki, mas eles continuam
a apresenta-la ritualisticamente.
Havia
um homem chamado Inono Njambe. Ele tinha muitas esposas e filhos, mas se
entregou ao estudo da feitiçaria e sacrificou muito de seus filhos e esposas
para ganhar poder. Até que só sobou uma criança, chamada de Njambe Inono, e o
povo da vila pensou que ele foi longe demais (mas só agora?!). Eles se reuniram
e invadiram a casa de Inono Njambe, o amarrando, o espancaram com frondes de
palmas e jogaram nozes de palma até que ele prometesse desistir da feitiçaria e
deixasse o filho viver. Então, ele foi solto e não viveria muito mais, passando
o seu conhecimento para o filho. Njambe Inono casou e teve filhos e depois de
um tempo seria tentado pelo conhecimento de seu pai e pessoas começaram a desaparecer
em sua família. Vendo isso, os vizinhos intercederam novamente, mas, ao invés
de mata-lo, colocaram Njambe Inono em uma canoa e o despacharam junto com a
esposa.
Em
uma nova terra, Njambe plantou uma palmeira, que cresceu enormemente, e em seu topo
colocou uma ave. Nas águas lançou um crocodilo e no meio de sua morada colocou
um baú com um leopardo. Essas criaturas davam proteção mágica para a sua
morada.
Njambe
e sua esposa, Ngrijo, tiveram uma filha. Ngrijo ia com a filha trabalhar nos campos
e um dia um chimpanzé apareceu enquanto a criança estava engatinhando na sombra
das árvores. Os dois começaram a brincar e a mãe ficou preocupada de início,
mas o chimpanzé reassegurou a mãe e a brincadeira se tornou recorrente. Quando
a garota ficou núbil, o chimpanzé a levou. Ngrijo procurou, procurou, procurou
e por fim voltou para casa para dar as notícias para Njambe, que imediatamente
foi até a floresta e convocou o chimpanzé.
“Onde
está minha filha?”, perguntou Njambe.
O
chimpanzé confessou que a levou, mas disse que ele ajudou Njambe e Ngrijo a
encontrar comida e nunca foi recompensado por isso, então ele a levou para
viver com os espíritos da floresta. Depois dessas palavras, o chimpanzé sumiu.
Njambe
teria outras esposas e teria vários filhos, menos de Ngrijo, apesar de seu
ventre mostrar sinais de inchaço. Por não dar à luz a filhos, Njambe expulsaria
Ngrijo de sua morada para uma cabana nas margens do rio. Os anos se passaram,
os filhos de Njambe cresceram, mas nada de Ngrijo dar à luz, apesar do ventre
inchado, que passou a atrapalhar as suas tarefas.
Até
que um dia, enquanto cortava lenha, Ngrijo ouviu uma voz. “Mãe, me deixe sair e
eu te ajudarei”. Então, Ngrijo deu à luz a uma criança do tamanho de um adulto.
Então, ele ajudou a sua mãe com a lenha e depois voltaria para o ventre. A
criança só voltaria a sair quando Ngrijo estava na praia coletando camarões junto
com outras esposas de Njambe e a criança pediu para sair, preocupada com as
águas que estavam recuando. A criança pediu para ser deixada nas águas, mas
Ngrijo se recusou. Ele insistiu até que Ngrijo o deixou sair, para espanto das
outras esposas, que fugiram de medo, deixando cair as suas cestas de camarões.
A
criança salvou a mãe das ondas. Quando Ngrijo acordou, se viu em uma cabana
cercada por cestas cheias de camarões. E, para surpresa geral, as outras
esposas também se viram com as cestas que tinham deixado cair. Logo após isso,
Jeki, a criança de Ngrijo, anunciaria que chegou a hora de nascer. Mas, antes
de Jeki sair, Ngrijo deu à luz a uma série de bens, como tecidos, lingotes de
metal, instrumentos de metal, Ngalo, o amuleto que Jeki usaria em suas
aventuras e uma canoa que usaria para viajar pelas águas. Só então saiu Jeki.
A
hostilidade de Njambe com Ngrijo se transportou para Jeki, agravado pelos
relatos de seu estranho nascimento, e essa seria a razão de suas primeiras
aventuras. E essa hostilidade se manifestou um dia quando Njambe convocou Jeki
para um desafio. Ele deveria adivinhar o que estava dentro de um baú. Se
errasse, ele seria espancado pelas outras crianças.
Primeiro,
Jeki sugeriu que fosse tecido. Errou e seus meio irmãos bateram nele. Depois,
disse que eram lingotes de cobre, errou novamente, e apanhou novamente até
ficar quase inconsciente. Ele viu ao redor e percebeu que os seus meio irmãos
estavam prontos para bater nele até matar. Chegou a hora, então, de encerrar
esse jogo.
“Eu
vou dizer a vocês como eu deveria ter feito de início”. A intenção de Jeki era
averiguar quanto era odiado na família. Ele respondeu que o baú continha um
piolho que Njambe tirou da cabeça. Piolho fêmea, a propósito. Todos ficaram em
silêncio e Jeki ganhou desta vez.
Mas
essa falha não parou Njambe. Os dois irmãos mais velhos foram chamar Jeki em
sua cabana. Ngrijo não queria que ele fosse, mas, muito confiante de que Njambe
não poderia machuca-lo, ele foi. Njambe pediu para que Jeki lustrasse um baú
que seria vendido. Se vocês lembrarem bem, havia um baú com um leopardo, e
adivinha se não é esse o baú que Njambe pediu para ser lustrado! Jeki ergue o
amuleto Ngalo, pedindo por orientação, e ele lhe orientou a levar o baú até a
água e assim ele fez, seguido secretamente pelos irmãos que queriam ver a sua
morte.
Jeki
levou o baú até a água bater em sua cintura e depois o emergiu sentando em cima
dele. Em seguida, o abriu e encontrou o leopardo e filhotes afogados (não se
sabe como eles sobreviviam no baú). Depois, Jeki limpou o interior e levou o
baú até Njambe, que então pediu para que Jeki trouxesse o grande crocodilo que
vivia nas águas.
Jeki
pegou a sua canoa e seguiu viagem. Ele perguntaria ao amuleto Ngalo o que essa
missão significava, e ele confirmaria que é mais uma tentativa de mata-lo, mas
que ele poderia sobreviver se fosse educado. Jeki encontrou o enorme crocodilo
e disse que seu pai, Njambe, queria reunir um conselho e que precisava da
sabedoria do crocodilo. Ele concordou e seguiu Jeki de volta até a vila. Jeki,
junto com o amuleto Ngalo, cantou uma canção de poder de forma que as ondas que
batiam no crocodilo jogassem uma magia que o encantou e o trouxe para controle
de Jeki, que levou o crocodilo até o centro da vila. Não sem destruir algumas
casas e engolir cabras e esposas de Njambe.
“Pronto,
trouxe o crocodilo, pai. O que faremos agora?”, perguntou Jeki, possivelmente
com uma boa dose de cinismo.
“Leve
de volta!”, pediu/implorou Njambe. Jeki invocou uma onda que levantou e levou
embora o crocodilo, o segundo dos animais que Njambe trouxe para a ilha. Se
vocês lembram bem, o terceiro animal trazido à ilha foi um pássaro posto no
topo de uma altíssima palmeira.
Era
de se esperar que Njambe tivesse aprendido a lição e resolvesse não mexer com
Jeki. Pois é, não foi isso que aconteceu. Novamente, os irmãos o chamaram com
mais uma tarefa de Njambe. Ele pediu para que Jeki subisse a palmeira e
coletasse as frutas da palmeira. Dessa vez, Jeki sabia o que o esperava, no
topo estando Kambo, a ave que atacaria quem tentasse pegar as frutas. Mas,
novamente sabendo do perigo, Jeki aceitou o desafio.
Jeki
chamou os seus irmãos para coletar as frutas lá em cima. Disseram que o pai
deles tinha ordenado que Jeki fizesse sozinho e ele respondeu que ele ordenava
que os irmãos o ajudassem, mostrando o amuleto Ngalo. Ninguém ousou desafiá-lo.
O
mais velho dos irmãos foi primeiro. Quando estava chegando perto do topo, foi
atacado pela ave, caiu da palmeira e morreu.
“Esse
não sabia escalar”, vaticinou Jeki, enquanto jogava o corpo para trás da cabana
mais próxima. Em seguida, iria o segundo irmão mais velho, que também
terminaria na parte de trás da cabana mais próxima. Depois, iriam os irmãos que
bateram nele e depois aqueles cujas mães eram preferidas à Ngrijo.
Quando
todos os desafetos tentaram, foi a vez de Jeki ir. Ele jogou uma poção no
tronco da árvore e subiu, batendo o amuleto Ngalo na casca de vez em quando. E
o bater do amuleto incomodou a ave Kambo, que viu a aproximação de Jeki, mas
ficou preocupado. Chegando ao topo, pegou o machado e cortou as frutas, que
caíram na vila abaixo quase cobrindo algumas casas com as frutas.
“Vou
pegar o pássaro também”, disse Jeki, que subiu ao topo da palmeira. Mas, antes
de chegar, Kambo já tinha fugido. Porém, não estava longe, e Jeki pegou uma
vinha, um dos instrumentos mágicos recebidos em seu nascimento, e pegou Kambo,
que caiu no topo da palmeira. Jeki empurrou a ave para baixo e depois desceu.
Lá
embaixo, a ave estava coberta por óleo de palma e Jeki tacou fogo em Kambo, que
rapidamente virou cinzas. Jeki comeu parte das cinzas e guardou o resto em sua
bolsa de instrumentos mágicos. Então, apareceu Njambe, que viu a sua casa ser
coberta pelos frutos da palma, viu o corpo de seus filhos empilhado e viu o
último símbolo de seu poder consumido por sua cria e desfaleceu.
Jeki
então foi para a floresta, reuniu algumas ervas e preparou uma poção. Depois,
jogaria essa poção nos corpos dos seus irmãos e um a um eles foram restaurados.
Kambo também ressurgiria das partes que Jeki engolira.
Desde
então, agora sim, Njambe e seus filhos deixariam de tentar matar Jeki, mas não
perderiam oportunidades de menosprezar Jeki, apesar de seu manifesto poder. Uma
dessas oportunidades foi quando descobriram que ele não era o primeiro filho de
Ngrijo e que a primeira foi raptada por um chimpanzé.
O
próprio Jeki não sabia nada sobre isso. Perguntou à mãe, que não contou a
verdade e disse para que ele ignorasse as outras crianças. Insatisfeito, Jeki
foi até o pai, que contou o que aconteceu com a sua irmã mais velha. Jeki então
foi atrás de sua irmã, retornando para casa antes para coletar itens que
pudessem ajuda-lo em sua busca.
Guiado
pelo amuleto Ngalo, Jeki se infiltrou nas florestas, até chegar a um enorme
portão de metal que marcava a entrada para o reino dos bedimo, os chimpanzés
que levaram a sua irmã. Ele abriu o portão e entrou, encontrando nada além de
escuridão. Ngalo diz que humanos não podem enxergar os espíritos, apenas
cheirá-los, e o aconselha a se tornar invisível e se dar o cheiro dos
espíritos. Ele engoliu um pó para se tornar invisível e esfregou uma goma para
tomar o cheiro dos espíritos, e então entrou. Conforme caminhava pelo reino, os
espíritos o cumprimentavam como se fosse um deles.
Ngalo
o orientou pelo seu caminho e o levou até uma cabana, indicando que sua irmã
estava lá dentro. Porém, entrando, ele não viu uma garota, e sim uma dúzia de
belas garotas.
“Eu
vim atrás de minha irmã”, disse Jeki. “Leve-me”, responderam todas, com uma voz
musical.
Jeki
então soprou um chifre de antipole e abelhas voaram dele e se reuniram até uma
das garotas.
“Você
é a minha irmã” disse Jeki à garota cercada pelas abelhas. “Você quer voltar
comigo?”.
A
garota aceitou a oferta de Jeki, que deu a mesma goma para ela passar no corpo
e adquirir o cheiro dos espíritos. Os dois seguiram o caminho de volta e
chegaram ao portão de metal e depois de volta à vila.
Basicamente,
eram essas as histórias do livro African
Myths of Origin, havendo outras que por questão de tempo eu prefiro não
abordar.
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