sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Content Id e Mudanças no You Tube


Olá. Nesse vídeo, vou falar sobre o que está acontecendo com os direitos autorais e vídeos de jogos no YouTube. O objetivo desse vídeo não é defender o You Tube ou os You Tubers, defender as empresas de jogos ou as detentoras de direitos autorais ou seja lá quem for, e sim ajudar vocês a entender melhor o que está acontecendo porque tem circulado muitas informações erradas sobre esse assunto e espero que eu possa esclarecer algumas coisas para vocês.

Primeiras coisas primeiro
Antes de tudo, só uma nota sobre terminologia. Não vou usar o termo flag, porque é impreciso e a rigor se refere ao que chamamos de denunciar, e não ao que está acontecendo. Quando um vídeo é postado, várias coisas podem acontecer. Uma delas é ser denunciado por ter conteúdo sexual, violento, abuso infantil etc. indo no ícone da bandeira. Isso pode resultar em uma advertência (ou strike, em inglês) se for comprovada a validade da denúncia e o vídeo é excluído. Três advertências e o usuário é suspenso e todos os vídeos excluídos. As advertências expiram a cada seis meses.

Mas essa história toda não tem nada a ver com denúncias e advertências, e sim com reivindicação de direitos autorais via Content Id. Vou falar mais sobre isso em breve, mas o que deve ficar claro é que isso não penaliza a conta do usuário e não impede que a pessoa publique o vídeo, apenas impede que a pessoa monetize o vídeo e que ela receba parte das receitas de publicidade. O vídeo será monetizado, mas quem receberá a receita é quem reivindicou os direitos, e não o usuário. E isso deve ficar claro: se o vídeo é monetizado, alguém vai receber a receita de publicidade do vídeo junto com o Google, seja o usuário, seja uma reivindicante de direitos autorais. Dependendo do caso, o vídeo pode ficar bloqueado ou mesmo apenas ser monitorado, o detentor não fazendo nada contra o vídeo, mas podendo acompanhar o vídeo, inclusive tendo acesso às estatísticas. O canal Far From Subtle, que não faz parte de network, tem um vídeo muito bom explicando melhor sobre isso.

O que está acontecendo?
Diversos canais grandes estão relatando notificações de reinvindicações de direitos autorais. Isso é feito por meio de um mecanismo do Google chamado de Content Id, que vasculha os vídeos e identifica aqueles que usam material protegido com direitos autorais. Não sei como exatamente funciona, mas imagino que um produtor de conteúdo envie para o YouTube material que está protegido por direitos autorais e exige que o YouTube identifique vídeos que estejam usando esse material. O detentor dos direitos pode reivindicar o material e monetizá-lo, recebendo pelos anúncios vinculados ao invés de quem postou o vídeo, ou bloquear em alguns países. Não sei se o detentor dos direitos pode excluir o vídeo via Content Id, mas o que tem acontecido na grande maioria dos casos é monetização para o detentor do material reivindicado ou bloqueio, parcial ou total.

Esse sistema não é novo, existe faz algum tempo. Já aconteceu comigo várias vezes. A diferença é que o YouTube permitiu que o Content Id se aplicasse a canais que estão filiados a networks, e é por isso que vários YouTubers grandes estão relatando notificações em massa em seus vídeos. Essa é a principal mudança ocorrida agora. Não houve nenhuma mudança no critério de reivindicação de direitos autorais, isso apenas passou a valer para todo mundo. Outra mudança, para o começo do ano que vem, é que as networks terão que separar seus parceiros em canais “gerenciados” e “afiliados”, a própria network se responsabilizando por infrações de copyright dos primeiros, e os donos dos canais no segundo caso.

Agora, os canais “afiliados” passarão por um revisão antes da monetização. Que, aliás, acontece com quem não está em uma network. No meu caso, por exemplo, se eu coloco um vídeo para monetização, ele passa por um processo de revisão. Isso não acontecia com canais que estavam em uma network e agora vai acontecer, exceto pelos canais “gerenciados”.

Por que está acontecendo?
Muitas pessoas estão culpando o YouTube por essas mudanças. Tem muita coisa errada na execução dessas medidas, mas o que o Google está fazendo é simplesmente se protegendo. No Mundo Ideal do YouTube, teríamos bilhões de usuários, postando trilhões de vídeos, sobre todo tipo de assunto, para todo tipo de público e todos eles monetizados, uma parte da renda indo para eles, outra para os criadores de conteúdo. Porém, tem certos conteúdos que não podem ser postados por questões legais ou bom senso (pornografia, pedofilia, cenas reais de violência extrema etc.). E há certos conteúdos que não pode ser publicados porque há direitos autorais sobre eles, e é aí que começa a confusão.

O Google quer ganhar dinheiro, mas, antes de tudo, não quer perder. E o maior medo deles é receber processos. Além de multa, acordos ou indenizações resultantes desses processos, há vários custos legais, o processo pode se arrastar por meses ou anos e pode até ter consequências mais graves. Como se diz, de bumbum de nenê e cabeça de juiz, pode sair qualquer coisa! Então, em uma atitude normal de empresas e até de pessoas, eles falam “Opa! No meu não!!!” E processo por infração de direitos autorais, que já fecharam outras empresas, são um dos maiores receios deles. Essa mudança está sendo uma maneira de proteger os direitos autorais e evitar processos. E as empresas de jogos não são nem as mais interessadas nessa questão, e sim a indústria cinematográfica e, principalmente, a indústria de música, que não vai bem já faz alguns anos.

Alguns meses atrás, a network Fullscreen foi processada pela NMPA (National Music Publishers' Association). O processo não parece incluir o Google, mas nada impede que venha a sobrar para eles um dia, seja nesse caso, seja em outro, por isso que o Google decidiu fazer alguma coisa quanto a isso.

No sistema antigo, se alguém chegasse para processar o YouTube por quebra de direitos autorais e isso envolvesse canais afiliados a uma network que não passavam por Content Id e por revisão, o You Tube poderia ser co-responsabilizado pela violação de direitos. Agora, eles podem mostrar que tem processos para isso, que é o Content Id. Para os canais gerenciados, a responsabilidade é inteiramente da network e o YouTube não tem nada a ver com isso, se for para colocar o dedinho no de alguém, não será no deles.

Nada indica que as empresas de jogos estão ativamente procurando o YouTube para tomar medidas mais extremas. Muitas se manifestaram e disseram que não são eles que estão reivindicando os direitos autorais e, como vou mostrar agora, não são necessariamente eles que estão notificando vídeos, apesar de serem de jogos. Intencionalmente ou não, estão tentando se mostrar inocentes, o que é verdade em parte. Porém, no passado eles enviaram conteúdo para o Content Id para proteger os direitos autorais e, com as mudanças, isso passou a valer para mais gente. Eles podem até não ter feito nada nos últimos dias, no máximo enviando novos materiais, mas não foi isso que disparou a onda de notificações, e sim o fato de que o Content Id passou a vasculhas mais gente.

Que tipo de conteúdo está sendo alvo?
Vou falar agora sobre que tipo de material está sendo notificado. O Force Strategy Gaming fez um vídeo muito bom sobre isso mostrando o caso dele e daqui a pouco eu mostro o que aconteceu comigo. Para o caso de jogos, basicamente são três tipos de materiais que estão sendo alvo das reivindicações: Cutscenes, trailers e música. Os dois primeiros são responsabilidade das empresas de jogos, mas música não necessariamente. Pode acontecer de o jogo usar legitimamente uma música de alguém, mas essa música estar no Content Id e causar a notificação. Dai, é responsabilidade é de quem administra os direitos da música, não do jogo.

Há razões legítimas para que esse conteúdo seja alvo de direitos autorais. Tem canais, principalmente pequenos e obscuros, que postam apenas as cutscenes do jogo, trailers ou trilhas sonoras, inclusive de jogos. Tem vários problemas quanto a isso. Com música, está claro porque isso está errado: você está disponibilizando gratuitamente material alheio, que está sendo comercializado, sem ter direito para isso. Para cutscenes e trailers, o problema de postar e monetizar para você é que isso não envolve trabalho próprio. Para cutscenes, você só tem o trabalho de jogar e gravar as cenas, que são feitas pelos desenvolvedores. Para trailers, você só tem o trabalho de baixar e fazer o upload. É legítimo que as detentoras de direitos bloqueiem esse tipo de coisa.

Porém, ao fazerem isso, miram no que veem, acertam o que não veem. Quando você faz um Let’s Play com cutscenes, isso é notificado como uso de material protegido, mesmo que tenha os seus comentários. A mensagem que aparece é “uso de direitos visuais”. A empresa se protege de um uso que considera ilegítimo (postar apenas as cutscenes), mas isso afeta outros tipos de conteúdos, como Let’s Play e mesmo análises, se tiver cutscenes no vídeo. Quando você usa material do trailer para análises ou para divulgar uma notícia (lançamento de uma nova expansão do WoW, por exemplo), também pode ser notificado, mesmo que a intenção fosse evitar que alguém postasse o trailer bruto.

Para músicas, a questão é ainda mais complicada. Em alguns casos, a música que é reivindicada é a do próprio jogo, como no caso do Final Fantasy, por exemplo. Em outros, é uma música de um terceiro, que é usada no jogo após acordo entre os músicos e a desenvolvedora. Você pode ter todo o direito de fazer um Let’s Play desse jogo, mas a notificação pode vir de quem detém os direitos da música, intencionalmente ou não. Isso é feito para evitar que alguém pura e simplesmente poste as músicas no YouTube, mas acaba atingindo canais de jogos. Por exemplo, um vídeo meu de Bioshock foi notificado por conta de uma música de Billie Holliday. Os detentores dos direitos dessas músicas não estavam pensando especificamente em monetizar vídeos de Bioshock, e sim vários outros que possam ter essas músicas, mas acabou me afetando do mesmo jeito.

Pelo que eu entendi, não tem como o YouTube notificar vídeos por conta do gameplay através do Content Id. Ao que parece, o processo consiste em comparar o vídeo com material protegido por direitos autorais. Não tem como comparar o vídeo com gameplay com material protegido. Mesmo que a empresa mande um vídeo com gameplay para vasculhar via Content Id, se tiver diferenças entre esse vídeo e a gameplay de um YouTuber, não tem como notificar. Se no vídeo da produtora o personagem andar em linha reta e o YouTuber andar em zigue-zague, já deve ser um conteúdo visual diferente para o Content Id. Com cutscenes, que são as mesmas para todo mundo, isso não ocorre. Então, não sei se para vocês é boa ou má notícia, mas vídeos de Minecraft e de Call of Duty estão seguros, a não ser que a pessoa acrescente algum conteúdo, como uma música, por exemplo.

Meu caso
Vou mostrar agora o meu caso. São 105 notificações no total, nenhuma de vídeo antigo nos últimos dias. Ou seja, para mim sempre foi assim, sempre teve notificações de direitos autorais. Desses 105, 104 são de gravação de som e apenas 1 é visual na primeira parte de um projeto que ainda não começou a ir ao ar. Esse visual é uma cutscene, que faz parte do trailer, então não sei qual é o caso. Já fiz o upload da segunda parte e nada consta. Tem dois vídeos de Bioshock bloqueados, mas apenas na Alemanha, então, meus fãs alemães não poderão assistir esses dois vídeos, desculpem, mas tem outros 42. Tinha um vídeo de Bioshock que ficaria bloqueado no Brasil, mas dai eu editei e tirei a música que deu problema. Outro que seria bloqueado era o começo do Borderlands 1 por conta da música de abertura. Inclusive, tinha também uma reivindicação visual, mas, como eu coloquei uma anotação nessa parte, acabou tirando o flag.

Os jogos afetados são: Assassin’s Creed III (3 vídeos de 47), Bioshock (5 de 44), Borderlands (59 de 65, nem sei como não foi 65 de 65), Chrono Trigger (só o primeiro), Final Fantasy I (curiosamente, só os primeiros), Final Fantasy II (16 de 40), Final Fantasy IV (7 de 56) e Dragon Age Origins (5 de 43). Final Fantasy III, V e VI nenhuma.

Alguns casos especiais. Beat Hazard recebeu notificação, mesmo que eu tenha autorização dos autores das músicas. Ok, recebi autorização para usar, não necessariamente para monetizar, mas a questão é que isso não foi responsabilidade do músico. O nome que consta é CD Baby, que deve gerenciar os direitos da música e monetizou talvez sem o conhecimento do músico. Isso está acontecendo com certa frequência. Por exemplo, o Miracle of Sound, no Twitter, alegou que vídeos com suas músicas estão recebendo reivindicações sem que ele tenha pedido. Com o Gone Home aconteceu coisa parecida, o vídeo final recebendo notificação por conta da música de encerramento, que não é de propriedade da desenvolvedora. Eu evitei colocar as fitas no toca-fitas justamente para evitar notificações, mas na última parte não tinha jeito.

A minha política de reivindicação é a mesma do Google: no meu não! Monetização minha pode ocorrer no futuro, mas não é de modo algum prioridade neste canal e o conteúdo vem em primeiro lugar. Mas, acima de tudo, tenho que zelar pela sobrevivência do canal e tenho que endereçar da forma mais cautelosa possível qualquer coisa que ponha em risco o canal. Se eu recebo notificação, eu acato! Desde que seja legítima.

Daí que entra a única vez em que eu contestei uma notificação. Na maioria dos casos, há alguma legitimidade na reivindicação, seja porque vem da empresa do jogo, a Square Enix reivindicando direitos sobre as músicas de Final Fantasy, seja de modo indireto (caso do Trópico). Mas se aparece um Zé que não tem nada a ver com o jogo ou com as músicas, é caso claro de contestar. Foi o que aconteceu com o Journey. Um canal chamado kbshow reivindicou direitos sobre o meu vídeo. Procurei na internet e vi que outras pessoas tiveram esse mesmo problema. Dai eu contestei, alegando que os reclamantes não tinham direito sobre o jogo e ganhei. Como não encontrei nenhuma autorização expressa da empresa de que posso monetizar, continua não monetizado por ninguém.

Isso mostra uma fragilidade do Content Id que está sendo bastante explorada. O canal Far From Sublte relatou que teve vídeo reivindicado sem que a pessoa tivesse direito a isso. Relatou ainda que o trailer do Call of Duty foi reivindicado por um monte de gente, e não sei se a Activision está nesse grupo. Por isso, antes de acatar as reivindicações, é bom dar uma olhada em quem está fazendo isso. Quem está em network, pode pedir para que a network entre em contato com a detentora dos direitos do material reivindicado para ver se dá jeito e também entrar em contato com a produtora do jogo. Pode ser, por exemplo, que a detentora dos direitos da música aceite abrir mão nos casos em que a música aparece em jogo, e não isolada.

Casos anteriores
Vou falar de alguns casos recentes de copyright no YouTube, relacionados com Content Id ou não.

O primeiro foi o Shinning Force. Para que os seus resultados sobre o Shinning Force aparecessem com destaque, a Sega deu uma limpa nos vídeos de Shinning Force no YouTube, denunciando vários vídeos que foram removidos pelo YouTube. E isso inclua de tudo, até coisa que não tinha base legal, como pessoas jogando o jogo sem nem aparecer gameplay. Esse é ainda hoje o caso mais violento de forçamento de copyright e o Total Biscuit mantém até hoje um boicote sobre a Sega. Aliás, voltaremos a falar sobre o Total Buscuit em breve.

Outro caso foi o da Nintendo, que publicamente disse que iria fazer valer o copyright, utilizando o Content Id do YouTube. Isso repercutiu muito mal e a Nintendo voltou atrás. Vídeos de jogos da Nintendo voltaram a serem reivindicados nos últimos dias, mas isso é por conta dos direitos sobre gravações de som. Várias empresas, como a Ubisoft, estão ativamente ajudando os You Tubers a remover as reivindicações sobre os vídeos, mas não sei se a Nintendo também está fazendo isso.

Um caso mais recente foi o de vídeos de Persona. Porém, nem a detentora dos direitos do jogo nem a detentora de músicas que aparecem no jogo fizeram coisa alguma. Aconteceu algo parecido com o que aconteceu comigo no Journey, o canal de uma cantora reivindicou direitos sobre vídeos do Persona, sem ter nenhum direito a isso. Só que isso foi mais grave do que no Journey: esse canal usou denúncias, e não Content Id, e até fechou alguns canais atingidos. A atitude da Google sempre é de atirar primeiro e fazer perguntas depois, mas esse caso mostra que eles não têm o mínimo de bom senso na hora de fazer valer direitos autorais, o que mostra a fragilidade do sistema.

Por fim, o último caso antes desse incidente recente foi o do Total Biscuit e sua crítica ao jogo Day One: Garry’s Incident. Resumindo: o vídeo de análise dele foi derrubado por infração de direitos autorais, mas apenas o dele, de ninguém mais, tendo inclusive recebido expressa autorização para postar o vídeo. Aliás, a autorização era pública. Está bem claro que isso foi uma forma de censurar uma opinião negativa, já que o YouTuber fez críticas até pesadas, embora, totalmente dentro do lei. Ou seja, é o sistema de copyright a serviço de calar uma opinião desfavorável. Depois, a desenvolvedora voltou atrás e o vídeo voltou ao ar, mas não sem antes gerar ampla repercussão negativa e o jogo ainda está queimado com muita gente.

Esses quatro casos mostram algumas falhas do atual sistema. No caso do Shinning Force, mostra que o sistema pode ser usado para manipular as buscas de conteúdo. O caso do Persona mostra que o sistema permite notificações fraudulentas. E o do Garry’s Incident mostra que pode ser utilizado para censura.

No caso da Nintendo, a questão é outra. A Nintendo tem direito legítimo de proibir que monetizem em cima de sua propriedade intelectual. Agora, se deveria ou não fazer é outra questão. Alguns dizem que as produtoras deveriam permitir e até estimular a produção de conteúdo com os seus jogos, com algumas restrições, obviamente. Isso seria uma forma de propaganda gratuita que aumentaria as vendas do jogo. Por outro lado, dizem que colocar vídeos de Gameplay, em especial Let’s Plays do começo ao fim, pode desestimular as pessoas a comprar o jogo porque estraga a experiência. Isso é óbvio para música e filmes, mas como jogos são uma experiência totalmente diferente, não está tão claro que é assim para jogos. Quem está certo? Não sei. Não temos nenhuma comprovação para qualquer dos lados, apenas hipóteses. Até que testem essas hipóteses, não tem como afirmar nada. Baseado na minha experiência, o impacto de vídeos de jogos é positivo. Às vezes vejo pequenos trechos de vídeos para decidir se compro ou não e séries que eu acompanho partes maiores ou eu já tenho e já joguei ou não tenho nenhum interesse em comprar o jogo. Mas se isso vale para todo mundo, não sei.

Na verdade, esse é outro assunto. E, como espero já ter ficado claro, isso tem a ver com Content Id, não com companhias denunciando vídeos por violações de direitos autorais. Vendo alguns comentários por aí, percebi que tem muita gente latindo na árvore errada, como dizem em inglês. A questão aqui não é apenas a empresa de jogos autorizar a monetização de vídeo. Se houver material de terceiros que não seja a da empresa de jogo, não há o que eles possam fazer e você vai ter que pedir autorização para os detentores desse conteúdo. Ou então, pode evitar que esses conteúdos apareçam e ainda assim gravar gameplay do jogo. Já falo sobre isso.

E agora?
Muitos YouTubers estão declarando que esse é o fim do YouTube gamer, que podem parar de fazer conteúdo etc. Bom, na verdade, entendendo como funciona o Content Id, dá para driblar. É só identificar o problema. Se for música, corta as músicas que dão problema. Se sempre der problema com música, como no Borderlands, corte as músicas, ou desabilitando, ou colocando o volume em zero. Se for reivindicação visual, deve ser ou cutscene ou trailer. Corte do vídeo. Ou então, modifique as imagens, tentando uma mistura de face-cam com marca d’água e, em último caso, colocando uma anotação no vídeo para evitar a identificação do visual com material protegido, como acabei fazendo na primeira parte do Borderlands.

No meu caso, nada muda, até porque nada aconteceu de novo para mim, por enquanto. As únicas coisas que vão me impedir de postar um vídeo é bloqueio no Brasil ou denúncia e advertência. Conteúdos que eu ache que possam ter alto risco de serem removidos não irã ao ar, mas isso nunca foi uma questão até o momento. Se notificarem o vídeo, eu acato e sigo em frente. Se bloquearem, vou tentar dar um jeito, de uma das maneiras que eu acabei de falar. Se não for possível dar jeito algum, abandono o projeto e sigo para o próximo.

Leia também:
Bons vídeos sobre o assunto:

domingo, 17 de novembro de 2013

Magias Azuis de Final Fantasy V



Nas figuras abaixo, a lista das magias azuis do Final Fantasy V, mais ou menos na ordem em que podem ser encontradas, incluindo qual inimigo ensina a magia e onde encontra-lo. Os nomes são aqueles da versão PS1, que estou jogando no canal. Mais informações sobre o que cada magia faz, consultar Wikipédia do Final Fantasy.

Magias Azuis de Final Fantasy V

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Autismo e Síndrome de Asperger

Olá. Nesse vídeo eu vou falar sobre um tema que aparece no jogo To The Moon que eu joguei por completo no canal. Trata-se do autismo e da síndrome de Asperger. Em certa altura do jogo, a personagem River, esposa de Johnny, é diagnosticada como tendo um Transtorno Global do Desenvolvimento. Nunca é nomeado claramente qual é a sua condição, que eu chamei erroneamente de autismo ao longo do Vamos Jogar, mas que claramente está mais para Síndrome de Asperger.

Primeiramente, vou falar sobre esse tipo de transtorno e os distúrbios do espectro autista, como o autismo e a Síndrome de Asperger. As informações vêm de diversos artigos científicos da área, complementado pela Wikipédia, principalmente na parte inicial com a definição de Transtorno Global do Desenvolvimento.

Eu não trabalho com essa área nem nenhuma relacionada e nem tive contato próximo com ninguém com autismo ou Asperger, de forma que poderei cometer diversos erros e imprecisões ao longo desse vídeo. Alguns trechos eu reproduzi quase que literalmente o que estava escrito na fonte, mais por insegurança de mudar as palavras para algo mais próximo do que eu mesmo falaria do que preguiça. Entendam esse vídeo mais como uma busca por entender melhor um aspecto do jogo To The Moon do que efetivamente uma aula, já que não tenho credencial alguma para isso. E, de fato, essa minha pesquisa me ajudou a entender diversos acontecimentos e foi interessante constatar que algumas cenas do jogo parecem ter origem na realidade. Se quiserem, deixem nos comentários correções que julgarem pertinente e desculpem de antemão qualquer erro de minha parte.

Uma última ressalva é que não quero deixar parecer qualquer crítica ou menção negativa ao comportamento de autistas nas descrições que farei, é apenas o que a literatura sobre o assunto registra, assim como alguns termos como retardo mental.

Transtorno Global do Desenvolvimento
Transtorno global do desenvolvimento é um grupo de desordens neuropsicológicas marcado por déficits comportamentais e cognitivos. É uma categoria que engloba cinco transtornos caracterizados por atraso simultâneo no desenvolvimento de funções básicas, incluindo socialização e comunicação. Os transtornos globais do desenvolvimento são:
  • Autismo
  • Síndrome de Rett
  • Síndrome de Heller
  • Síndrome de Asperger
  • Autismo atípico
Há uma série de tipos de condições com diagnósticos parecidos, Autismo e Síndrome de Asperger se confundindo, mas havendo outras condições que se assemelham a autismo, mas sem satisfazer todos os requisitos. Pode haver retardo mental, mas também é capaz de a pessoa ter inteligência normal. Alguns tem alguns dos sintomas de autismo, mas são mais bem classificados como tendo Déficit de Atenção, Controle Motor e Percepção ou Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Nesse vídeo, vou falar sobre o chamado autismo clássico e a Síndrome de Asperger, que, pelo que se pode perceber, é o que a River tinha no jogo.

História
O termo autismo se origina do grego autos, que significa mesmo ou próprio. Originalmente, o termo era utilizado para descrever o pensamento egocêntrico de pessoas com esquizofrenia, mas hoje em dia é utilizado para classificar um tipo de desordem, embora pensamento egocêntrico seja característica de pessoas com autismo e alguns casos de esquizofrenia.

Casos claros de autismo foram diagnosticados já nos séculos XVIII e XIX, embora a classificação da desordem pudesse ser outra, como. por exemplo. psicose. Só em 1943 que o autismo seria classificado como uma desordem própria por Leo Kanner, que descreveu 11 crianças como tendo “distúrbios autistas de contato afetivo”. Um ano depois, Hans Asperger descreveu um grupo de pacientes como tendo psicopatia autista, a maioria delas com inteligência normal ou superior.

Autismo é considerado multifatorial nas suas causas e uma síndrome distinta sem fronteiras claras. Ou seja, o autismo é uma parte de um espectro de condições com características egocêntricas. Nas definições mais comuns, os pacientes que apresentam os sintomas detectados por Leo Kamer são considerados autistas, enquanto que um outro grupo de pacientes têm a Síndrome de Asperger. As duas condições são classificadas em conjunto como desordens de espectro autista, caracterizado principalmente por anormalidades generalizadas de interação social, de comunicação e por gama de interesses muito restrita e comportamento altamente repetitivo.

Autismo
As cinco características clínicas detectadas por Leo Kanner foram:
  • Falta de relações afetivas com as pessoas e uma certa indiferença com o outro
  • Comportamento repetitivo, sem adaptação ao ambiente
  • Fascínio por objetos inanimados, manifestado pela manipulação repetitiva dos mesmos
  • Ausência de linguagem ou falha em utilizar a linguagem para se comunicar, manifestado como interpretar tudo literalmente, utilizando frases estereotipadas, reversão de pronomes, ecolalia, confusão com metáforas e com relações parte-todo.
  • Memória excepcional.
Pessoas com Asperger não tem interesse incomum com objetos inanimados. No jogo, a River têm um interesse grande pelo ornitorrinco de pelúcia, o que ou foi um erro de roteiro, ou foi um caso raro de alguém com Asperger tendo esse comportamento ou isso se dá mais pelo enredo e da forma como o objeto foi conseguido (Johnny deu para ela). Ou ainda foi erro da minha pesquisa.

Outros pesquisadores incluiriam:
  • Déficit em comunicação social verbal e pragmática
  • Comportamento imitativo
  • Respostas estranhas a estímulos sensoriais
  • Movimentos corporais repetitivos
  • Maus comportamentos como petulância, agressão e auto-dano
Síndrome de Asperger
Nos trabalhos originais de Asperger, surgiram cinco características básicas:
  • Inépcia social
  • Consistência
  • Déficit em linguagem não-verbal (expressões faciais, olhar, gestos, sorrisos etc.)
  • Comportamento estereotipado (movimentos repetitivos).
  • Falta de humor, especialmente em referência a si mesmas.
Autistas têm déficit na linguagem não-verbal mais severos. Um exemplo desse déficit seria a ausência do uso social dos sorrisos, ou uso inapropriado. Ainda nesse tópico, a criança pode não reagir à voz das pessoas e pode ser difícil chamar a atenção de um autista.

As consequências eram que as crianças eram desajeitadas socialmente. Elas se prendem à família mais próxima e a tristeza com a separação da unidade familiar é fora do normal. O comportamento autista permanece ao longo dos anos, mesmo com o desenvolvimento da inteligência, e as dificuldades manifestadas na infância permanecem pelo resto da vida. Apesar da falta de humor, as crianças analisadas por Asperger tinham originalidade de pensamento e de linguagem e ocasionalmente faziam comentários espirituosos.

O diagnóstico de síndrome de Asperger envolve uma série de sintomas. Nessa parte, vou falar dos sintomas detectados por Christopher Gillberg, conforme o capítulo 18 do livro Principles of Medical Biology. Alguns poucos sintomas listados eu exclui, porque não parecem fazer sentido frente a outras fontes que pesquisei. O primeiro que eu vou mencionar é uma dificuldade severa com interação social (egocentrismo extremo) como manifestado em ao menos dois dos casos:
  •  Diminuta capacidade de interagir com pessoas mais velhas.
  • Falta de apreciação por sinais sociais
  • Comportamento social e emocionalmente inapropriado.
Pessoas com Asperger têm dificuldade em entender as preocupações dos outros. Socialmente, ou são passivas e realizam interações infrequentes ou elas são unilaterais e querem que a interação seja em seus termos e de acordo com os seus próprios interesses. Elas podem contar uma estória ou falar sobre um tema que goste em impressionantes detalhes e gostam da “audiência”. Podem entrar em debates, mas apenas para realizar seus próprios objetivos. Elas não parecem reunir informações e adaptar socialmente o seu comportamento à situação, ou seja, a pessoa com Asperger têm dficuldade em modificar seu comportamento social às demandas do ambiente, tornando difícil iniciar e manter relações sociais.

As crianças com Asperger demonstraram ser mais responsivas a demonstrações de carinho de pessoas próximas e a tentativas de aproximação de amizade do que autistas, mas as interações são de baixa qualidade. Crianças com síndromes autistas de forma geral têm dificuldades com amizades e acabam ficando isoladas, o que inclusive pode aumentar a chance de bullying.

Outro ponto é problemas com fala e linguagem, como manifestado em pelo menos três dos casos:
  • Linguagem expressiva superficialmente perfeita
  • Linguagem formal e pedante
  • Prosódia estranha, características vocais peculiares
  • Dificuldade em compreensão, incluindo interpretações errôneas de significados literais ou implícitos.
Um terceiro ponto é um interesse que absorve totalmente a atenção, como manifestado em ao menos um dos três casos:
  • Exclusão de outras atividades
  • Aderência repetitiva.
  • Mais rota do que significado.
Pacientes com Asperger apresentam alta frequência e longa duração de tópicos idiossincráticos de interesse, como os tiques de um relógio ou os detalhes precisos de um conto de fadas, que são aprendidos e repetidos de um modo preciso. Essa descrição é praticamente uma transcrição do que consta do artigo de McLaughlin-Cheng com base na literatura existente e é interessante os dois tópicos mencionados. No jogo, no consultório o Johnny mostra uma preocupação em desligar um relógio por causa do seu tique, que poderia incomodar a River. Além disso, mais no final da vida da River, ou seja, no começo do jogo, ela parece estar obcecada pelo conto “As Novas Roupas do Imperador”, os dois fatos condizentes com o que se constata em pessoas com Asperger.

Problemas com comunicação não verbal, como manifestado em ao menos um dos cinco casos:
  •  Limitado uso de gestos
  •  Linguagem (clumsy) corporal desajeitada.
  • Limitada expressão facial
  • Expressão inapropriada
  • Olhar duro
Imposição de rotinas e interesses, como manifestado em ao menos um dos casos:
  • Imposição a si mesma
  • Imposição nos outros
Por fim, há problemas no desenvolvimento na coordenação, ou seja, a pessoa é desajeitada, como documentado pelo pobre desempenho em exames de desenvolvimento neural. Pesquisas mais recentes parece que vão contra essa noção, mas essa foi uma característica detectada. Isso não parece ocorrer em autistas. É interessante que no começo da vida de River, no final do jogo, na parte da memória do Johnny que estava bloqueada, a River fala que não brincou no Acerte a marmota (Whac-A-Mole) porque ela é desajeitada. Até usa a mesma palavra que se usa na literatura: clumsy.

Acessoriamente, autistas podem ter limitações auditivas ou, em casos mais raros, visuais, o que acaba dificultando o diagnóstico, já que confunde-se o autismo com problemas vindos das dificuldades sensoriais.

Diagnóstico e incidência
O diagnóstico pode ser feito no começo da infância (3-5 anos), mas muitos pais deixam de procurar um médico para examinar a questão.

Os números mais recentes mostram que síndromes do espectro autista afetam por volta de 60 a cada 10 mil crianças, entre 10 e 30 a cada dez mil sendo diagnosticadas mais precisamente como autistas. Garotos são de três a quatro vezes mais afetados por esse tipo de síndrome. Segundo um estudo mais antigo, em autismo, retardo mental ocorre entre 65% a 90% dos casos, epilepsia entre 25% a 35%. Segundo o mesmo estudo, para Síndrome de Asperger, é raro haver casos conjuntos com retardo mental e epilepsia.

Autismo ocorre em todas as classes sociais, mas Síndrome de Asperger parece afetar mais as classes mais altas, talvez por sua associação com QI. Autismo é mais comum na primeiro geração de imigrantes, talvez por infecções intrauterinas.

Diferença entre Autismo e Síndrome de Asperger
Agora vou falar mais sobre as diferenças entre autismo e Síndrome de Asperger. Algumas dessas diferenças já foram mencionadas, mas vou reforçar o tema agora.

Coeficiente intelectual: Autistas costumam ter um coeficiente intelectual, medido pela Escala de Inteligência Wechsler, abaixo da média em aproximadamente 75% dos casos, enquanto que crianças com Asperger têm inteligência normal ou acima da média, principalmente para QI verbal. Para os dois casos, há um mau desempenho no teste de arranjo de imagem, onde as pessoas têm que colocar fotos em sequencia para “contar uma história”, indicando uma baixa capacidade de entender o outro. Em testes de compreensão, os dois grupos vão mal, mas aqueles com Asperger podem melhorar com o tempo, mas por aprenderem qual é a resposta certa ao invés de saberem a resposta certa. Em testes de block design, autistas costumam ir acima de sua média e mesmo acima da média geral, indicando elevada capacidade construtiva visual. Pessoas com Asperger podem não ir ainda melhor mais por limitações motoras do que intelectuais. Organização de objetos, como quebra-cabeças, pode ser um problema para quem tem Asperger por uma falha em ver o todo ao invés dos detalhes. Há a classificação de Autismo de Funcionamento Alto, onde não há deficiência intelectual em autistas.

Diagnóstico: Autismo geralmente se diagnostica em até três anos, enquanto que o comum para Asperger é cinco anos.

Linguagem: Há um atraso no aparecimento da linguagem para autistas, o que não acontece com Síndrome de Asperger.

Gramática e vocabulário: Limitado para autistas, acima da média para crianças com Asperger. Não há limitações ao aprendizado para crianças com Asperger, diferente do que ocorre com autistas.

Interação Social: Autistas não têm interesse em interações sociais, seja com os parentes, seja com amigos, enquanto que as pessoas com Asperger têm, mas sentem dificuldades. Pessoas com Asperger conseguem iniciar e manter uma conversa, mas com dificuldades.

Epilepsia: Ocorre em muitos casos para autistas (por volta de 35%), mas não para quem tem Asperger.

Interesses obsessivos: Alto para quem tem Asperger, nada do anormal para autistas.

Sentidos: Entre 10% e 20% dos autistas têm dificuldades moderadas ou severas em desenvolver a audição e a visão, o que não acontece com quem tem Asperger.

Convulsões: 25% das crianças com autismo apresentam convulsões, o que não ocorre nas crianças com Asperger.

Origem
A origem do autismo é principalmente genética, a hereditariedade, a proporção de incidência de síndromes autistas que se devem à genética, sendo superior a 90%. Há muita controvérsia nesse ponto e no próximo, se o autismo é hereditário, e eu não vou entrar em maiores detalhes por falta de entendimento no assunto.

Além da genética, há outras possíveis causas. Autismo pode ter origem em danos cerebrais, como nos casos de crianças que adquiriram herpes cerebral terem desenvolvido autismo. Há também o caso de autistas com tumores no cérebro ou anormalidades cerebrais. Há também a possibilidade de complicações na gestação, como impactos ou doenças, serem uma causa importante dessas condições.

É hereditário?
Um estudo juntou os resultados de diversas pesquisas sobre aspectos genéticos do autismo. A probabilidade de uma criança nascer com autismo ou outro transtorno global do desenvolvimento tendo um irmão ou irmã com a mesma condição era de 5% considerando todos os transtornos globais de desenvolvimento, maior do que a probabilidade de nascer com essas condições na população em geral. Para uma segunda geração, ou seja, uma pessoa nascer com uma síndrome autista tendo um tio com essas condições, a chance cai bastante, caindo mais para a terceira, ficando em um nível não muito distante da população em geral.

Esses dados, porém, estão um pouco enviesados já que muitas pessoas deixam de ter filhos quando têm uma criança com uma síndrome, com medo de que as próximas também venham a ter. Para levar isso em conta, basta considerar apenas as crianças nascidas após uma outra que tenha uma síndrome autista. Fazendo isso, a chance de recorrência é de 8,6%, 35,3% nos casos em que outras duas crianças nasceram com síndrome autista nasceram antes.

Estudos com gêmeos mostra um alto nível de concordância, ou seja, se um irmão tem uma síndrome, outro também tem, isso sendo maior para gêmeos idênticos. Isso mostra que a genética tem um impacto importante. Para gêmeos idênticos, a concordância não é perfeita, como seria mais ou menos de se esperar, indicando que o modo de transmissão seja não-Mendeliano. Não vou entrar em maiores detalhes sobre esse último ponto, não apenas por não ser relevante para os propósitos desse vídeo, como não é, mas principalmente porque não entendo muito de genética. Também há uma hipótese de que há uma incidência maior de síndromes autistas em gêmeos do que na população em geral, mas parece ser controversa e não vou entrar nessa discussão.

O importante é que o fato de Johnny e River não terem filhos pode ter a ver com o fato da síndrome de Asperger ser hereditária. Não sei se síndromes autistas afetam a fertilidade, mas acredito que não tenha nada a ver.

Tratamento
Não há um tratamento único para autismo. Recomenda-se a adoção de um plano educacional planejado para crianças com autismo ou Asperger. Essas crianças podem ter uma falta de iniciativa ou espontaneidade, então é necessário uma orientação estruturada por parte de educadores e pais, além de uma abordagem multidisciplinar no tratamento.

Crianças com síndromes autistas geralmente recebem educação especial de acordo com suas necessidades especiais. Cada criança precisará de um cuidado específico, já que as várias dificuldades que ocorrem em autistas afetam crianças específicas de maneiras diferentes. Essa educação especial requer um grande número de profissionais dedicados a poucas crianças, as tarefas devem ser altamente estruturadas e sem ambiguidade, além de serem significativas para a criança. É importante a participação dos pais como co-terapeutas. O foco é desenvolver habilidades sociais que a maioria das crianças já possui normalmente.

Não há evidências de que intervenções farmacológicas funcionem, mas remédios em combinação com intervenções psico-educacionais podem ser eficazes.

Pessoas com Asperger podem sentir dificuldades em alguns locais para encontrar ajuda especializada, já que Asperger não nem uma deficiência física, nem uma deficiência intelectual, e a maioria dos serviços foca nessas duas áreas. Além do mais, há uma falta de compreensão por profissionais não especializados sobre o autismo ou outras síndromes autistas.

Equoterapia
Em dado momento do jogo, não um de feliz memória para mim, há uma cena em que Johnny e River estão praticando equitação. Essa é uma forma de tratamento para síndromes autistas e também é eficaz em outras situações, como no tratamento de pessoas com pólio, paralisia cerebral, esclerose múltipla, danos cerebrais ou mesmo cegos e surdos.

O uso de cavalos para tratamento de problemas neurológicos data do século XVII e hoje faz parte de um grupo de terapias com o auxílio de animais e pode ser eficaz por envolver uma atividade multissensorial e que pode estimular o cérebro. O objetivo de usar equitação de forma terapêutica é melhorar a postura, equilíbrio e mobilidade enquanto desenvolve uma ligação entre o paciente e o cavalo. Também pode ajudar no aumento da confiança e na auto-estima.

O mundo se expande para além do consultório ou da sala de aula e a excitação do exercício pode estimular a criança a falar sobre a sua experiência. Pode ajudar pacientes com desordens motoras, cognitivas e sociais, como é o caso de pacientes com síndromes autistas.

Estudos com cachorros ao invés de cavalos mostraram que os pacientes que interagiram com os cachorros tiveram uma melhora em seu comportamento social e no uso da linguagem comparado com pacientes que estavam interagindo com objetos inanimados ou recebendo outro tipo de tratamento.

Em um artigo, os pesquisadores analisaram dois grupos de crianças, um que se submeteu à equoterapia e outro que não. Os resultados mostram uma significativa melhora na responsividade social e no uso dos sentidos na comparação com o grupo de controle, medidos por dois questionários, o Social Responsiveness Scale e o Sensory Profile. Mais especificamente, o tratamento ajudou a quebrar a rotina, um dos traços de pessoas com síndromes autistas sendo o comportamento repetitivo e a fixação em rotinas, e também ficaram menos distraídas.

Idade adulta
A maioria dos estudos sobre síndromes autistas foca em crianças, mas há alguns estudos sobre adultos. As dificuldades da infância permanecem na idade adulta, com, por exemplo, o desejo de interagir mais com as pessoas, mas havendo dificuldade em iniciar uma interação e interpretar gestos e tons de voz, resultando em um certo isolamento.

Um estudo realizou entrevistas aprofundadas com 11 pessoas com Asperger. Esse foi o artigo que eu li mais interessante sobre síndromes autistas. As dificuldades que essas pessoas sentem não são apenas inter-pessoais, mas internas também. Diversas pessoas relataram ter “conflitos internos”, “variações de humor”, incluindo depressão e sentem-se despidas de proteção que pessoas normais têm. Elas dizem que se esforçam muito para realizar as atividades cotidianas e cada dia é uma luta.

Na relação com outras pessoas, muitas adotam uma estratégia de manter firme controle sobre o seu comportamento e nunca se deixando relaxar quando está junto com outras pessoas. Algumas lidam com suas dificuldades com uma falsa representação de si mesma para os outros, uma estratégia que exige esforço, mas que é mais fácil do que ser elas mesmas. Isso aparece no jogo, com a personagem Isabelle dizendo que lida com as suas dificuldades representando um falso eu.

Na interação com outros, as pessoas relataram dificuldades em manter contato visual, saber quando se juntar ou concluir uma conversa e entender nuances sociais. Algumas pessoas relatam às vezes sentirem uma sobrecarga sensorial com barulhos, luzes e cheiros as sobrecarregando e ficando difícil focar a atenção.

Mas as pessoas não veem apenas aspectos negativos. Algumas relatam que sentem uma certa liberalização intelectual das restrições do “pensamento normal”, o famoso pensar fora da caixa. Pessoas com Asperger podem te habilidades mentais de memorização que “neuro típicos” (neuro-typicals, termo que acho que foi utilizado no jogo) não conseguem.

Qualidade de vida
Um estudo realizado no Japão procurou analisar a qualidade de vida de adultos com desordem do espectro autista, utilizando um questionário da Organização Mundial da Saúde, com foco nas perguntas relativas à saúde psicológica e às relações sociais. Esses questionários são preenchidos principalmente pelas próprias pessoas, de forma que essa é uma medida subjetiva e auto-relatada. Como é de se esperar, na comparação com pessoas sem desordens autistas, a qualidade de vida dessas pessoas é menor nos dois domínios. Mas o estudo mostra outras coisas interessantes.

Primeiro, a qualidade de vida não está correlacionada as dificuldades de executar tarefas cotidianas, de forma que têm menos a ver com questões objetivas. Os resultados mostram ainda que a qualidade de vida de homens com desordens autistas é maior, assim como para aqueles que tiveram o diagnóstico realizado mais cedo (antes de 4 anos) e que tiveram mais apoio da mãe. Diminuem a qualidade de vida a presença de outras condições psiquiátricas, como epilepsia, imagino (o texto não diz quais são as comorbidades psiquiátricas), ter um comportamento agressivo e ter tido dificuldades no desenvolvimento da linguagem falada.

Outro estudo, especificamente com autistas, detectou que a qualidade de vida está associada com o desempenho de atividades recreativas, incluindo equitação, o que dois terços dos pesquisados não faziam. Outro ponto é a baixa independência dessas pessoas, apenas 4,4% vivendo sozinhos, mas isso, novamente, especificamente para autistas.

Trabalho
Por conta da tendência de ter um QI baixo, crianças com autismo podem não desenvolver tantas habilidades úteis para o mercado de trabalho e podem até ter dificuldades em encontrar um trabalho, mas adultos com Asperger conseguem ter uma carreira, embora a interação social nunca seja normal. Porém, há relatos de trocas constantes de trabalho e períodos prolongados de desemprego para adultos com Asperger.

No estudo que realizou uma série de entrevistas com pessoas com Asperger, uma pessoa relatou dificuldades no ambiente de trabalho com instruções não claras. O que eu imagino é que as instruções eram claras o suficiente para pessoas normais, mas que pessoas com Asperger precisam de instruções mais claras e tarefas estruturadas. Dadas essas condições, e dependendo do tipo de trabalho, imagino que consigam realizar as tarefas muito bem.

O grande problema para pessoas com Asperger no trabalho é a dificuldade com interação social. Por isso, seria necessário que os colegas de trabalho, principalmente os chefes, entendam as particularidades de pessoas com Asperger e tentem criar condições para lidar melhor com essa situação e extrair o máximo do potencial profissional dessas pessoas. A situação empregatícia das pessoas com Aspeger pode piorar com o passar do tempo, já que elas podem ficar cada vez mais frustradas com as repetidas más experiências.

Mortalidade
A expectativa de vida de autistas é menor, por conta dos várias desordens médicas, epilepsia e acidentes. Para pessoas com Asperger, há uma grande incidência de suicídios ou tentativas.

Um artigo analisou uma base de dados e constatou que uma criança de 5 anos diagnosticada com autismo têm a expectativa de vida reduzida em 6 anos no caso de garotos e 12 anos para garotas. Será que a queda na expectativa de vida é tão grande assim? Esse estudo aparentemente junta tudo, autismo e Asperger, e, creio eu, a expectativa de vida de autistas seja mais prejudicada do que a dos que têm Asperger. Considerando apenas as pessoas sem problemas mentais e com mais de vinte anos, a causa número 1 era convulsões e a segunda problemas circulatórios. A River não tinha convulsões, aparentemente, logo, esses dados não ajudam a imaginar qual a causa de sua morte, coisa que o jogo não explicou.

O artigo anterior foi baseado em pesquisas nos Estados Unidos. Outro artigo analisou pacientes na Dinamarca. A mortalidade entre pessoas com alguma síndrome autista foi quase o dobro do esperado com base na população em geral, sendo muito maior para mulheres, quatro vezes mais do que o esperado. A mortalidade é maior para os 15 primeiros anos após o diagnóstico, até superior a entre 30 e 45 anos depois. Epilepsia voltou a ser uma causa de morte frequente. Outras causas comuns eram doenças infecciosas (meningite, pneumonia e apendicite) e também acidentes como sufocação e afogamento.

Relacionamentos
O último tópico será sobre como as síndromes autistas afetam os relacionamentos, já que o jogo é uma história de amor no final das contas. Pessoas com síndromes autistas têm interesse em casamento e relacionamentos, mas sentem dificuldade com falta de conhecimento e de experiência. E isso é consequência direta das dificuldades de interação social típicas das síndromes autistas.

Muitos estudos detectaram comportamento inapropriado, como a obsessão por uma pessoa e a perseguição dela, o famoso stalking, tocar pessoas estranhas, beijar e outras coisas que é melhor nem mencionar. Há uma certa obsessão por pessoas estranhas ou mesmo celebridades na comparação com se interessar por pessoas conhecidas.

A primeira característica que eu mencionei é a mais comum, com as pessoas com síndromes autistas insistindo em ter um relacionamento, mesmo com repetidas rejeições. As tentativas de iniciação de relacionamento são menos frequentes, mas a duração de interesse é até inconvenientemente maior. As estratégias de aproximação também são inadequadas.

Um modo de chamar a atenção de seu interesse amoroso que ocorre de maneira desproporcional para pessoas com síndromes autistas é o uso de demonstrações excessivas de afeto, dentre outras táticas mais anormais. Convidar para sair é uma maneira de se aproximar pouco frequente.

Isso tudo é resultado da falha em compreender o outro e de interpretar as reações da pessoa, e frequentemente as pessoas com síndrome autista acreditam que o interesse é mútuo e, quando se comportam de maneira indevida, acham que não estão fazendo nada de errado.

É mais difícil para homens com distúrbios autistas conseguirem uma parceira do que mulheres com ASD, já que, na maioria das sociedades, homens são responsáveis pela aproximação romântica.

Pessoas com distúrbios autistas definem o amor como “seu parceiro ajudando a fazer coisas por eles”, “tolerância”, “lealdade”, “seu parceiro dar espaço” e “alguém para guiar”, enquanto que pessoas sem distúrbios de desenvolvimento definem como “suporte”, “paixão”, “aceitação” e “afeto”. Essas diferenças de visões pode resultar na dificuldade de pessoas com síndromes autistas em terem um relacionamento.

Pessoas com síndromes autistas costumam ser atraídas por pessoas com grandes habilidades sociais e uma boa rede de amigos. Geralmente, pessoas normais que se envolvem com pessoas com síndromes autistas têm elevado coeficiente de inteligência emocional, não sei se era o caso do Johnny. Pode haver também uma preferência por pessoas mais velhas.

Homens com síndromes autistas preferem parceiras que ajudem a realizar as suas necessidades cognitivas, como a impressão de que ela faz com que as decisões se tornem mais fáceis, enquanto que mulheres preferem os que ajudem a realizar as suas necessidades sociais, como se vingar de um ex ou superar um antigo relacionamento, o que não é o caso da River. Não foi encontrada nenhuma influência no diagnóstico nas preferências. Seria interessante verificar o que um homem sem distúrbios procura em uma mulher com síndrome, caso do casal Johnny e River, mas nenhum resultado foi encontrado.

O estudo sobre qualidade de vida em adultos mostrou um baixíssimo número de adultos com síndromes autistas casados ou com um parceiro ou parceira, apenas 5,8%. Claro que a amostra pode não ser representativa da população em geral, mas mostra que há dificuldades de relacionamento afetivo. No artigo com as 11 entrevistas com autistas, 5 estão casados e quatro têm filhos. Obviamente que nenhum dos dois estudos é representativo da população total e eu não encontrei uma referência sobre a proporção de casados dentre os que têm síndromes autistas.

Bibliografia:
ALL, A., LOVING, G. Animals, Horseback Riding, and Implications for Rehabilitation Therapy. Journal of Rehabilitation. 1999

BASS, M., DUCHOWNY, C., LLABRE, M. The Effect of Therapeutic Horseback Riding on Social Functioning in Children with Autism. Journal of Autism and Developmental Disorders. Vol. 39. 2009

BILLSTEDT, E., GILLBERG, I., GILLBERG, C. Aspects of quality of life in adults diagnosed with autism in childhood. Autism. Vol. 15. Ed. 1. 2011

GILLBERG, C. Autism. In. Principles of Medical Biology. Elsevier. 2000.

GOLDSWORTHY, B. Relationships and Attraction among individuals with na autism spectrum disorder. Tese de Doutorado na Deakin University. 2010.

GRIFFITH, G., TOTSIKA, V., NASH, S., HASTINGS, R. 'I just don't fit anywhere': support experiences and future support needs of individuals with Asperger syndrome in middle adulthood. Autism.  Vol. 16. Ed. 5. 2011

HAQ, I., COUTEUR, A. Autism spectrum disorder. Medicine. Vol. 32. Ed. 8. 2004

KAMIO, Y., INADA, N., KOYAMA, T. A nationwide survey on quality of life and associated factors of adults with high-functioning autism spectrum disorders. Autism Vol. 17 2012

McLAUGHLIN-CHENG, E. Asperger Syndrome and autism. Focus on Autism and Other Developmental Disabilities. Vol. 13. Ed. 4. 1998

MOURIDEN, S., BRØNNUM-HANSEN, H., RICH, B., ISAGER, T. Mortality and causes of death in autism spectrum disorders. Autism. Vol. 12. Ed. 4. 2008

PROSSER, J., COUTEUR, A. Autism and the pervasive developmental disorders. Current Paediatrics. Vol.7. 1997

SHAVELLE, R., STRAUSS, D., PICKETT, J. Causes of Death on Autism. Journal of Autism and Developmental Disorders. Vol. 31. Ed. 6. 2001

STOKES, M., NEWTON, N., KAUR, A. Stalking, and Social and Romantic Functioning Among Adolescents and Adults with Autism Spectrum Disorder. Journal of Autism and Developmental Disorders. Vol. 37. 2007

SZATMARI, P., JONES, M., ZWAIGENBAUM, L., MacLEAN, J. Genetics of Autism: Overview and New Directions. Journal of Autism and Developmental Disorders. Vol. 28. Ed. 5. 1998

Autismo e Síndrome de Asperger


Apresentação

Sejam bem-vindos ao blog do canal RSU Game. Aqui, vou colocar em texto o roteiro de alguns vídeos, uma maneira diferente de aproveitar o conteúdo de alguns vídeos. Abaixo, a apresentação do canal.