quinta-feira, 2 de junho de 2016

Segunda Guerra Civil Romana




Essa é a história da Segunda Guerra Civil Romana, mas é impossível dissocia-la de sua personagem principal, Júlio César, uma das figuras históricas mais fascinantes, na minha opinião. Uma pessoa extremamente ambiciosa como Roma criava aos montes, César foi de um nada histórico até virtual rei de Roma em pouco mais de uma década e grande parte disso se deu durante o que também se convencionou chamar de Guerra Civil Cesariana, tema deste vídeo.

Desde que se tornou República, Roma passou por um grande período de expansão e a única ameaça que sofreu foi de Cartago, em especial quando comandada por Aníbal. Os romanos poderiam aproveitar tanto sucesso externo, mas, ao invés disso, ambicionavam ainda mais e essa ambição acabaria por colocar uns contra os outros. A República Romana possuía instrumentos para descentralizar o poder e evitar que um individuo ambicionasse restaurar a monarquia ou começar um império. O cargo de cônsul era exercido por duas pessoas e renovado a cada ano. Legiões eram criadas para conquistas militares e obviamente que possuíam um líder, mas havia mecanismos para evitar que esses líderes pudessem controlar as legiões a tal ponto que pudessem usá-las como se fossem o seu exército pessoal e sustentarem uma reinvindicação ao poder absoluto.

É um sistema que funcionava até que bem, não por outro motivo durou por vários séculos, mas sempre houve quem queria mudar as coisas para se tornar o soberano de Roma. Não só isso, o sistema acabava favorecendo os mais ricos nas eleições para cônsul ou pretor caindo em um círculo vicioso em que os mais ricos ficavam ainda mais ricos por conta dos cargos que assumiam. Os que ficavam de fora gostariam de entrar no clube dos ricos e influentes e utilizavam de diversas táticas. Podiam se endividar, esperando pagar os seus débitos com o sucesso de sua carreira política, ou defender ideias populistas, podendo até usar o sentimento contrário à desigualdade a seu favor. Tibério Graco, um dos tribunos da plebe, eleito pelo povo para defender os seus interesses, seria um dos primeiros a adotar essa tática e acabaria sendo linchado por senadores incomodados com as suas propostas. Seria sucedido por Caio Graco, seu irmão, que possuía ideias ainda mais radicais e que acabaria sendo assassinado também. Outros políticos seguiriam essa mesma estrada, com um pouco mais de moderação que lhes permitiu sobreviverem para desfrutar o sucesso político.

Isso era um desafio para o sistema político por bons e maus motivos. Nessa mesma época, Caio Mário seria eleito cinco vezes seguidas como cônsul. Ele realizaria importantes reformas na organização militar de Roma, profissionalizando o exército que até então era praticamente forças milicianas. Antes disso, servir ao exército era considerado como um dever para com a República, mas não uma carreira, e cada um servia como podia com os seus meios. Dessa forma, os ricos serviam na cavalaria, os com um pouco mais de recursos adquiriam equipamentos melhores e por aí vai. O problema é que as campanhas militares passaram a se prolongar e ficar mais de um ano longe de casa significaria a ruínas para um pequeno fazendeiro. As reformas de Caio Mário fariam com que o exército se profissionalizasse, o que teria uma série de impactos na política romana. O senado resistiria a essas reformas insistindo que servir fosse considerado um dever patriótico que não deveria ter uma recompensa formal. Viam que a profissionalização poderia fazer com que os soldados passassem a ser leais aos seus generais, que em troca prometiam parte dos saques e também propriedades nas terras ocupadas. Isso era extremamente perigoso para o sistema político, já corrompido pelo dinheiro e que agora poderia ruir de vez com a força militar.

Essa situação levaria a conflitos internos, como a Primeira Guerra Civil da República Romana, que envolveu uma disputa entre Caio Mário e Lúcio Cornélio Sula para ver quem enfrentaria a ameaça de Mitrídates VI, rei de Ponto. Sula sairia vencedor, o primeiro sinal mais sério de instabilidade da República que nunca mais voltaria a ser estável. Sula cumpriria diversos mandatos como ditador, eleito para comandar Roma durante um período emergencial com amplos poderes. Antes de abrir mãos desses poderes, tentaria restaurar os poderes do senado no governo de Roma e proibindo que outros fizessem o que ele fez, usar as suas forças militares para seu próprio proveito fora das províncias que estavam governando. Esse é o plano de fundo para a Guerra Civil Cesariana, que teria como figura principal o sobrinho de Caio Mário, Caio Júlio César.

Indo para mais perto da história que quero contar, vamos para o Primeiro Triunvirato. Essa não foi uma instituição formal, e sim um acordo de cavalheiros entre três importantes políticos romanos. Um deles era Cneu Pompeu, herdeiro de Cneu Pompeu Estrabão, que foi cônsul em 89 a.c. e era um político muito influente que acabaria morrendo na Guerra Social entre 91 e 88 a.c. No conflito entre Caio Mário e Sula, Pompeu se aliaria com Sula utilizando o exército pessoal herdado de seu pai. Cairia nas graças de Sula e galgaria na hierarquia, atuando em diversas campanhas militares, inclusive na Hispânia sem ter sido eleito para tal, o que era um precedente perigoso. Seria eleito cônsul em 70 a.c. sem nunca ter sido senador e não desmobilizaria o seu exército pessoal, desrespeitando a nunca respeitada constituição de Sula contra essa prática. Teria como companheiro o segundo membro do Triunvirato, Marco Licínio Crasso, que obteve fama na supressão da rebelião de Espártaco e na luta pela causa de Sula e também detentor de um exército pessoal.

Pelas reformas de Sula, um magistrado, ocupante de um alto cargo, permaneceria em Roma durante o seu mandado e depois cumpriria missão fora de Roma, os ex-cônsules assumindo como governadores de uma província. Pompeu receberia diversas missões e obteria um enorme renome por conta de seus feitos militares principalmente mais ao leste, onde pretendia implementar uma  ampla reforma administrativa. Muitos temiam que ele seguisse o caminho de Sula e voltasse para Roma objetivando o poder absoluto, mas talvez até para surpresa de muitos desmobilizaria o seu exército ao se encaminhar para Roma. Ele tinha dois objetivos na volta ao Senado, aprovar as reformas na Ásia e recompensar com terras os seus soldados. Apesar de ótimo no campo militar, Pompeu era um péssimo político e sofreria com a resistência de muitos, incluindo Crasso.

E é aqui que entra o personagem principal de nossa história, Júlio César. Em 60 a.c., César ambicionava o cargo de cônsul voltando de uma campanha da Hispânia, mas precisaria desmobilizar as suas forças, que nem eram tão numerosas assim e ele não tinha o cacife de Pompeu. Nesse ponto, aos 40 anos de idade, Júlio César era um ninguém historicamente, apesar de ter alguma fama em seu tempo, não apenas como político e militar, mas talvez principalmente fama nas mesas de jogo, bordéis e camas de mulheres e também, dizem, homens importantes de Roma. Para poder obter o cargo de cônsul, precisaria de ajuda e ele buscaria reconciliar Pompeu e Crasso e dessas tratativas surgiria o Primeiro Triunvirato. Por esse acordo, Pompeu e Crasso apoiariam a eleição de César como cônsul, César apoiaria as reinvindicações de Pompeu, Crasso pagaria as dívidas que César contraiu para financiar a sua carreira e estaria em boas relações com ambos.

César seria eleito cônsul em 59 a.c. e o Triunvirato teria um ano muito bom, com César ofuscando o outro cônsul, Marco Calpúrnio Bíbulo, Pompeu usando os seus veteranos de guerra como ameaça física aos outros senadores e Crasso usando a sua influência financeira, não apenas comprando votos, mas principalmente lembrando os senadores que eles lhes deviam dinheiro.

Ao fim de seu mandato, César teria que deixar Roma e partir em campanhas militares. Apesar de Crasso ter pago as suas dívidas, César precisaria de mais dinheiro para impulsionar a sua carreira e mais importante de tudo precisaria de grandes glórias militares para poder ficar no mesmo nível de seus companheiros de Triunvirato, por assim dizer. Teria esse sucesso nas Guerras Gálicas, quando, aos 42 anos, podemos dizer que ele deixou de ser um asterisco na história para se tornar uma figura importante apenas entre os fãs de história militar. Havia adquirido a riqueza e reputação militar que desejava, mas ainda não o poder absoluto

No tempo em que César ficou fora de Roma, a política na capital entrou em ebulição. Públio Clódio Pulcro, mais conhecido apenas como Clódio, era um tribuno da plebe que decidiu agir de maneira totalmente fora do convencional usando a força para avançar as suas causas populistas. Roma não tinha o equivalente a polícia e não havia forças militares dentro da capital, ou seja, ninguém para detê-lo. Pompeu se tornaria um alvo e responderia com o seu próprio encrenqueiro, Tito Ânio Papiano Milão. Clódio tinha o apoio de César e conseguiria expulsar o orador Cícero, que retornaria para Roma graças à intervenção de Pompeu, para desagrado de Crasso.

Em 56, os triúnviros se reuniriam para discutir a relação. Um novo acordo seria selado, segundo o qual Pompeu e Crasso se tornariam cônsules em 55 a.c. César teria o seu mandato na Gália estendido em cinco anos, Pompeu receberia províncias hispânicas e Crasso receberia a Síria, onde pretendia empreender uma guerra contra o Império Parta. Em 53 a.c., Crasso morreria na campanha contra o Império Parta, origem do termo “erro crasso”. As brigas internas em Roma continuariam até 52 a.c., quando Clódio seria morto, Milão exilado e Pompeu eleito cônsul para colocar ordem na anarquia.

Nessa época, César estava em uma situação delicada. Estava cheio de inimigos em Roma por conta de seu mandato anterior como cônsul, cargo que desejava obter para se proteger dos inimigos e depois seguir em uma nova campanha militar, talvez contra o Império Parta. Porém, não poderia se candidatar a cônsul estando fora de Roma e teria que se desfazer de suas legiões para voltar para Roma. Ao mesmo tempo, Pompeu passaria uma lei estipulando prazo mínimo de cinco anos entre um cargo magistrado e governo de província. Havia uma cláusula isentando César, que, porém, continuava se sentindo ameaçado quando Pompeu casou uma de suas filhas com um inimigo de César, Metelo Cipião. César tinha uma impressionante força militar na Gália, mas Pompeu também tinha o seu exército na Hispânia. Pompeu vinha se mostrando ambíguo com César, que então tinha que tomar uma decisão, confiar em Pompeu para protegê-lo de seus inimigos caso voltasse para Roma ou lutar. E então que começa a Guerra Civil Cesariana.

Inimigos Opostos
Uma característica especial da Guerra Civil Cesariana é que os exércitos opostos são idênticos. Nem sempre isso ocorre em Guerras Civis, podendo a facção oficial ter muitos mais recursos do que a facção rebelde, mas na Guerra Civil de César era legião contra legião. Dessa forma, equipamentos, treinamento, doutrina militar, organização, era tudo idêntico para os dois lados envolvidos. Eu não vou entrar nesses e outros detalhes e pretendo fazer um vídeo só sobre essas questões.

Uma diferença era a presença de tropas estrangeiras, César contado principalmente com forças gálicas e germânicas, enquanto que Pompeu tinha tropas espanholas, mas conforme a guerra ia avançando os dois lados buscavam reforços basicamente seja lá onde poderiam encontrar.

Sobre os comandantes, havia uma diferença bem significativa em termos físicos, apesar de apenas seis anos separarem Júlio César, com 51 anos em 49 a.c., e Pompeu, com 57 anos. Pompeu ainda era um homem bastante sadio e ativo para a idade e tinha um bom histórico militar, porém, desde o ano 62 que não havia atuado em uma campanha militar, tendo se dedicado à política. Para piorar, a sua facção tinha a presença de diversos senadores importantes, o que parece uma coisa boa, mas atuou como uma contestação de sua liderança. César, por outro lado, estava bastante ativo no campo militar, principalmente com a Campanha da Gália, e em momento algum teve a sua liderança contestada, apesar de também contar com o apoio de alguns senadores. Em termos de habilidade, não temos como saber qual é o mais hábil, porque toda a história foi contada por César, mas o resultado da guerra dá um indício de quem seria o melhor entre os dois.

Na Guerra Civil, César adotaria uma estratégia bastante agressiva baseada em ataques rápidos, comparáveis à Blitzkrieg da Alemanha Nazista na Segunda Guerra Mundial. As duas palavras-chave para César eram velocidade e surpresa e esse estilo lhe garantiria muitas vitórias contra inimigos em maior número, melhores posicionados e provisionados. César sabia como tornar caótico o campo de batalha para seus inimigos e depois se aproveitar disso agindo com extrema agressividade. Se tivesse encontrado alguém como Fábio Máximo, antigo comandante romano que tinha a melhor estratégia para enfrentar Aníbal, ou seja, alguém que lhe negasse o avanço e soubesse suportar perdas esperando que falhas logísticas e parcas provisões afundassem César, talvez a Guerra Civil tivesse sido muito mais curta. Fortuna, que tem o seu sentido de sorte, mas também de favorecimento dos deuses, era outra palavra-chave para César, que venceu tantas batalhas improváveis que muitos julgavam que ele realmente era o preferido das divindades.

César conseguia ainda manter uma união de objetivos com os seus aliados tendo um alvo claro e recompensando, ou prometendo recompensar, regiamente os seus seguidores em caso de vitória. Porém, a guerra era muito mais fácil de perder para César do que para Pompeu. Uma única derrota que o desmoralizasse ou, pior, o matasse seria o fim, enquanto que Pompeu poderia suportar uma série de derrotas e se manter lutando.

Pompeu, por sua vez, era mais conhecido por sua atenção aos detalhes. Pompeu não era um grande estrategista, mas seu inimigo também não era. César era muito mais movido pelas necessidades do momento do que seguidor de um grande plano para conseguir os seus objetivos. Pompeu era mais um microgerenciador, característica que poderia colocar em desvantagem em situações mais urgentes, como as que César gostava de provocar, mas poderia ser uma vantagem caso o inimigo lhe desse tempo para se preparar. Porém, uma maior cautela por parte de Pompeu também lhe traria desvantagens, em especial na Batalha de Dirráquio, vencida por ele por conta de sua atenção aos detalhes, mas que não redundaria em sua vitória na guerra por uma precaução excessiva de sua parte.

Se celeritas, improvisium e fortuna eram as palavras-chaves para César, para Pompeu era diligentia, ou diligência, cuidado. A primeira parte da Segunda Guerra Civil Romana seria o choque entre esses dois estilos totalmente diferentes.

Atravessando o Rubicão
Júlio César se tornaria famoso não apenas por seus feitos, mas também por suas frases, e a Guerra Civil Cesariana começaria logo após uma dessas frases. Não vou entrar em maiores detalhes sobre o contexto político, passei boa parte desse vídeo falando justamente disso. Mas, só para resumir, César tinha inimigos em Roma e tinha amigos, alguns comprados com o dinheiro arrecadado na Campanha da Gália, e era muito temido na capital. O Senado queria a sua volta para Roma após o fim do mandato como governador da Gália, que se recusavam a renovar. César era visto como um ditador em potencial e algo deveria ser feito. Porém, Pompeu também era um candidato a tirano, então, Roma passou por momentos de tensão no ano 49 a.c. conforme se aproximava o fim do mandato de César na Gália. A situação foi evoluindo até o ponto em que César decidiu marchar para Roma com as suas legiões, o que era considerado ilegal. A história conta que o rio Rubicão era o limiar que o separava da legalidade e da ilegalidade e que César teria hesitado a cruzar esse ponto, mas o faria mesmo assim, antes proferindo a frase Alea Jacta Est, tradicionalmente traduzida em português para “A sorte está lançada”, mas que poderia ser traduzido também como “o dado foi lançado”, com significado similar. (20)

César avançaria sobre a Itália tomando rapidamente algumas posições de pouca importância com as forças que tinha a disposição ao invés de esperar a chegada de suas legiões. O temor maior dos romanos era que as conquistas militares de César seriam regadas com o banho de sangue que já se tornou tradicional nas Guerras Civis, mas não teve nada disso. Ao contrário, César ainda se mostrava disposto a dialogar, mas essas conversas nunca evoluíram para um acordo de paz que, talvez a essa altura já fosse impossível.

Pompeu, responsável pela defesa de Roma, deixou a capital alegando que ela era impossível de ser defendida. Isso contribuiu para as incertezas sobre como se daria a guerra civil na República. O primeiro grande combate entre as forças de César e de Pompeu se daria em Corfínio, cidade defendida por Lúcio Domício Enobarbo. Vendo que Pompeu não viria ao seu auxílio, Enobarbo planejou fugir da cidade, mas seus homens veriam isso e acabariam fazendo um motim e se renderam a César. Novamente, César não realizou o massacre que todos temiam, explicando as suas intenções aos senadores presentes e deixando que partissem. Receberia ainda o apoio dos soldados sobreviventes da batalha para reforçar as suas fileiras. Há algumas comparações entre Júlio César e Aníbal da Segunda Guerra Púnica, César sendo visto até pelos seus contemporâneos como um bárbaro invadindo Roma. Mas o paralelo pode ir além, com César manobrando pelo lado político para tentar conseguir aliados para a sua causa. Se a estratégia não deu tão certo para Aníbal, para César funcionou muito bem e após Corfínio teria basicamente caminho livre, sendo aclamado em todas as cidades pelas quais passava, adorado como um Deus segundo o testemunho do orador Cícero, aliado de Pompeu e inimigo de César. Cícero ainda lamentaria que César estivesse sendo considerado um salvador de seus inimigos, enquanto Pompeu era visto como traidor de seus amigos.

Pompeu decidiria fugir da Itália e seguir para a Grécia. Estava em menor número na capital, a única legião a sua disposição tendo servido há pouco tempo com César, provavelmente mais leal ao seu antigo comandante do que a ele. Pompeu recuaria para a atual cidade de Brindisi, que usaria como porto para fugir da Itália. César o perseguiria e tentaria impedir a fuga de seu inimigo, mas não teria sucesso e sem ter meios de persegui-lo pelo mar.

Em pouco tempo, César dominaria a Península Itálica e voltaria para Roma, onde tentaria obter apoio político. Decidiria em seguida ir para a Espanha, enfrentar as legiões de Pompeu, para só depois enfrentar o seu maior rival. O plano de César, em suas próprias palavras, era primeiro destruir um exército sem líder, para depois liquidar com o líder sem um exército.

Campanha da Hispânia
O principal exército de Pompeu estava em Ilerda, moderna Lérida, sob o comando de Lúcio Afrânio e Marco Petreio, que dispunham de cinco legiões, 80 coortes de auxiliares espanhóis e 5000 unidades de cavalaria. César conseguiu reunir seis legiões e 3000 unidades de cavalaria, com duas legiões formadas por tropas auxiliares em outra parte da Espanha. Esses mesmos homens já haviam servido César na Guerra Gálica e foram reforçados por tropas gaulesas.

Suas forças já estavam desde abril de 49 em Ilerda, mas apenas em junho César chegaria e logo iria para o combate. Afrânio, porém, recusaria entrar em combate e recuaria. As forças de César cavariam trincheiras e esperaram por diversos dias por uma oportunidade para atacar o inimigo. Tentaria avançar, mas teria o seu ataque repelido.

Intensas chuvas provocariam a cheia do rio Sicoris, atual Segre, o que prejudicaria principalmente César e atrapalharia o fornecimento de suprimentos. Novamente, a guerra envolveria obras de engenharia e as forças de César construiriam barcos e pontes que permitiriam cruzar o Segre e vencer diversos combates isolados contra as forças pompeianas. Isso fez com que César ganhasse a simpatia das comunidades locais, o que facilitou a aquisição de suprimentos. César realizaria mais obras, criando canais que abaixassem o nível do rio e permitissem a passagem de cavalaria. Por outro lado, os pompeianos estavam com dificuldades em reunir alimentos e se veriam em inferioridade numérica cada vez maior conforme o inimigo recebia reforços.

Afrânio e Petreio veriam que não poderiam sustentar a posição e deixariam Ilerda na calada da noite. Batedores de César veriam a movimentação do inimigo e César logo se colocaria na perseguição. As obras realizadas favoreceriam a movimentação as tropas de César, que ainda descobririam um caminho para, após marcha forçada, tomar a dianteira do inimigo em fuga. Após cercar os pompeianos, César tinha a batalha nas mãos, mas não iria para o confronto, querendo minimizar o número de romanos mortos. Os dois lados combatentes acampariam próximos e acabou havendo contatos amistosos entre homens de lados opostos. Preocupado com a lealdade de seus homens, Afrânio e Petreio matavam os homens de César que conseguiam capturar, César, ao contrário, deixando que voltassem para seus acampamentos. Sem suprimentos e sem chance de vencer, os pompeianos acabariam se rendendo. César perdoaria os comandantes e receberia reforços do inimigo que acabou de derrotar.

Tendo cumprido o seu objetivo, acabar com a ameaça das legiões de Pompeu com baixas mínimas, César voltaria para a Itália para enfrentar um líder sem exército. (26)

Porém, a volta para a Itália não foi sem dificuldades. Teria problemas com Massília, atual Marselha, perderia um de seus aliados, Caio Escribônio Curião, em uma batalha na África contra um inimigo de César, Públio Ácio Varo, seu aliado, Marco Antônio, sofreria uma derrota em Ilírico e César ainda teria um desentendimento com a Légio IX a respeito de uma recompensa que César devia a eles por conta da Guerra Gálica. A prática comum de César era recompensar muito bem os seus aliados, mas ele não seria nada compreensivo com os amotinados e declarou que dizimaria a legião, o que significa matar um a cada dez, por isso o nome, mas mataria apenas os líderes da rebelião.

Voltaria para Roma no final de 49 e receberia o cargo de ditador. Não faria muito uso de seus poderes extraordinários e em 11 dias faria eleição para cônsul ganha por, adivinhem, ele próprio. César queria acabar de vez com Pompeu e logo se colocaria em ação. Tinha reunido doze legiões e mil unidades de cavalaria em Brundísio, atual Brindisi, mas não seria fácil chegar lá via mar. Arriscaria a travessia pelo Adriático e chegaria em Épiro sem oposição, já que o inimigo não esperava que César agisse no inverno, quando as condições eram bem mais adversas. Porém, não conseguiria chegar a Brundísio para reunir o exército.

O problema é que César estava isolado, tendo levado sete legiões e 500 cavalos, mas tendo do outro lado nove legiões com 7 mil unidades de cavalaria, com mais duas legiões vindas da Síria comandadas por Cipião e tudo isso abastecido com suprimentos cuidadosamente reunidos por Pompeu. César tinha bem menos suprimentos e nenhuma condição de se lançar para o ataque. Esperava chegar em Brundísio e tentaria nova viagem, mas o clima o impediria. Felizmente para ele, Marco Antônio, que comandava as forças em Brundísio, chegaria em abril de 48 e completaria o exército de César. (29)

César ainda tinha um problema com suprimentos e tentaria resolver isso com um ousado ataque à cidade de Dirráquio. Conseguiria se colocar entre a cidade e o exército de Pompeu, mas não conseguiria tomar Dirráquio. Ambos os lados construiriam defesas próximas de suas posições e a situação lembraria a da Batalha de Alésia, já comentada nesse canal, com César cercando uma cidade e também tendo que se proteger de uma força de alívio vinda do outro lado. Essa situação se estenderia e a falta de suprimentos pesaria. César tinha menos suprimentos, mas o exército de Pompeu tinha mais cavalos, que tinham a prioridade, mas eles também sofreriam. César ainda barraria o rio que fornecia água para o exército inimigo, cortando o seu suprimento. Os homens de Pompeu responderiam cavando poços, que foram insuficientes e forçou que eles mandassem de volta os cavalos.

Os dois lados continuariam a estender as suas fortificações mais para o sul e vários pequenos combates seriam travados. Dois chefes gauleses desertariam do exército de César e iriam para o lado de Pompeu. Reforçado não apenas por homens, mas com informações, os pompeianos atacariam uma parte inacabada das fortificações de César, ao mesmo tempo que o exército principal atacaria o centro enquanto que tropas leves tomariam uma rota marítima para tentar atacar o inimigo pelas costas. A ofensiva pompeiana obteve algum êxito inicial, mas seria repelida por César e Marco Antônio, que estavam presentes no acampamento durante esse estágio da batalha. César tentaria um forte contra-ataque, mas as coisas dariam terrivelmente errado para ele por conta de uma confusão feita por suas tropas. Nesse ponto, César sabia que poderia ter sido derrotado se apenas Pompeu, que também estava presente em Dirráquio, soubesse como vencê-lo. Nas palavras de César, o inimigo o teria derrotado se eles estivessem sendo liderados por um vencedor. Após esse incidente, César decidiria dar por encerrada a ofensiva e recuaria.

César então se dirigiria para a Tessália e no caminho não teria mais tanto apoio das comunidades pelas quais passava, o revés em Dirráquio fazendo com que muitos duvidassem de seu êxito. Em uma rara ocasião, César invadiria uma cidade neutra, Gomfoi, e permitia que seus homens saqueassem a cidade. Pompeu tinha diversas opções, inclusive retornar para Roma em alta, mas sabia que seria pressionado a derrotar César como já estava sendo. Pompeu estava vigiando de perto os movimentos de César e a sua tática era fazer com que ficasse privado de suprimentos até ser forçado a se render.

Na manhã do dia 9 de agosto de 48, César se preparava para mover o seu acampamento, quando notou que o exército de Pompeu estava fora de posição, avançado para além de suas proteções e ao nível do solo no rio Enipeu. Decidiria que agora era a sua chance de lançar uma ofensiva e ordenaria que seus homens se aprontassem. Então, se desenrolaria a decisiva Batalha de Farsalos, que seria vencida por Júlio César e seus homens muito mais experientes do que os soldados de Pompeu, tido como inapto general, se formos acreditar na história dos vencedores. Falei ou falarei em maiores detalhes sobre a Batalha de Farsalos em um vídeo sobre o tema. Como já era de praxe, César poupou a vida da maioria de seus inimigos, incluindo Marco Júnio Bruto, sim, Brutus. César perderia apenas 200 homens na batalha e o lado de Pompeu perderia muito mais, 24 mil prisioneiros e 15 mil mortos, sempre ressalvando que isso se trata de números fornecidos pelo próprio Júlio César, que literalmente escreveu a sua própria história. Porém, o próprio Pompeu viveria para lutar mais um dia e fugiria para o Egito.

Egito
César não gastou muito tempo comemorando o seu triunfo em Farsálo e logo se pôs em perseguição a Pompeu. As informações davam conta que ele havia fugido para o Egito, que também estava passando por uma guerra civil. O rei Ptolomeu XII havia deixado o trono para seu filho, Ptolomeu XIII, e sua filha, Cleópatra, sim, ela mesma, que por sinal eram casados, seguindo a tradição egípcia. Pompeu foi procurar refúgio no Egito, mas foi morto por ordens do rei Ptolomeu XII, que não queria se aliar a um perdedor.

O vencedor, César, chegaria no Egito e seria recebido pelo rei, que contaria o trágico destino de Pompeu. César teria lamentado a morte de seu antigo aliado, não se sabe se sinceramente ou apenas para se distanciar desse evento. César não odiava Pompeu, que tinha sido genro seu, inclusive, e não ficou tão feliz assim de receber a cabeça de Pompeu. Ptolomeu queria ganhar apoio de César, considerando que o Egito devia dinheiro para Roma, mas o tiro acabou saindo pela culatra.

César não tinha nada a ver com a guerra civil egípcia, mas já que ele estava lá, e já que a sua presença provocou certa comoção entre os egípcios e que Potino, primeiro-ministro, planejava assassiná-lo, César resolveu intervir. Já tinha visitado um dos lados e faltava o outro. E foi quando encontrou Cleópatra, provavelmente a mulher que se tornaria a mais poderosa da antiguidade. Reza a lenda que ela tinha se enrolado em um saco e entregue para César para logo desfazer esse disfarce. Cleópatra tinha sido expulsa do palácio e estava ansiosa por se encontrar com César para ver se conseguia o seu apoio para tomar o poder no Egito. Cleópatra era tida como extremamente bela, inteligente e fascinante. Ela falava entre cinco e nove línguas e curiosamente nenhuma delas era latim, meio como hoje você falar nove línguas e nenhuma delas ser o inglês. Por conta disso, conversava em grego com César e, futuramente, com Marco Antônio. Esse seria o começo de um dos romances mais famosos da história e me parece óbvio que Júlio César já havia escolhido qual lado apoiar. A quem interessar possa, só para encerrar essa seção Caras, consta que Cleópatra, então com 21 anos, 30 anos mais nova que César, era virgem.

César tentou conciliar os dois irmãos e convencê-los a compartilhar o poder, mas logo aliados de Ptolomeu, Potino e o general Aquilas, se colocaram contra César e tentaram assassiná-lo. César sobreviveu ao ataque, tomaria o palácio de Alexandria, mas se veria cercado por um grande número de inimigos e com acesso limitado à água. Os homens de Ptolomeu tentaram limitar a comunicação marítima de César, que usou fogo para atacar os navios inimigos e acabou incendiando a Grande Biblioteca de Alexandria. A batalha seguiria para o Farol de Alexandria, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, e após receber reforços de legiões compostas por homens de Pompeu, César acabou conseguindo vencer as forças ptolomaicas e resolveu a Guerra Civil Egípcia.

Enquanto isso, a guerra civil em Roma continuou, apesar da morte de Pompeu. Remanescentes de seu exército que permaneceram contra César se agruparam e continuaram a guerra civil. Mesmo após resolver seus assuntos no Egito, César ficou ainda mais dois meses por lá, vocês podem imaginar fazendo o quê. Essas férias, podemos chamar assim, incluiriam até um cruzeiro pelo Nilo na companhia da agora rainha do Egito. Cleópatra a parte, talvez César não soubesse o que fazer exatamente após derrotar Pompeu. Como mencionado, César não tinha uma grande estratégia para vencer a Guerra Civil e seus movimentos eram mais voltados para as necessidades do momento e por várias vezes ele parecia flutuar entre momentos de elevada agressividade com outros em que se deixava levar por outras motivações. O fato é que ainda teria que voltar à guerra por mais algum tempo.

Fim da Guerra Civil
Em maio ou junho de 47 a.c., César deixaria o Egito e voltaria a se preocupar com assuntos romanos. Farnáces do Ponto aproveitaria a confusão causada pela Guerra Civil Romana e recuperaria alguns territórios perdidos, comemorando de maneira brutal a sua vitória contra os romanos. Na Batalha de Zela, César teria dificuldades com as forças de Farnáces, mas, apesar de em menor número, acabaria vencendo a batalha, que seria a basicamente a única da campanha contra Farnáces. A guerra foi tão rápida que César cunharia mais uma famosa frase sobre ela: Veni, Vidi, Vici, vim, vi, venci. (39)

Enquanto isso, Metelo Cipião, Catão e outros inimigos de César tinham organizado um exército e se aliaram ao rei Juba da Numídia. César pretendia derrotá-los, mas primeiro retornou para Roma para encontrar a Legio X, a sua legião favorita, amutinada, desejando serem desmobilizados e receberem as recompensas prometidas. Em mais uma amostra de carisma, César concordou com tudo, mas já se dirigia aos legionários como cidadãos, quirites, e não como soldados. Isso fez com que eles que até agora há pouco estavam fazendo motim implorassem para que fossem aceitos novamente e, após isso, César partiria para a África.

Após desembarcar na África em 46 a.c, entraria em confronto com forças pompeianas e numídias, em um movimento descuidado, talvez por excesso de confiança, talvez por cansaço. Enfrentaria uma dura batalha contra o inimigo, tendo dificuldades especialmente com a cavalaria leve numídia, mas conseguiria recuar para receber reforços. No entanto, continuaria em menor número e com dificuldades em obter suprimentos. César cercaria a cidade de Tapsos, fortemente defendida pelos pompeianos e numídios. A batalha teve um começo atribulado e o avanço das forças cesarianas não começou na hora que o líder desejava, seja porque os trompeteiros se precipitaram, seja porque César teve um ataque epilético, mas no fim César venceria o inimigo de forma até rápida e logo se tornou um massacre com os veteranos de César aniquilando os inimigos que tentavam se render. Catão e Juba suicidirariam, enquanto que Cipião tentaria fugir pelo mar e acabaria naufragando. Tito Labieno fugiu para a Espanha para continuar a guerra junto com dois filhos de Pompeu, confusamente também chamados de Pompeu (Cneu Pompeu e Sexto Pompeu). Pompeu tinha se casado com a filha de César, Júlia, mas esses eram filhos de um casamento anterior.

César retornaria para Roma e não apenas seria reeleito cônsul, mas receberia um mandato de dez anos após tantas vitórias militares. Porém, a guerra civil ainda não tinha acabado e faltava o ato final contra as últimas forças constitucionalistas. A Hispânia estava sob controle de César, que tinha colocado Quinto Cássio Longino como governador, que se provou um desastre e colocou a província em rebelião. A propósito, esse Cássio não era o mesmo Cássio que posteriormente tomaria parte dos Idos de Março, e sim irmão ou primo, não se sabe ao certo. Seu sucessor, Caio Trebônio, não teria melhor sucesso e seria expulso pelos rebeldes. Cneu Pompeu chegaria na Hispânia e seria aclamado como líder da rebelião e logo receberia reforços de Labieno e Sexto Pompeu.

Em 45 a.c., César marcharia até a Hispânia cobrindo 1500 milhas em 27 dias com oito legiões e 8 mil unidades de cavalaria, contra treze legiões e auxiliares locais das forças constitucionalistas. Na Hispânia, César lutaria diversas pequenas batalhas e não teria o seu avanço barrado. Cneu Pompeu então se dirigiria para a cidade de Munda, situada em uma colina que daria a eles a vantagem de terreno elevado. César prepararia o avanço, mas notaria a vantagem inimiga e hesitaria. Avançaria para tentar induzir o movimento do inimigo, que não se moveu. Assim como havia ocorrido em Tapsos, os homens de César se precipitariam e iniciariam o combate, porém, em uma situação ainda mais desvantajosa. A maré da batalha estava sendo totalmente desfavorável para César e o moral dos seus homens começou a enfraquecer. César então perguntaria a seus homens se eles deixariam que seu general fosse derrotado por um bando de garotos, desmontaria, tiraria o seu elmo para que todos vissem quem ele era e foi ao combate, meio que dizendo aos seus homens que ele morreria junto com eles se assim tivesse que ser. Isso e o bom desempenho da veterana Legio X contribuíram para virar a batalha, que logo se tornaria um novo massacre. César tomaria as treze águias das legiões e os líderes pompeianos, incluindo Cneu e Lebiano, seriam mortos.

Idos de Março
A batalha de Munda marcaria o fim da guerra civil e César reinaria supremo em Roma. E ele usaria e abusaria desse poder supremo com uma série de decisões exóticas e auto-elogiadoras, como a construção do Forum Iulium e a autorização para usar a coroa de louros, nomearia antigos aliados de forma autoritária, implementaria reformas, algumas polêmicas, incluindo a reforma do calendário e por ai vai. Seria aclamado como rei por populares, mas negaria o título, não querendo ser rex, rei, e sim César, o que parece uma coisa humilde de primeira, mas me parece meio arrogante. Rei era até pouco para o que alguns pensavam que César era e como ele próprio se via, mais no patamar de deuses como Marte do que de reles mortais. Não apenas algumas coisas pareciam meros caprichos, mas mesmo ações mais sérias pareciam desconectadas com os reais problemas de Roma, para os quais César ou não estava ciente, ou não tinha uma solução. Talvez por isso o seu plano era voltar para a guerra, agora contra o Império Parta, já que guerra era o que ele fazia de melhor. Essa situação incomodou muitas pessoas, que temiam a volta de uma monarquia. Como eu mencionei, todo o sistema político romano objetivava a desconcentração de poder para evitar o surgimento de novos autocratas e o regicídio era uma prática comum para último caso.

Bom, chegara a hora de quebrar o vidro de emergência e ativar o regicídio. Um dos líderes era Bruto, ou Brutus, que era muito querido por César e não tinha nada pessoal contra o ditador, ao contrário dos outros conspiradores, como Caio Cássio Longino e Décimo Júnio Bruto Albino, sim, outro Bruto para confundir a história, e Caio Trebonio. César ainda não possuía um herdeiro legítimo, só tendo conseguido gerar legitimamente a sua filha Júlia, que também já havia falecido. Adotou seu sobrinho, Octávio, mas não se sabe se ele planejava que ele fosse o seu sucessor. O que se sabe é que Cleópatra foi para Roma, recebeu uma estátua em sua homenagem bem ao lado da estátua de Vênus, e havia o boato que César planejava passar uma lei para permitir que ele se casasse com Cleópatra.

César planejava partir de Roma em 18 de março de 44, logo, Bruto e outros 60 conspiradores precisariam agir rápido. No dia 15 de março, conhecido como Idos de Março, César iria para o Senado. Os conspiradores se aproximaram dele amigavelmente, mas quando César tentou se afastar seria cercado e esfaqueado diversas vezes. Em mais uma das lendas que envolve César, e em mais uma de suas famosas citações, César teria dito a Bruto: “Até tu, Brutus?”, como tradicionalmente traduzimos em português, e teria caído aos pés da estátua de Pompeu.

Os conspiradores esperavam que com a morte de César Roma poderia voltar à normalidade institucional, o problema é que ninguém mais se lembrava o que era normal após anos de guerra civil e ditadura. César tinha muitos apoiadores e apoio popular e uma nova guerra civil se seguiria. O filho adotivo de César, Otaviano, emergiria vitorioso e inauguraria na prática o Império Romano. Passaria a ser conhecido como César Augusto e seus sucessores como imperador também seriam chamados de César, título honorífico que também seria adotado na Alemanha (kaiser) e Rússia (czar) até o século XX. E isso completa o ciclo de um nada histórico aos 42 anos a um proto-ditador e título honorífico que perduraria por séculos.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Batalha de Nagashino



Em história militar, temos vários casos de obsessão por escrever seu nome na história superando os feitos de algum antecessor e, em muitos casos, seu próprio pai. Alguns têm sucesso nessa tarefa, como Alexandre, o Grande, que fez com que as proezas de seu pai fossem de certa forma diminuídas diante de sua própria grandeza. Porém, nem todos conseguem ter sucesso nessa tarefa e fracassam de maneira retumbante. Esse é o caso de Takeda Katsuyori, que queria entrar para a história tendo o mesmo sucesso que seu pai, Takeda Shingen, mas acabaria alçando outra figura à condição de lenda, Oda Nobunaga.

Politicamente, o Japão era governado por líderes militares chamados de shoguns, com a figura do imperador sendo meramente decorativa desde 1185. O cargo de shogun seria ocupado pela família Ashikaga por séculos até que em 1467 eclodiria a chamada Guerra de Onin, que resultaria na perda de poder do shogunato Ashikaga que fez com que os senhores feudais, os daimyôs, percebessem que poderiam usar da força para conquistar mais terras de daimyôs mais fracos sem que houvesse quem os impedissem. Sobre a Guerra de Onin, recomendo assistir o vídeo do canal do Felipe Aron que explica mais sobre isso.

Esses conflitos prosseguiriam por quase um século até que todo o Japão fosse dominado por alguns daimyôs, que se alternavam entre formar alianças e lutar entre si. O shogun também se tornaria uma figura praticamente decorativa, com pouco poder político ou militar, mas ainda cheio de poder simbólico. Pela convenção antiga, o shogun deveria ter linhagem com a família Minamoto, privilégio exclusivo dos Ashikaga. Então, para dominar o Japão, seria necessário dominar o cargo de shogun, mesmo sem assumi-lo.

Em 1560, um poderoso daimyô, Imagawa Yoshimoto, planejava marchar até Quioto, capital do Japão na época, para tornar o shogun a sua própria marionete. Porém, no caminho estava Oda Nobunaga, um daimyô menor, mas sem a disposição de simplesmente abrir caminho para Imagawa. Cheio de confiança, Imagawa marcharia até Owari, onde seria derrotado na Batalha de Okehazama por Oda Nobunaga apesar de ter uma vantagem numérica de 12 para 1. Essa vitória colocaria Nobunaga entre os grandes daimyôs e, juntando habilidade militar e localização estratégica, o tornou alvo preferido para alianças. Entre elas, surgiria um pacto com o daimyô da província de Mikawa, Tokugawa Ieyasu, que era um seguidor de Imagawa e que acabou se libertando dessa obrigação com o resultado da Batalha de Okehazama.

Pelos próximos quinze anos, Nobunaga trabalharia com batalhas, alianças, casamentos, intrigas políticas e construção de castelos para ampliar o seu poder até que em 1568 entraria em Osaka com o seu Ashikaga de estimação, Ashikaga Yoshiaki, que ele proclamou shogun. Apesar de agora deter o shogunato, Nobunaga dominaria apenas uma parte do Japão e possuía inimigos poderosos como os Mori ao oeste, Uesugi ao norte e os Takeda ao leste.

A maior ameaça e o oponente em Nagashino viria do clã Takeda. Os Takeda liderados por Takeda Shingen entre 1521 e 1573 poderiam tentar o mesmo que Imagawa e que foi conseguido por Oda Nobunaga, mas três coisas impediam: o isolamento em seu território nas montanhas, que fazia com que precisasse passar por estradas vigiadas pelos aliados de Oda, que eram os Tokugawa, e por fim os vários conflitos paralelos, principalmente contra os Uesugi no que ficaram conhecidas como Batalhas de Kawanakajima.

Em 1572, Takeda Shingen começaria uma ofensiva contra Quioto, tendo que passar pelos Tokugawa. Derrotaria o inimigo no castelo de Hamamatsu e enfrentaria Tokugawa Ieyasu nas planícies de Mikata-ga-hara, onde o inverno selaria o empate para esse ano. Mesmo assim, o resultado encorajaria Shingen a insistir nas ofensivas e sitiaria o castelo de Noda. Tudo levava a crer que o clã Tokugawa seria derrotado, quando a curiosidade faria uma das suas principais vítimas na história. O castelo de Noda possuía um grande estoque de sake, o vinho de arroz japonês, e os sitiados resolveram dar a mais digna finalidade a esse sake: beber e fazer uma festa. Melhor isso do que deixar que o inimigo fizesse o mesmo após tomar o castelo. O som da música dos shakuhachi chegaria nos sitiantes e Shingen se aproximaria para ouvir a música mais claramente. Seria então visto por um atirador e alvejado, vindo a morrer alguns dias depois.

Noda não cairia e Shingen seria sucedido por Takeda Katsuyori, que manteria a obstinação para invadir o território de Ieyasu e depois marchar para Quioto. Em 1575, seguiria para uma nova campanha indo uma rota diferente, prosseguindo diretamente para a capital do território dos Tokugawa, o castelo de Okazaki na província de Mikawa. Fez isso porque tinha a informação de que um traidor abriria os portões do castelo. Porém, o traidor seria encontrado e morto, deixando Katsuyori sem o seu principal trunfo e sem força suficiente para tomar Okazaki. Resolveria voltar, mas por outra rota seguindo o rio Toyokawa, protegida por três castelos. Tentaria tomar o castelo de Yoshida, porém não teria sucesso e voltaria para a região das montanhas. Seu caminho o levaria até um castelo chamado de Nagashino.

Comandantes Opostos
Takeda Katsuyori recebeu a ingrata tarefa de suceder uma lenda, seu pai, Takeda Shingen. Durante a expansão territorial empreendida por Shingen, os Takeda tomariam territórios nas províncias de Kai e Shinano e derrotaria o daimyô chamado Suwa Yorishige, que seria forçado a cometer suicídio após um acordo de paz humilhante. Ele tinha uma bela filha de 14 anos cuja mãe era a própria irmã de Shingen. Tomado por um fascínio que fez com que desconfiassem que a garota fosse uma raposa disfarçada de mulher, Shingen a tomaria como uma de suas esposas e dessa união nasceria Katsuyori.

Katsuyori se tornaria o filho favorito de Shingen, tanto que seria o seu sucessor. Era um hábil comandante treinado na tradição Takeda, uma escola que privilegiava o combate móvel e o uso de cavalaria. Mostraria o seu valor nas Batalhas de Kawanakajima e em Mikata-ga-hara, mas teria uma série de inimigos dentro do clã Takeda. Tinha aliados entre os idosos generais, mas muitos dos antigos servos de seu pai o viam com desconfiança. Para piorar, desconsideraria o conselho dos generais e avançaria contra Mikawa.

Do outro lado, temos Oda Nobunaga. Já na época da Batalha de Nagashino era considerado um dos grandes líderes samurais e havia um respeito mútuo entre ele e seus generais. Tinha grande arrojo, mas também sabia escutar conselhos, ao contrário de Katsuyori, uma lição aprendida quando um de seus comandantes cometeu suicídio quando teve seu conselho ignorado. Teria seu grande momento até então na Batalha de Okehazama, onde uma inteligente leitura da situação e uma rápida resposta às circunstâncias foram essenciais. Veria que o exército de Imagawa estava comemorando a queda de um de seus castelos e armaria um ataque surpresa, mostrando o seu cuidadoso planejamento aliado com rápida execução. Em adição a isso, veria que não poderia derrotar todos os seus inimigos sozinho e também buscaria alianças, o que foi fundamental para a vitória na Batalha de Anegawa.

Para complementar, Oda Nobunaga sabia ser cruel, massacrando dezenas de milhares de monges budistas do exército de camponeses Ikkô-ikki que se opuseram a ele. Ele deveria ter mais gratidão com esses monges, que o ensinaram a ser flexível durante a batalha e com quem aprendeu a usar armas de fogo, mas gratidão não passou por sua cabeça quando incendiou o templo no Monte Hiei. Por fim, estando basicamente no centro do Japão, estava sempre na vanguarda da tecnologia militar, contando com um bom relacionamento com os mercadores portugueses e tolerância com o cristianismo.

Tokugawa Ieyasu mostraria ao longo de sua carreira um comando arrojado nas linhas de frente aliado com paciência e diplomacia nos bastidores, que fariam com que tivesse sucesso nessa época e também décadas adiante. Graças a essas qualidades conseguiria o apoio de Nobunaga, que não estava em contato direto com o avanço de Katsuyori. Por fim, temos Okudaira Sadamasa, responsável pela defesa de Nagashino. Sadamasa era um aliado de Takeda Shingen e sua família era mantida refém pelos Takeda. Com a morte de Shingen, Sadamasa decidiu se juntar novamente aos Tokugawa e removeria tropas que protegiam o castelo de Tsukude para os Takeda, ao custo da vida de sua esposa e irmão mais novo. Sabendo que Sadamasa seria um inimigo amargo para os Takeda, Ieyasu o nomearia como guardião de Nagashino e poderia contar com um aliado obstinado para proteger essa posição.

Exércitos Opostos
Na Batalha de Nagashino, Takeda Katsuyori dispunha de 15 mil homens e enfrentaria inimigos em muito maior número, 30 mil sob o comando de Oda Nobunaga, 8 mil sob Tokugawa Ieyasu e mais 500 que estavam em Nagashino liderados por Okudaira Sadamasa.

Nobunaga empregaria 30% de seu exército na Batalha de Nagashino e teria a sua disposição 3.500 mosquetes, que se mostrariam úteis contra a forte cavalaria dos Takeda. Ieyasu utilizaria 64% do seu exército em Nagashino, mas podemos dizer que todas as suas forças estavam mobilizadas para enfrentar Katsuyori, já que o restante estava defendendo castelos contra a ameaça dos Takeda.

Não há muitos detalhes sobre a composição das forças de Nobunaga e Ieyasu, mas os cronistas de Katsuyori registraram em detalhes como era o seu exército em Nagashino. Não cabe aqui entrar em detalhes, mas a estimativa é que a principal força do exército eram os 4 mil samurais a cavalo, que eram acompanhados por dois soldados rasos cada, e mais três mil ashigarus, infantaria leve, por assim dizer. 47% do exército de Katsuyori estava mobilizado em Nagashino, o restante enfrentando Ieyasu e os Uesugi. Katsuyori contava apenas com 655 arcabuzes, o que seria uma desvantagem contra os 3.500 do inimigo.

Planos Opostos
Oda Nobunaga seria decisivo para os rumos da batalha, mas não se dedicaria muito a ela nos estágios iniciais e só teve maior interesse quando viu que isso envolvia salvar o seu aliado, Ieyasu. Viu também uma oportunidade de desferir um golpe fatal contra Katsuyori enfrentando apenas metade de seu exército.

A campanha começou em 30 de maio de 1575, quando Katsuyori sairia de seu território para tomar o castelo de Okazaki contando com o auxílio de um traidor. Tratava-se de Oga Yashiro, uma espécie de secretário de finanças de Ieyasu que decidiu se voltar contra o seu mestre. Seria descoberto e em seguida executado, não sem antes passar sete dias agonizando. Katsuyori desistiria de seu plano inicial e se dirigiria para atacar o castelo de Tsukude, o mesmo abandonado por Okudaira Sadamasa. Desistiria de tomar esse castelo também, julgando que o cerco seria arriscado, pois demoraria e o exporia a ataques pelas costas. Após abrir mão de dois alvos, não desejava sair de Mikawa sem obter nenhum ganho e iria atrás do último castelo do rio Toyokawa, Nagashino, defendida por Sadamasa. Além de atacar um desafeto, tomaria uma posição estratégica e coroaria a campanha de Mikawa.

Mas o começo da Batalha de Nagashino não se daria no próprio castelo, e sim no castelo de Yoshida, protegido por Sakai Tadatsugu e que contava como hóspede o próprio Tokugawa Ieyasu, repetição de uma situação que havia surgido na em Mikata-ga-hara que teria como vencedor, ao menos moral, Takeda Shingen. Mas Katsuyori não ficaria muito tempo sitiando Yoshida e se dirigiria para o que se tornou o alvo principal, Nagashino, que era uma posição naturalmente defensiva forte cercado pelos rios Takigawa e Onogawa que se juntam e formam o Toyokawa.

O plano de Katsuyori era tomar as elevações próximas de Nagashino e de lá lançar ataques contra o castelo. Passaria o primeiro dia da ofensiva posicionando as suas tropas e depois começaria quatro dias de ataques contra Nagashino. A guarnição que protegia o castelo estava em desvantagem de 1 para 30, mas lutou bravamente com arcos, lanças e mosquetes. Katsuyori tentou invadir o castelo por uma escarpa atravessando o rio. Parece que hoje em dia seria impossível atravessar o rio de jangada a essa época do ano, mas nem foi esse o problema do exército de Takeda, e sim a resistência dos defensores.

No quarto dia, Katsuyori utilizaria um ataque noturno que faria com que os defensores recuassem para as defesas mais interiores. Na mesma noite, começaria a trabalhar em uma torre de cerco, que seria construída com sucesso, mas logo derrubada pelo canhão que estava em Nagashino. Começaria então uma segunda fase de ataques, novamente com ataques noturnos em duas frentes. Katsuyori tentaria uma nova estratégia, cavar túneis, o que resultaria no desmoronamento de uma das paredes. Isso não teve nenhum impacto efetivo, mas o barulho afetaria psicologicamente os defensores, que estão lutando por vários dias seguidos sem descanso, enquanto que os sitiantes, em maior número, podiam se dar ao luxo de fazer um rodízio das tropas. Katsuyori avançaria ainda mais sobre as defesas do castelo, mas tendo falhado em atravessar o rio, cavar túneis e usar uma torre de cerco, passou a imaginar que a sua única possibilidade era um ataque frontal. Decidiria, no entanto, matar de fome os defensores, imaginando que eles teriam suprimentos para apenas mais alguns dias. Cercaria o castelo e bloquearia todas as saídas, inclusive pelos rios.

Os defensores continuariam revidando como podiam, usando os seus mosquetes para acertar quem ficava no alcance, causando algumas baixas durante os dias de relativa calmaria. Apesar de ainda estar em muito maior número, as forças de Katsuyori sofreram pesadas baixas. Mas, tirando isso, estava no controle da situação e só precisaria de tempo para forçar Nagashino a se render.

E então que temos uma história digna de anime ou de mangá. Os defensores precisavam alertar Ieyasu e Nobunaga da situação de Nagashino. Haviam enviado um emissário antes do bloqueio, mas não obtiveram resposta e sequer sabiam se ele tinha chego a Okazaki. Então, Torii Sune’emon se voluntariaria para a missão suicida de passar pelo bloqueio e ir até Okazaki alertar os aliados. Sairia do castelo e iria para o rio, que estava bloqueado por uma rede, que ele conseguiria cortar e atravessar o rio sem chamar a atenção. Faria um sinal luminoso para avisar que tinha conseguido fugir e se dirigiria para Okazaki, onde estavam ambos Ieyasu e Nobunaga, que ouviriam a sua história e a situação de Nagashino, prometendo enviar reforços.

Não contente com isso, Sune’emon faria o caminho de volta para Nagashino. Sinalizaria novamente para dizer as boas notícias, mas, ao invés de esperar o reforço, tentaria entrar no castelo. Passaria pelo rio, porém, dessa vez havia uma série de cordas com sinos no rio, que inevitavelmente alertaria para a sua presença e resultaria em sua captura. Katsuyori ouviria a sua história e até se admiraria com tamanha coragem. Ofereceria uma troca de lado que Sune’emon aceitaria. Suspeitando de sua sinceridade, Katsuyori enviaria seu suposto aliado de volta para Nagashino com a ordem de dizer que não havia esperança e que os defensores deveriam se render. Ao invés disso, gritaria avisando que ajuda estava a caminho e seria morto por isso. Mesmo assim, seria admirado pelos dois lados da batalha como um grande exemplo de bravura.

A Batalha
Katsuyori então teria que decidir sobre o que fazer, ficar e lutar ou fugir do exército de Nobunaga e Ieyasu. Recuar talvez fosse a opção mais sensata, mas Katsuyori sentia que a sua honra estava em risco e que ele não poderia mais uma vez fugir da batalha. Ele queria imitar os feitos de seu pai em Mikata-ga-hara e insistiria em lutar. Porém, Nagashino era Mikata-ga-hara às avessas, com Katsuyori em desvantagem numérica e inclinado a cair na armadilha indo para o confronto. Ieyasu, derrotado no passado, aprendeu a lição e não foi para a luta em Yoshida, mas Katsuyori estava disposto a se arriscar

Se esse era o plano, um de seus generais, Baba Nobuharu, sugeriu que a luta contra Nobunaga se desse de dentro do castelo. Essa sugestão seria rejeitada e Katsuyori preferira uma batalha em campo aberto. Talvez ele não soubesse, mas seus generais sabiam que esse era um plano suicida, mas seguiriam seu líder por lealdade a Takeda Shingen.

Como prometido a Torii Sune’emon, Nobunaga e Ieyasu sairiam de Okazaki para auxiliar Nagashino com 38 mil homens. Marchariam até Nagashino e em dois dias chegaram à planície de Shidahara, a seis quilômetros de distância do castelo, e esse seria o local escolhido por Katsuyori para lutar.

As forças de Nobunaga e Ieyasu se posicionariam de forma a ter o rio Toyokawa no flanco direito e montanhas no flanco esquerdo. A lógica por trás de todos os preparativos era o medo da cavalaria dos Takeda, ambos comandantes já tendo sofrido derrotas para ela, apesar de estarem sob o comando de Takeda Shingen anteriormente. Se posicionariam de forma a ter o pequeno rio Rengogawa entre as duas linhas, nenhum obstáculo formidável, mas suficiente para atrasar a cavalaria. Para auxiliar os seus mosquetes, construiriam paliçadas para oferecer alguma proteção. O flanco esquerdo era protegido contra um cercamento por meio das florestas e Nobunaga aceitou arriscar o flanco direito ao espalhar mais as suas unidades.

O arranjo de armas, lanceiros e paliçadas permitiu que Nobunaga tivesse controle sobre o impacto do ataque de Katsuyori em suas fileiras. Nobunaga conhecia as forças de seu inimigo e se prepararia de forma adequada. Sabia que tempo era essencial para essa batalha e usaria o rio Rengogawa como proteção natural para reduzir a velocidade da cavalaria inimiga. As paliçadas seriam mais um acréscimo para garantir segundos preciosos para que as armas de fogo fossem recarregadas. Outro fator importante seria a rígida disciplina, os seus melhores samurais comandando os ashigarus seguindo estritamente as suas ordens, o que não era exatamente o padrão das batalhas japonesas.

Katsuyori dividiria o seu exército para enfrentar os novos inimigos ao mesmo tempo em que mantinha o cerco a Nagashino. 12 mil iriam ao ataque divididos em quatro divisões e 3 mil seriam deixados para trás.  As divisões de ataque seriam dispostas no campo de batalha com três unidades à frente e uma quarta na retaguarda no apoio, formação que seria poeticamente conhecida asa da garça azul, kakuyoku.

Ao mesmo tempo em Katsuyori estava planejava para a batalha, Nobunaga fazia o mesmo de seu lado. E, em um momento digno novelas de samurai, Sakai Tadatsugu sugeriria um ataque noturno surpresa e seria duramente repreendido por Nobunaga, não apenas pela ideia, mas também por falar fora de sua vez. [A gente até consegue imaginar] Acontece que a ideia não era estúpida e Nobunaga teria uma reunião particular com Tadatsugu, contando que a sua reação era uma forma de despistar espiões e que o seu plano seria executado e ele lideraria a ofensiva. À meia-noite, Tadatsugu deixaria o quartel-general junto com 3 mil homens e atravessaria 8 quilômetros coberto pela noite e pela chuva, se posicionando a espera do amanhecer.

Na manhã seguinte, Katsuyori iria ao ataque. Sabia que o inimigo possuía um grande número de mosquetes, mas esperava que a chuva do dia anterior e o elevado número de cavalaria morro abaixo pudessem equilibrar a situação. O plano era aguentar a primeira salva de tiros, insuficiente para aniquilar a sua cavalaria, e depois atacar os indefesos ashigarus enquanto recarregavam as suas armas. Com o apoio da infantaria, havia uma boa chance de levar a melhor contra os inimigos, passar pelas paliçadas e botá-los para correr, até o ponto em que o Toyokawa cortasse a rota de fuga.

A hora da batalha chegou. A cavalaria avançaria contra as forças de Nobunaga, tendo o momento atrasado pelo rio Rengogawa. Nobunaga poderia ordenar que os primeiros tiros fossem disparados a uma distância maior ou que as forças avançassem contra o inimigo, mas deixaria que chegassem a 50 metros para iniciar a resposta. A primeira salva de tiros não assustaria Katsuyori, era parte do plano, mas o que ele não esperava era a velocidade com que viria a segunda salva, e depois a terceira. Os cavaleiros que sobreviveram ao ataque dos mosquetes teriam ainda que enfrentar os lanceiros, samurais, paliçadas e a confusão sobre a situação que claramente saia ao controle. A batalha não seria tão rápida quanto alguns relatos dizem e não seria decidida apenas pelas armas de fogo, mas esse foi definitivamente um fator decisivo para o exército Oda-Tokugawa.

Para piorar a situação para Katsuyori, vamos lembrar de Tadatsugu, que ao mesmo tempo em que o inimigo avançava armava um ataque na retaguarda. O exército dos Takeda estava totalmente alheio a Tadatsugu e garantiu uma vitória até que fácil. Os sitiantes de Nagashino viram a fumaça produzida pelos 500 mosquetes de Tadatsugu, mas não podiam fazer nada, pois não estavam em número suficiente e estavam posicionados muito longe para poderem ajudar. Aproveitando a situação, os sitiados de Nagashino foram para o ataque contra os sitiadores.

Em Shidarahara, a batalha prosseguia por horas a fio. A vantagem era toda do exército Oda-Tokugawa, mas os homens de Katsuyori continuariam a lutar. Teriam mais sucesso contra o flanco direito do exército inimigo, não protegido por paliçadas, mas teriam sérias dificuldades do mesmo modo que as outras divisões. Katsuyori utilizaria as suas últimas forças para uma última ofensiva, mas nem tropas frescas e de alta qualidade teriam grande impacto nos rumos da batalha.

Após oito horas de combate, Oda Nobunaga ordenaria o recuo de suas forças de volta para as paliçadas. Katsuyori aproveitaria essa ocasião para fugir de volta para o seu território e seria perseguido pelo exército Oda-Tokugawa O saldo final seria 10 mil baixas para o exército de Katsuyori, ou 67% do total, contra 6 mil mortos do lado Oda-Tokugawa, ou 16% do total.

Após a derrota em Nagashino, Katsuyori retornaria para o seu território e por lá ficaria e passaria os próximos sete anos em posição defensiva lutando desesperadoramente para sobreviver. Teria ainda como inimigo Ieyasu, mas por sorte Uesugi Kenshin morreria em 1578 e os Uesugi ficariam ocupados demais discutindo a sucessão para incomodá-lo. Kai e Shinano eram fáceis de proteger, de forma que conseguiria sobreviver ao assédio de Ieyasu. Mesmo assim, perderia territórios e sofreria com o abandono de seus aliados até que, entre derrotados e traidores, basicamente só sobrasse os seus familiares.

Com o seu exército definhando e abandonado por todos, em 1582 decidiria pôr fim a tudo, auxiliando no suicídio de sua esposa e depois cometendo hara-kiri junto com seu filho. Sua cabeça seria levada para Nobunaga, que não a receberia com alegria, e sim com lágrimas ao ver a cabeça de um inimigo, sim, mas também um grande comandante. E assim termina a história de Takeda Katsuyori, supostamente nascido de uma raposa disfarçada de uma bela mulher, herdeiro do lendário Takeda Shingen, mas que se mostraria indigno de sucedê-lo.