domingo, 26 de abril de 2015

Batalha do Grânico (334 a.c.)



 
O contexto histórico da batalha do Grânico envolve três povos, gregos, persas e macedônios, que entre o quinto e o terceiro séculos antes de Cristo lutaram entre si, os gregos, em especial, lutando entre eles próprios. Após várias guerras, emergiria o vencedor que poderia ser considerado o azarão dessa disputa, a Macedônia de Filipe II e de seu filho, provavelmente o único grande general invicto da história, Alexandre, o Grande.

No século 5 antes de Cristo, gregos e persas se enfrentaram nas chamadas Guerras Médicas, os persas sendo conhecidos como medos pelos gregos. Foram duas grandes guerras com batalhas bem famosas, como Maratona, Termópilas e Plateia, mas não cabe aqui descrever em maiores detalhes os motivos do conflito ou entrar em detalhes sobre seu andamento. O que importa é o resultado, os gregos conseguindo evitar a invasão persa. Com isso, os gregos podiam se dedicar ao que mais gostavam de fazer, que era matarem uns aos outros. Os gregos eram divididos em cidades-estados, ou polis, que entravam em guerra frequentemente, em especial Atenas e Esparta.

O Império Persa tentou se aproveitar dos conflitos internos dos gregos, mas não mais com intervenção militar direta, e sim com diplomacia e conflitos mais localizados. A Macedônia, por outro lado, começaria a se expandir no reinado de Filipe II. Não foi apenas através de guerras, mas também de casamentos. O normal na história das nações é que a diplomacia via casamentos seja feita através de casamento entre filhos dos soberanos ou das famílias importantes, mas no caso de Filipe II da Macedônia foi casamento dele com mulheres das tribos com as quais pretendia manter uma aliança. Filipe II teve várias esposas simultâneas, a mais famosa sendo Olímpia, que lhe daria o seu segundo filho homem, Alexandre, que futuramente seria Alexandre, o Grande.

O expansionismo macedônico não passaria despercebido pelos gregos e um conflito militar seria inevitável. A Macedônia seria a vencedora em 338 antes de Cristo após a Batalha da Queronéia, que contou com a participação de Alexandre, então com dezoito anos. Não seria uma anexação militar formal, mas uma aliança contra os persas, contra quem Filipe declararia guerra. O rei macedônio seria eleito o líder da Liga de Corinto para enfrentar os persas.

Filipe procuraria um novo casamento, dessa vez com uma macedônia, Cleópatra, que poderia gerar então um herdeiro totalmente macedônio. Alexandre e Olímpia ficariam contrariados e acabariam sendo exilados. No casamento de uma de suas filhas com o rei de Épiro, que também se chamava Alexandre, Filipe seria assassinado por um guarda-costas, Pausânias. Aqui vocês poderiam imaginar que Alexandre ou Olímpia podiam ter algo a ver com esse assassinato. Há muitas teorias da conspiração, modernas e antigas, sobre quem estaria envolvido no assassinato, e suspeitos é o que não falta, mas o fato é que Pausânias tinha seus motivos pessoais para assassinar o rei. O fato é que Alexandre subiu ao trono, matou possíveis rivais, buscou o apoio de pessoas importantes, acabaria brutalmente com rebeliões na Grécia e então voltaria os seus olhos para o Império Persa.

Comandantes Opostos
Alexandre não tem o apelido de “o Grande” a toa, mas como historiadores dizem, “Sem Filipe, sem Alexandre”. Não fosse a estrutura militar e econômica criada pelo seu pai, Alexandre não teria tido o sucesso que teve.

Como mencionado, Alexandre é filho de Filipe II com Olímpia do Epíro. Ele teve como professor ninguém menos do que Aristóteles e foi regente da Macedônia na ausência de Filipe, além de participar da batalha da Queroneia. Tomaria o trono nas circunstâncias descritas e herdaria a posição de líder da Liga de Corinto, indo para a guerra contra os persas em 335 antes de Cristo.

O segundo em comando de Alexandre era Parmênio, que ficou posicionado no flanco esquerdo assim como fazia antes sob o comando de Filipe e voltaria a fazer com Alexandre em outras batalhas. Serviu anteriormente em batalhas na Ásia Menor e ajudaria Alexandre a se livrar de seus rivais, sendo muito bem recompensado por isso. Apesar de já bastante veterano, seria de grande ajuda no campo de batalha, mas teria um fim vil ao ser acusado de conspirar contra o rei. Outro comandante importante era Clétio Negro, que salvou a vida de Alexandre na Batalha de Grânico, serviria bem ao exército em diversas campanhas, mas seria morto pelo próprio Alexandre em um infeliz incidente.

O Império Persa, como chamarei aqui, se estendia da Anatólia ao Vale Índico de oeste a leste e da Bátria (moderno Afeganistão) ao Nilo de norte a sul. O império era dividido em satrapias, governados por satrapas que gerenciavam os impostos coletados e cuidavam da administração e proteção das satrapias. O rei era Dario III, que não se envolveu na Batalha do Grânico e só comandaria as tropas a partir da Batalha de Issus. Os registros mostram quatorze comandantes na Batalha do Grânico, sendo cinco deles satrapas e outros sendo parte da nobreza. Os persas ainda contariam com forças mercenárias, como os irmãos Mennon e Mentor de Rodes, que tinham estreitas ligações com diversos satrapas, inclusive via casamentos.

Exércitos Opostos
Conforme mencionado, Filipe II foi de extrema importância para as campanhas de seu filho. Ele organizou e treinou o exército e restaria a Alexandre comandá-lo para a glória. A infantaria lutava na formação falange usando a sarissa, uma longa lança com entre 5 e 6 metros de comprimento, o dobro dos hoplitas gregos. Essa era uma arma difícil de manejar e requeria o uso das duas mãos, o que acabava por reduzir os equipamentos de defesa dos soldados macedônios. A falange de Filipe II consistia nas primeiras fileiras apontando as lanças para frente e as linhas de trás inclinando as lanças para cima para proteger a infantaria de ataques com projéteis. O uso dessa formação exigia muito treino e prática, obtidos nas batalhas sob o comando de Filipe II. Os soldados macedônios tinham que carregar os seus próprios equipamentos e rações e tinham um preparo físico que seria útil para campanhas de longas distâncias que requerem marchas duradouras e rápidas. No total, a infantaria de Alexandre contava com 12 mil homens em Grânico.

Alexandre aumentaria o número de cavaleiros para 3.300 e levaria 1.800 para a sua campanha persa, deixando 1500 na Macedônia para vigiar os seus aliados gregos. Mesmo antes de Alexandre, os macedônios já conseguiam coordenar o ataque da infantaria e da cavalaria. A cavalaria macedônia utilizava a lança xyston, mais curta do que a sarissa com entre 2,5 e 3,5 metros. Carregavam uma espada e também elmos e corseletes, mas não escudos. O grupo principal de cavalaria era conhecido como cavalaria companheira por serem compostos por nobres “companheiros do rei”. Outra unidade de cavalaria era a de lanceiros, um grupo menor, com mais ou menos 100 homens, e usavam a sarissa, embora provavelmente um pouco mais curta do que a utilizada pela infantaria. Alexandre ainda contaria com cavalaria tessaliana e grega.

Outra unidade importante do exército macedônio era a infantaria leve agriana, composta por 500 homens. O mais comum é que a infantaria leve com lanças de arremesso utilizem suas armas e depois recuem, mas na Batalha do Grânico essa unidade lutou junto com a cavalaria e deixou que os arqueiros cretenses fizessem o papel de ataque de longa distância.

No comando das tropas, Alexandre era o general inconteste, com Parmênio como seu segundo em comando. Havia uma cadeia de comando bem estabelecida e cada unidade tinha o seu comandante.

Falando agora sobre os persas, a especialidade deles era cavalaria, tanto em qualidade, quanto em quantidade, o que tornará o resultado da batalha ainda mais impressionante. Um ditado popular na Pérsia era de que dos cinco aos vinte anos os jovens só precisavam aprender três coisas: cavalgar, usar o arco e ser honesto. Quanto aos equipamentos, havia uma grande variedade, mas, em geral, utilizavam duas lanças (paltas), uma para arremesso e outra para esfaquear. A cavalaria persa era composta por 10 mil homens e foi a única unidade exclusivamente persa, não havendo infantaria persa na batalha do Grânico.

Caberia a mercenários assumir o papel de infantaria, na sua maioria gregos do Peloponeso, de colônias da Ásia Menor ou mesmo de polis aliadas, mas nem tanto, de Alexandre. Os comandantes dos mercenários eram os irmãos Memnon e Mentor de Rodes. A infantaria grega lutava em formação de falange, que eles próprios tinham inventado, que foram muito úteis em diversas ocasiões, mas que estavam diminuindo de eficácia com o uso coordenado de cavalaria e infantaria e o maior uso de ataques de longa distância. O número mais razoável de homens na infantaria do exército persa é 5 mil.

Na organização militar persa, havia uma descentralização na Batalha do Grânico. O rei Dário III não comandaria o exército pessoalmente e não elegeria um comandante único, e sim um conselho de sátrapas. As unidades eram divididas em um sistema decimal, em unidades de 100, 1.000 e 10.000 homens cada uma com seus comandantes. Não há consenso de quem era o que mais próximo chegava a ser o comandante e o autor do livro que eu uso de referência cita o sátrapa da Frígia Helespôntica, Arsites, que era responsável pela região onde se daria a batalha. Mesmo que ele tenha tido maior destaque, seria apenas um primus inter pares, primeiro entre iguais. Provavelmente, ele tinha a maior carga de responsabilidade, tanto que sobreviveria à batalha, mas logo depois suicidaria, indicando que tinha grande responsabilidade e culpabilidade pela defesa da região.

Planos Opostos
A ideia de invadir a Pérsia foi de Filipe II, mas não se sabe exatamente quando ele teria se decidido a fazer isso. Entre os gregos, essa era uma ideia antiga e muitos clamavam por uma campanha militar contra a Pérsia, plano que Filipe encamparia após Quironéia. Não houve um casus belli bem definido, mas Alexandre alegava que era uma vingança contra a dessacralização de templos efetuadas pelos persas nas Guerras Médicas, inclusive, queimaria Persépolis por esse motivo. De preocupação mais urgente, Alexandre desejava libertar polis gregas na Ásia Menor do domínio persa.

Do lado persa, o rei Dario III não se preocupou muito com a invasão macedônica e nem se importava muito com assuntos na Grécia, tendo um amplo império com vários outros assuntos mais importantes, como revoltas de satrápias e de províncias. Dario III deixaria que os sátrapas cuidassem dos macedônios. Memmon aconselharia a adoção de uma tática de terra arrasada, tendo em vista que os macedônios tinham uma infantaria numerosa, mas poucos suprimentos, mas Arsites da Frígia Helespôntica se opôs ao plano, assim como outros sátrapas. Desconhecendo a magnitude da ameaça de Alexandre, é compreensível que os persas não tenham recorrido a tal estratégia, porém, isso se mostraria um erro fatal no futuro.

Falando agora sobre a batalha, as fontes de informações são imprecisas, incompletas e divergem entre si. Isso se deve ao fato de terem sido escritas séculos após a batalha. Arriano de Nicomedia, autor de A História de Alexandre, é considerado a fonte mais confiável, pois utilizou-se de obras escritas na mesma época e até por participantes da própria Batalha do Grânico, obras que acabaram se perdendo.

Seja lá quando Filipe II se decidiu a invadir a Pérsia, o plano foi colocado em prática em 336 a.c. com a invasão de polis gregas na Ásia Menor. Isso criaria uma ponte para a Ásia Menor para uma futura invasão do Império Persa, que viria com Alexandre. Os macedônios passariam os próximos dois anos preparando o ataque, cruzando o Helesponto, atual Dardanelos na Turquia. Seria uma travessia gradual, mas que não teve a oposição naval dos persas, talvez porque estavam ocupados com outros assuntos.

Enquanto Parmênio cuidava da travessia, Alexandre iria para Tróia, na Turquia, e faria sacrifícios e prestaria as suas homenagens aos lendários heróis. Alexandre se via como um novo Aquiles, liderando os gregos contra seus inimigos externos. Não deve ter sido uma travessia fácil, efetuada em 160 triremes em uma época ainda com poucos avanços na tecnologia náutica. Estima-se que Alexandre tenha levado por volta de 40 mil homens de infantaria mais 5 mil de cavalaria, os números variando de acordo com a fonte.

Quando seu exército chegou na Pérsia, Alexandre deixaria Troia e se juntaria a seus homens. Procuraria um confronto o mais rápido possível com os persas para estabelecer de maneira forte as suas intenções para os persas, gregos e macedônios. Ao invés de se dirigir às polis da Ásia Menor, Alexandre se dirigiria para a capital da Frígia Helespôntica, Dascilio. A urgência da sua campanha, além do desejo de rapidamente estabelecer a sua reputação, era também a falta de suprimentos e ouro e a necessidade de rapidamente começar a saquear o inimigo.

Alexandre precisaria cruzar 60 milhas entre o local de desembarque, Arisbe, até o rio Grânico. Para isso, deixaria para trás homens da infantaria grega e mercenários, duvidando da lealdades desses homens e precisando marchar rapidamente. Isso reduziria a sua infantaria para 12 mil homens, mas todos veteranos de batalhas anteriores capazes de aguentar a marcha que os aguardavam. Quanto à cavalaria, levaria tudo, sabendo da força persa nessa arma.

Saindo de Arisbe, chegaria em Percote e no dia seguinte em Lampsacus. A rota de Lampsacus para o Grânico é incerta e não se sabe sequer onde exatamente ficam esses locais mencionados, exceto o próprio Grânico, que é o moderno Rio Biga na Turquia. O que se imagina é que o exército macedônico seguiu uma rota costal e evitou a região das montanhas. Ao chegar na cidade de Hermotus, mandaria uma força tomar a cidade costal de Priapus. De Hermotus, Alexandre poderia observar das colinas o rio Grânico e redondezas.

Os sátrapas não intervieram na marcha de Alexandre, mas não ficaram passivos. Enquanto os macedônios se movimentavam, os sátrapas da região criavam exércitos com recrutas locais e mercenários. A reunião das diversas forças das satrápias da região se deu primeiro em Dascilio e depois em Zeleia, onde os sátrapas fariam um concílio para discutir a estratégia de batalha, talvez nos dias que antecederam o confronto. Seria aqui que Memnon sugeriria a tática de terra arrasada, já tendo informações sobre a superioridade da infantaria macedônica e talvez até da escassez de suprimentos do exército de Alexandre. Essa ideia seria rejeitada pelos sátrapas, principalmente Arsistes, e colocaria em dúvida as intenções de Memnon. A própria necessidade de um concílio mostrou a falta de diretrizes superioras de Dario III e o comando fragmentado, que podem ser apontados como causas do fracasso persa em Grânico.

O rio Grânico foi escolhido pelos persas para ser o local da batalha, por ser a única posição defensável em uma planície sem outros pontos de defesa e ainda providenciava uma elevação que poderia beneficiar a cavalaria. Os relatos são de que Parmênio havia sugerido que Alexandre adiasse o ataque por conta da força da correnteza do rio, mas talvez essa história tenha sido exagerada para engrandecer os feitos de Alexandre. O fato é que o rio era um obstáculo, mas nada que impedisse o avanço macedônio.

Em maio de 334 antes de Cristo, começaria a Batalha do Rio Grânico. O exército de Alexandre marchava em formação com duas linhas de falanges, com os flancos protegidos pela cavalaria e com batedores à frente. Do flanco direito, onde estava Alexandre, até o flanco esquerdo, onde estava Parmênio, a formação macedônica se estendia por 2,5 milhas. Do lado persa, a cavalaria estava posicionada à frente da infantaria, perto do rio com a infantaria atrás em uma posição mais elevada. Muitos apontam esse posicionamento como um erro tático, mas além de essa formação ter funcionado em outras batalhas, inclusive contra os gregos, os persas precisavam aproveitar o fato de terem o dobro de cavalaria e compensar o fato de terem menos da metade da infantaria.

Obviamente, os dois exércitos se viram de uma longa distância. O relato é de que Parmênio tinha sugerido que Alexandre adiasse a ofensiva e a maioria dos relatos é de que Alexandre ignorou o conselho e seguiu para o ataque. Posicionados em lados opostos do rio, os dois exércitos se aproximaram. Alexandre usava um elmo vistoso com duas plumas brancas, que permitia que fosse notado de longe e atraísse a atenção dos comandantes persas. Era uma tática comum dos persas alvejar o comandante inimigo e talvez a ideia de colocar a cavalaria à frente se devesse a esse motivo.

Apesar de estarem prontos para batalha, os dois exércitos demoraram para entrar em confronto, com os persas esperando que os macedônios entrassem no rio para poderem lançar um contra-ataque. Os persas gravitavam perto da área onde Alexandre estava, em busca de uma oportunidade para matar o jovem rei.

Alexandre ordenaria que uma força de vanguarda liderada por Amyntas avançasse pelo rio. Seriam recebidos com arremessos de lanças e teriam que enfrentar a forte cavalaria persa, que avançaria contra o inimigo. Apesar de sofrer pesadas baixas, essa força de vanguarda não foi lançada tolamente adiante e a intenção de Alexandre se realizaria, a de forçar os persas a saírem de suas posições e atacarem. Ao fazer com que os persas quebrassem a ordem que tinham estabelecido e lançassem mais tropas adiante, Alexandre estava moldando o campo de batalha aos seus planos.

As trombetas soariam e a força de vanguarda receberia o auxílio do restante do exército de Alexandre, que seguiria para o rio Grânico procurando atravessá-lo. Os dois exércitos se encontraram no rio, o persa composto apenas por cavalaria, nessa etapa da batalha, e o macedônio com cavalaria e infantaria. Mas, apesar de estarem montados, a elevada densidade de combates fazia com que parecesse que era um confronto de infantaria, obviamente para desvantagem dos persas. A infantaria macedônia atacaria a cavalaria persa mirando na cabeça do cavalo e do cavaleiro, uma maneira mais eficiente de matar um dos dois, já que um golpe no peito do cavalo precisaria de muita força para mata-lo e provavelmente quebraria a lança antes disso.

Nessa etapa da batalha, teríamos um episódio chave e que definiria não apenas a batalha, mas principalmente a guerra. Alexandre lutava junto com os seus homens, se expondo a enormes riscos. O plano persa e, infelizmente para os persas, o único plano pelo que podemos perceber, era matar Alexandre o quanto antes. Para isso, diversos comandantes avançaram contra a sua posição. Os relatos que chegaram até nós são contraditórios entre si, mas em comum temos que Alexandre é atacado por um sátrapa e mata o seu agressor. Porém, é atingido no elmo, o mesmo que o tornava tão fácil de identificar e que agora lhe salvou a vida. Apesar disso, o golpe o desnorteou e baixou a sua guarda. Foi então que Clétio Negro apareceu e salvou o rei cortando o braço do sátrapa que se preparava para o golpe fatal em Alexandre. Todas as fontes relatam esse episódio e é improvável que os autores do relato inicial tenham mentido, primeiro porque poderiam passar por mentirosos, segundo porque não tinham razões para isso. Alguém poderia desconfiar que historiadores contemporâneos que participaram das campanhas de Alexandre pudessem inventar a história para engrandecer Alexandre, como se desconfia em diversos pontos, mas nessa história o herói foi Clétio, não Alexandre.

De todo modo, Alexandre se salvou e os persas perderam diversos de seus comandantes, o que fez com que o exército persa perdesse comando e moral. A infantaria avançaria pelo centro e provocaria a fuga da cavalaria persa por essa região. A vantagem era toda macedônica e os persas, que estavam com poucos comandantes, começaram a fugir da batalha após enfrentarem os macedônicos mais organizados, coesos e com seu comandante por perto. A parte central da linha persa seria a primeira a cair, com a cavalaria fugindo da batalha diante da pressão da numerosa infantaria. O flanco esquerdo, que enfrentava a Cavalaria Acompanhante liderada por Alexandre, seria a próxima a se desorganizar e o flanco direito eventualmente também acabaria fugindo da batalha.

Restava a infantaria do exército persa, provavelmente composta apenas por mercenários gregos. A infantaria persa estava posicionada atrás da cavalaria e em momento algum se juntou ao resto do exército, seja por decisão estratégica, seja por falta de decisão ou por medo. A infantaria via o que estava acontecendo com a cavalaria aliada e ficaria parada, mais estarem surpresos com o andamento da batalha do que por disciplina.

Alexandre ordenaria que a cavalaria não perseguisse a cavalaria persa em fuga e concentrasse em atacar a infantaria mercenária, procurando cercar pelos dois flancos enquanto que a infantaria macedônica seguia em direção ao inimigo pelo centro. Os mercenários gregos pediram para se render, o que era bom para ambos os lados. Os mercenários continuavam a ser uma formidável força, apesar de em muito menor número e sem esperança de vencerem a batalha. Seria bom para Alexandre poupar os seus homens de um confronto que já era sem sentido a essa altura. Porém, movido mais por raiva do que por razão, nas palavras de Plutarco, Alexandre ordenaria o ataque aos mercenários. Essa decisão não foi de todo impensada, se formos considerar que Alexandre se considerava o líder dos gregos contra os persas e que esses mercenários podiam, então, ser considerados traidores. Então, além de punir traidores, Alexandre mandaria uma mensagem bem forte para todos os gregos e para mercenários em geral sobre qual lado eles deveriam defender.

Não há muitos detalhes sobre essa batalha, exceto que os mercenários foram cercados. Eles provavelmente tentaram formar barreiras de lanças para frear o inimigo, mas estavam em desvantagem, com as sarissas macedônicas sendo mais longas do que as lanças gregas. A batalha foi feroz mesmo com toda a desvantagem dos mercenários e diz-se que Alexandre perdeu o seu cavalo no confronto, mas nunca houve dúvida sobre qual seria o resultado final. Mais da metade da força mercenária seria morta e por volta de 2 mil homens seriam tomados como escravos.

As baixas, considerando apenas mortos, foram relativamente poucas em ambos os lados. Por volta de 25 seriam mortos da Cavalaria Acompanhante, mais 60 de outras partes da cavalaria. A maior estimativa de baixas na infantaria macedônica é de 30, que pode parecer um número baixo, mas temos que considerar que a infantaria apenas enfrentou a infantaria mercenária, em excelente situação. Do lado persa, no máximo 2500 homens foram mortos na cavalaria, ou seja, no máximo 25%. Na infantaria, foram de 2 a 3 mil homens mortos, mais 2 mil capturados.

Ao final da batalha, Alexandre prestaria as suas homenagens aos mortos em batalha, inclusive inimigos, e em especial aqueles que faziam parte da Cavalaria Acompanhante, mandando que fossem erigidas estátuas de bronze a eles. 300 persas seriam mandados para Atenas para serem sacrificados em honra a Atena e para que Alexandre marcasse bem na Grécia, na Macedônia e na Pérsia a importância de sua vitória.

Esse seria o primeiro triunfo de Alexandre na Guerra da Pérsia, que levaria à vitória da Macedônia e a glorificação do jovem rei macedônico que seria marcado na história como Alexandre, o Grande.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Batalha de Sekigahara (1600)




A batalha de Sekigahara foi um conflito importante na história do Japão, marcando a transição entre o Período Sengoku (período dos estados beligerantes, em uma tradução livre) e o período Tokugawa (mais conhecido como período Edo). Então, antes de falar sobre a batalha, precisarei fazer uma breve introdução do contexto histórico.

A Era Sengoku foi marcada por guerras e disputas políticas pelo poder no Japão. O lendário Oda Nobunaga daria o primeiro passo para a unificação do país e seria sucedido por Toyotomi Hideyoshi. O período entre 1568 e 1600 seria conhecido como Azuchi–Momoyama em referência aos castelos de Nobunaga e Hideyoshi respectivamente e foi um período relativamente tranquilo da história do Japão.

Essa paz seria rompida justamente com a morte de Hideyoshi, ou, de forma mais ampla, durante os seus dois últimos anos de vida no leito de morte. Hideyoshi ocupava o cargo de kanpaku, uma espécie de primeiro-ministro civil e conselheiro chefe do imperador, mas na prática ele era o senhor do Japão. Em 1592, ele transferiu o seu cargo para seu filho adotivo, Hidetsugu, e adotaria o título de taikô, ou regente aposentado.

Em 1593, nasceria o filho de Hideyoshi, Hideyori, o que azedaria a relação de Hideyoshi e Hidetsugu, a ponto do kanpaku ser deposto e convidado a realizar o seppuku por conta de acusações de que tramaria contra Hideyoshi. Em 1598, adoeceria e, temendo pela vida de seu filho, convocaria seus vassalos mais poderosos e afluentes, entre eles Tokugawa Ieyasu, Maeda Toshiie, Uesugi Kagekatsu, Môri Terutomo e Ukita Hideie. Ele os fez prometer que apoiariam o seu filho (até então com cinco anos) como se fosse ele próprio. Toshiie e Ieyasu ficariam responsáveis pela criação de Hideyori. Dessa forma, um concílio de cinco regentes (tairôs) governaria o Japão até que Hideyori alcançasse a maioridade, os regentes devendo trabalhar com cinco comissários (bugyô) indicados por Hideyoshi para supervisionar os regentes.

Pouco tempo depois, Hideyoshi morreria. Ieyasu iria para o castelo Fushimi, uma das fortalezas favoritas de Hideyoshi, e era visto como um potencial usurpador. Ishida Mitsunari, um dos comissários, tramou contra Ieyasu ao visitar Maeda Toshiie e pedir seu apoio para enfraquecer a posição de Ieyasu. Hosokawa Tadaoki, amigo de Toshiie e Ieyasu, vi que essa situação iria beneficiar Mitsunari, uma vez que com Ieyasu descartado e tendo em conta que Toshiie não viveria muito mais e que seu filho era muito jovem, o caminho ficaria livre para Mitsunari assumir o poder. Com isso, convenceu Maeda Toshinaga, filho de Toshiie, a pedir ao pai que não se opusesse a Ieyasu.

Ieyasu continuaria sofrendo oposição dos regentes, mas não se curvaria a isso, sendo o daimyo mais poderoso da época. Mitsunari tentaria assassina-lo, mas o plano fracassaria e Mitsunari teria que fugir de Osaka disfarçado de mulher para não ser eliminado pelos generais de Ieyasu. O local de fuga é o mais inesperado de todos, o castelo de Fushimi, onde Ieyasu estava. Mitsunari foi até lá para pedir proteção e Ieyasu aceitaria. É um tanto controverso os motivos que levaram a essa decisão, mas vamos dizer que Ieyasu preferia um inimigo que já conhecia do que uma nova ameaça desconhecida. Ieyasu mandaria que Mitsunari retornasse para sua casa, o castelo de Sawayama, sob os olhos atentos de Tokugawa Hideyasu, seu filho.

Maeda Toshiie morreria em 1599. Hosokawa Tadaoki convenceria um dos filhos de Toshiie, Toshinaga, a ficar do lado de Ieyasu. A posição de guardião físico de Hideyori era de Toshiie e Ieyasu tomaria esse cargo para si e se mudaria para Osaka, o que enfureceria ainda mais os demais regentes e comissários. Enquanto estava em campanha contra um senhor revoltoso, Uesugi Kagekatsu, Mitsunari se juntaria com cinco comissários e três dos outros quatro regentes (a exceção sendo Toshinaga, que herdou o cargo de Toshiie) e enviaria uma reclamação formal contra Ieyasu. Todas as reclamações estavam corretas, mas Ieyasu não se importaria com isso e entenderia como uma declaração de guerra, e não se sabe ao certo se era essa a intenção de Mitsunari e os demais. (7)

Os daimyos se alinhariam com um dos lados, o de Mitsunari, que seria conhecido como o Exército Ocidental, e o dos Tokugawa, o Exército Oriental. Os dois lados tramariam os seus planos e a batalha decisiva seria travada em um estreito vale, Sekigahara.

Comandantes Opostos
No exército oriental, o principal comandante era Tokugawa Ieyasu, senhor da região de Kantô, moderna Tóquio e redondezas, era um descendente do poderoso clã Minamoto, que já não existia na época, mas cujas várias ramificações ainda eram poderosas no Japão. Ieyasu era o daimyô mais poderoso da época, com 2,5 milhões de koku, uma medida monetária, com 1 koku equivalendo à quantidade de arroz necessária para manter um homem por um ano. Seu rival mais próximo possuía menos da metade dele e tanta riqueza naturalmente se converteria em influência e poder, Ieyasu possuindo o maior, mais bem treinado e mais leal exército do Japão.

A posição de regente (ou tairô) era até pouco para tamanho prestígio. Ieyasu deixaria passar muitas oportunidades de tomar o poder no Japão desde a morte de Nobunaga. Poderia ter sido aquele que vingou a morte de Nobunaga, mas Hideyoshi chegou primeiro e essa seria uma oportunidade perdida. Ieyasu era paciente, no entanto, e aguardaria até a hora certa, que chegou com a morte de Hideyoshi. Ieyasu tinha 58 anos na época e tinha passado por mais ou menos 50 batalhas. Era também bastante ativo na diplomacia, realizando diversas alianças através de negociações e casamentos.

Lutando ao lado de Ieyasu, tínhamos Katô Kiyomasa, um valente general de 38 anos. Era um amigo próximo de Hideyoshi e foi um choque para muitos que ele tenha se alinhado com Ieyasu, e não com os legalistas. Sua posição era menos a favor de Ieyasu ou contra Hideyori e mais um fruto de seu ódio por Mitsunari, que sujou a honra de Kioyamasa na campanha Coréia em diversas ocasiões. Ele não participaria da batalha de Sekigahara, mas foi importante para conter levante dos legalistas.

Katô Yoshiaki, que também serviu na Coréia, também era vassalo de Hideyoshi, também odiava Mitsunari, mas não era parente de Kiyomasa, também se aliaria com Ieyasu. Ii Naomasa contribuiu com a campanha com 3.600 homens vestidos de forma assustadora com uma armadura vermelha, seus homens sendo conhecidos como os diabos vermelhos de Ii.

Já no exército ocidental, oposto a Ieyasu, Ishida Mitsunari era o comandante em chefe de fato do exército legalista. Ele era descendente dos Fujiwara, que chegaram a controlar o governo civil do império. No entanto, estava muito distante de ter a riqueza ou a influência de Ieyasu. Ele era um dos cinco comissários escolhidos por Hideyoshi e desempenhou bem a sua função. Mitsunari era leal a Hideyoshi e depois de sua morte a Hideyori. Muitos apontam que ele tinha a sua própria agenda, mas o fato é que ele atuou para assegurar o direito de Hideyori de governar. Não hesitava em tramar e usar de métodos escusos, tendo tentado assassinar Ieyasu em diversas ocasiões e tendo tomado reféns, o que resultou na morte brutal da esposa de um dos aliados de Ieyasu. Tomar reféns para negociar era dado como legítimo, mas matar os reféns, ou deixar que eles se matassem, tornou Mitsunari mal visto pelos outros senhores feudais e o fez perder apoio. Dito assim, parece que Mitsunari era um cara durão, mas a verdade é que ele ascenderia na hierarquia social não por suas proezas militares, laços familiares ou diplomacia, mas por ser muito bem versado na arte de servir chá. Não vamos entrar em detalhes sobre porque isso era tão importante, basta dizer que os militares apreciavam isso, Hideyoshi gostou de Mitsunari e o colou em seu círculo íntimo.

O feudo pessoal de Mitsunari era a província de Ômi, em Honshu, e seu castelo ficava em Sawayama, com várias estradas passando pelo coração da região de Honshu e que teria um grande papel no conflito. Mitsunari não era visto como um grande guerreiro, pelo contrário, Kioyamasa o considerando um civil se metendo em assuntos militares. Ele podia comandar um exército, mas sem grande destreza, e o próprio Hideyoshi o colocou em posições administrações, não no comando de exércitos. Porém, era exatamente o que faria na campanha de Sekigahara.

Môri Terumoto era o comandante em chefe nominal dos legalistas no exército ocidental, apesar de ter muito mais berço, dinheiro e influência do que Mitsunari. Terumoto tinha que tomar muito cuidado com a decisão de quem apoiaria, mas seria convencido por um de seus principais conselheiros a apoiar a causa de Hideyori. Quando ingressou na aliança anti-Tokugawa, atraiu o apoio de muitos outros, que pediriam para que Mitsunari abrisse mão do poder em prol de Terumoto. Acabaria aceitando, mas no fim das contas era Mitsunari quem era o verdadeiro comandante. Terumoto ficaria no castelo de Osaka, o quartel-general da facção Toyotomi, o que o tornava o comandante nominal, mas o deixava longe demais da batalha para ser o comandante de verdade.

Para Terumoto, não era tão ruim assim, uma vez que ele corria menos risco de morte, tanto física quanto política, podendo se beneficiar no caso de vitória e não perder tudo no caso de derrota. O seu segundo em comando nominal era Ukita Hideie, velho amigo de Hideyoshi e um dos cinco regentes escolhidos para proteger Hideyori. Konishi Yukinaga era um dos mais poderosos daimyô cristãos e tinha uma grande rivalidade com Kiyomasa, que odiava cristãos, mas que tinha que dividir muitas coisas com ele, de comando militar na Coréia até o próprio feudo.

Esses são os comandantes que ficaram sempre leais a suas facções, mas temos ainda os vira-casacas que mudaram de lado ao longo da campanha. O principal deles, Kobayakawa Hideaki, que traiu Mitsunari, pode ser apontado como aquele que virou a batalha a favor de Ieyasu. É curioso que uma guerra com tantos senhores feudais experientes e ricos possa ter sido decidida pelas emoções de um jovem de 19 anos. Ele era primo da esposa de Hideyoshi e se tornaria filho adotivo. Era ainda neto de Môri Motonari e primo de Terumoto, o que o colocou com um pé em cada lado do conflito. Com apenas 15 anos, já era comandante militar na Coréia tendo como conselheiro Kuroda Yoshitaka, que cuidou dele quando pequeno. As coisas não dariam muito certo para Hideaki, que voltaria para casa em desgraça, inclusive com Hideyoshi, denunciado como incompetente por parte de Mitsunari. Ieyasu interviria e reconciliaria Hideaki com seu pai adotivo e Hideaki nunca esqueceria o favor que devia a Ieyasu ou a ideia de se vingar de Mitsunari.

Durante o conflito com Tokugawa, Mitsunari prometeria a Hideaki que o faria kanpaku e colocaria Hideyori aos seus cuidados. Ieyasu, por sua vez, prometeria dois domínios para ele. Indeciso, perguntaria para a sua mãe adotiva o que deveria fazer. Ela diria a Hideaki que seguisse a sua consciência, e que a sua consciência deveria dizer a ele para seguir Ieyasu. Mas, no fim, iria para a guerra com o exército ocidental da facção Toyotomi, ainda indeciso sobre em quem confiava mais. Era tido como uma criança muito inteligente e estava diante da decisão mais importante da sua vida.

Exércitos opostos
É um pouco complicado falar em organização militar no Japão, que não tem nada como uma estrutura militar como vemos no Ocidente. Cada daimyô comandava os seus próprios homens e os líderes tentavam organizar os daimyôs para agir em conjunto, o que nem sempre dava certo. É como se cada daimyô fosse o comandante de uma divisão, porém, com um número variável de homens dependendo do poder de cada um. Para piorar, havia muitos conflitos internos nessa estrutura descentralizada, com daimyôs discutindo até quase as vias de fato sobre quem deveria atacar uma determinada posição. Por tudo isso, era difícil coordenar os combatentes e isso prejudicava muito o Japão em campanhas no exterior e é bem possível que eles pudessem ser mais dominantes se fosse mais bem organizados. E Ieyasu parecia entender essa situação e por isso que decidiu agir com cautela, para que chegasse a hora certa em que as suas ordens tivessem mais chances de serem seguidas.

Na parte dos equipamentos, alguns daimyôs davam mais, outros menos equipamentos, alguns davam dinheiro para que os soldados adquirissem armas e armaduras e por ai vai. Na parte decorativa, havia uma diversidade ainda maior. Em geral, os soldados rasos, ashigaru, vestiam a armadura dô, o elmo kabuto e o kote, uma proteção para o braço, além de proteção para as pernas (suneate) e para as coxas com uma espécie de avental chamado haidate. Cada unidade, vamos chamar assim, tinha o seu próprio estandarte com o símbolo do seu clã, chamado de sashimono.

A principal arma era a lança yari, o tamanho variando de clã para clã. As armas secundárias eram duas espadas, uma longa, a katana ou tachi, e a menor, a wakizashi. Alguns usavam ainda punhais, que também eram utilizados para remover a cabeça dos inimigos derrotados para servir como troféu. Os soldados mais pobres no mínimo tinham uma espada longa e um ou dois punhais. Arcabuzes, chamados de teppô tai, introduzidos pelos portugueses, eram utilizados. Essa arma mudou a forma de se fazer guerra, possibilitando que um soldado raso matasse um daimyô de uma longa distância e também suplantando os arqueiros, que ainda existiam, mas em menor número.

E vamos agora falar sobre a batalha de Sekigahara, ou, se preferir, a campanha de Sekigahara, já que tivemos uma série de batalhas entre os exércitos Oriental e Ocidental antes do grande desfecho. O começo das hostilidades começou em maio de 1600, com Uesugi Kagekatsu de Aizu aumentando as defesas de seu castelo, entendido como uma provocação por Ieyasu, que pediria explicações sem obter resposta. Kagekatsu atentaria contra a vida de um dos mensageiros de Ieyasu sob a acusação, talvez acertada, de ele ser um espião. Ieyasu exigiria explicações de Kagekatsu, ordenando que fosse a Osaka pessoalmente falar com ele.

Sem obter resposta, Ieyasu entenderia que devia fazer uma campanha militar contra Kagekatsu e o faria em julho de 1600. Ieyasu ordenaria que os seus principais aliados partissem de Osaka e retornassem a seus castelos para se prepararem para a guerra. Kagekatsu estava seguro de que seu aliado, Mitsunari, agiria rapidamente para atacar a retaguarda do inimigo. Por isso, enquanto Ieyasu saia de Osaka, Kagekatsu atacaria só para ser surpreendido por um contra-ataque de aliados de Ieyasu, que conseguiram conter Kagekatsu.

Ao mesmo tempo, Mitsunari faria um conselho de guerra em seu castelo em Sawayama com vários de seus aliados. Ele estava certo de que Ieyasu atacaria Kagekatsu primeiro e estava contando com isso. Ieyasu, por sua vez, continuava a sua marcha em direção a leste de Osaka. Chegaria em Edo em agosto e ficaria até o começo de setembro, quando iria para Oyama ao norte com um exército de 50 mil homens.

Como era esperado por Ieyasu, forças legalistas atacaram o castelo de Fushimi de um amigo pessoal de Ieyasu, Torii Mototada, que tinha recebido Ieyasu em um clima de despedida, já que era claro para ambos que Fushimi seria o primeiro alvo de Mitsunari. Além do mais, capitular não era uma opção, Mototada tinha que segurar o exército ocidental o quanto pudesse. E estava segurando, porém, um traidor que tinha esposa e filhos como reféns por Mitsunari acabou ateando fogo no castelo, prejudicando mortalmente as defesas. No fim, os samurais que defendiam o castelo cometeriam suicídio quando a derrota já era clara. Mitsunari tomaria Fushimi, mas perderia 3 mil homens no ataque. Após tomar Fushimi, Mitsunari pôde se encontrar com seus aliados no castelo de Ôgaki para uma marcha rumo nordeste para atacar o exército de Ieyasu pela retaguarda.

Os castelos de Kiyosu e Gifu tinham uma posição estratégica ao estarem próximos das estradas de Tôkaido e Nakasendô, rota para diversos pontos chaves e, por isso, era essencial controlar essa posição. Cada castelo estava de um dos lados, Ôsaki Genba controlando o castelo de Kiyosu em nome de Fukushima Masanori, aliado de Ieyasu. O neto de Oda Nobunaga, Oda Hidenobu, criado por Hideyoshi, estava encarregado de Gifu. Seus conselheiros sugeriram que ele ficasse do lado de Ieyasu, mas acabaria servindo aos legalistas.

Ieyasu mandaria 16 mil homens para assegurar Kiyosu e depois tomar Gifu, enviando mais 15 mil homens posteriormente e depois mais 36 mil homens sob o comando de seu filho, Hidetada. Todas essas forças convergiriam para Mino, onde Ieyasu os encontraria e assumiria o comando. Gifu acabou sendo tomada em 28 de setembro e Oda Hidenobu se refugiaria nos monastérios no topo das montanhas. Em 7 de outubro, Ieyasu sairia de Edo com 30 mil homens em marcha forçada rumo ao oeste.

A campanha de Sekigahara envolveria algumas batalhas fúteis que distraíram ou mesmo removeram homens da batalha principal. Uma delas foi o cerco do castelo de Tanabe, onde Hosokawa Yûsai estava refugiado. Ele era um homem já de certa idade, muito respeitado por seus conhecimentos e pela sua poesia, inclusive pelo próprio imperador. Ele declararia apoio a Ieyasu e seria atacado pelos legalistas. Yûsai pediria um cessar fogo para remover livros de poesia de seu castelo, um tesouro inestimável que poderia se perder na batalha. Os inimigos não apenas deixaram que isso fosse feito, mas eles mesmos não mostrariam muita vontade de enfrentar Yûsai, esquecendo de carregar os canhões usados no cerco. No fim, o imperador interviria e pediria para que Yûsai se rendesse. O que seria uma vitória dos legalistas foi uma derrota, já que o cerco deixou 15 mil homens do exército ocidental muito longe de Sekigahara para poderem agir na batalha.

Outra batalha inútil foi a do castelo de Ueda, onde o terceiro filho de Ieyasu, Hidetada, marchava com seus 36 mil homens para dissimular um ataque ao castelo de Ueda. Porém, ao invés disso, Hidetada resolveu tentar tomar o castelo contra um comandante muito mais experiente. No final das contas, o castelo seguraria e Hidetada chegaria em Sekigahara, mas tarde demais. O cerco ao castelo de Otsu, que tinha importância estratégica para os dois lados, teve ares de comédia. Forças de Ieyasu precisavam defender o ataque dos legalistas, e a batalha seria uma apresentação teatral para os residentes de Kyôto, que ficaram assistindo a batalha. Takatsugu, que defendia o castelo, mandaria um ninja roubar estandartes inimigos, o que ofendeu Môri Motoyasu, que teve os estandartes roubados, e confundiu seu aliado, Tachibana Muneshige. O cerco continuaria e os legalistas tomariam o castelo em 21 de outubro, ou seja, após a batalha de Sekigahara, retirando 15 mil homens do campo de batalha principal.

Voltando ao tópico principal, a chegada das forças legalistas em Ogaki foi lento e o avanço de Ieyasu, ao contrário, foi rápido para grande surpresa de Mitsunari. Tendo controle total da região, Ieyasu pôde chegar em Kiyosu e Gifu sem ter que passar por Mitsunari. Depois, chegaria em Akasaka no dia 20 de outubro, portanto, véspera da batalha de Sekigahara. Akasaka era uma pequena vila próxima de Ôgaki, teoricamente em posição de atacar o castelo.

Mitsunari e seus aliados ficaram preocupados com um iminente ataque e ponderariam o que fazer. Shima Sakon e Akashi Masataka levariam combinados 1300 homens para testar o inimigo. Em uma série de pequenos conflitos, escaramuça, se preferir, o episódio foi o primeiro no qual os corpos principais dos exércitos se encontraram, mas não serviram para mais nada além de animar o dia.

Mitsunari sabia que estava em posição delicada. Ele precisava encontrar um ponto por onde atacar Ieyasu tendo em vista proteger Ôsaka e Sawayama, não Ogaki. Seus conselheiros sugeriram um ataque noturno, que seria um estratagema sórdido e Mitsunari descartaria a ideia com a sua típica delicadeza, ofendendo Shimazu Yoshihiro, que havia sugerido a ideia. Não foi exatamente uma resposta grosseira, mas Yoshihiro não gostou das palavras de Mitsunari. A chegada de um de seus últimos aliados, Kobayakawa Hideaki, daria uma ideia para ele. Hideaki tinha tomada posição em uma pequena vila em um vale na estrada de Nakasendô. Essa era a posição perfeita para interceptar Ieyasu e barrar o seu caminho e esse vale era justamente Sekigahara. Deixaria 7500 homens guardando Ogaki e iria para Sekigahara aguardar o inimigo.

No chuvoso 21 de outubro de 1600, os dois exércitos partiriam para o confronto definitivo. As movimentações se deram de madrugada, o que obviamente prejudicou a movimentação e a visibilidade, e só a disciplina e o treinamento dos samurais é que garantiriam o sucesso de tão difícil movimentação. Mitsunari encontraria Hideaki em sua posição em Sekigahara e pediria para que ele se posicionasse de forma a atacar o flanco do exército oriental caso seja necessário. Mitsunari planejava emboscar Ieyasu e encaixotá-lo em Sekigahara. Nesse momento, o comandante do exército ocidental estava confiante, finalmente em uma posição superior e tendo superioridade numérica.

Mitsunari estabeleceria sua posição de comandando no Monte Sasao, enviando metade de suas forças para a vila de Oseki e os demais ficando com ele. O restante do exército ocidental tomaria posição e ficariam em uma formação de asas de grou, espalhados pelo terreno prontos para cercar o inimigo.

Ieyasu ouviria os relatos de movimentação do exército ocidental e entenderia qual era o plano de Mitsunari. De madrugada, também marcharia com o seu exército, indo em direção oeste pela estrada enlameada de Nakasendô. Tomando um caminho mais direto, Ieyasu chegaria em Sekigahara praticamente na mesma hora de Mitsunari e estabeleceria seu quartel-general no Monte Momokubari. O exército oriental também chegaria ao campo de batalha e ao amanhecer os dois lados estavam nas posições pretendidas, com por volta de 85 mil homens de cada lado, número que poderia ser maior se tantos não tivessem ficado presos em outras partes do Japão em batalhas secundárias.

Quando a névoa que cobria o campo de batalha dispersou, os dois exércitos veriam quão próximos estavam um do outro, a uma distância de alguns minutos de corrida. O primeiro movimento ofensivo veio de tropas montadas do exército oriental, os diabos vermelhos de Naomasa, se dirigindo contra a posição de Ukita Hideie. Por sinal, a lenda diz que o lendário Miyamoto Musashi lutou nas fileiras de Hideie, mas não há confirmação disso. De todo modo, houve uma disputa entre quem deveria tomar a frente, se Naomasa ou Kani Saizô em uma das disputas internas de poder que mencionei nesse vídeo, mas os dois acabariam juntando forças para atacar a posição de Hideie.

Depois, a batalha se transformou em um caos, sem nenhuma grande estratégia de qualquer dos lados que não seja “mate o inimigo”. Em especial, Hideie e Yoshitsugu estavam recebendo ataques mais pesados por parte dos aliados de Ieyasu. O comandante do exército oriental aproveitaria para mover seu quartel-general para mais próximo da posição de Mitsunari, que também estava sob intenso ataque do exército oriental.

A artilharia de Ieyasu estava em um dia particularmente bom. Os arcabuzes foram movidos para o flanco direito da linha de frente de Mitsunari para apoiar o avanço dos samurais do exército oriental. O momento era melhor para as forças de Ieyasu, que continuavam pressionando contra forças de Mitsunari que não queriam recuar. O exército ocidental tentou usar canhões contra o inimigo, o que não era muito adequado, já que canhões eram usados mais contra muralhas do que contra pessoas, mas eles esperavam que pudesse ter um efeito psicológico. E funcionou, com as forças de Ieyasu recuando um pouco, levando pressão das forças de Mitsunari, que logo retomariam a defensiva após contra-ataques.

A batalha seguiria com os dois exércitos se enfrentando, com o oriental tentando quebrar a defesa do ocidental. O campo de batalha se tornaria altamente caótico com o intenso uso de arcabuzes, cuja fumaça negra transformou o dia em noite. Por volta das 10 horas, após duas horas de combates, Ieyasu decidira avançar para mais perto da posição de Mitsunari. Ieyasu parecia confiante, mas episódios de raiva, que inclusive feriram aliados seus, mostravam o contrário. Ieyasu se perguntava o que o inimigo estaria fazendo, já que nem metade do exército ocidental entrou em combate. Por exemplo, Shimazu Yoshihiro, aquele que sugeriu um ataque noturno e se ofendeu com a resposta de Mitsunari, ficou parado mesmo quando o inimigo se aproximou de sua posição. Precisou que o próprio Mitsunari fosse falar com Yoshihiro para que ele explicasse o seu comportamento e Yoshihiro diria que nesse tipo de batalha cada unidade deve tomar as suas próprias decisões, e Mitsunari só podia confiar que Yoshihiro entrasse em batalha em algum momento.

Os legalistas sofreram com o pesado ataque da facção Tokugawa, mas sob a liderança de Hideie conseguiram se manter e empurrar para trás o inimigo. Foi tão bem sucedido que atrapalhou os planos de Mitsunari, que era encaixotar Ieyasu com um ataque pelo flanco com Hideaki e pela retaguarda com os homens de Môri Terumoto, que estava no castelo com Hideyori e diziam ter um pacto com Ieyasu. Hideie empurrou tanto para trás o exército oriental que impossibilitou um ataque pelo flanco.

Por volta das 11, Mitsunari examinaria o campo em Monte Sasao e decidiu que era hora de um ataque decisivo para esmagar o inimigo. Hideie passou a ser empurrado de volta pelas forças de Ieyasu e Mitsunari veria que essa era a hora de chamar Hideaki para a batalha. Ele acenderia o fogo como aviso para Hideaki, mas nenhum ataque veio. Primeiro Shimazu, agora Hideaki também? O clã Môri também o abandonou? Certamente, Mitsunari não deveria estar se sentindo confortável com o andamento da batalha. Outros veriam o sinal, sabiam o que significavam, e também não se moveram. Mensageiros foram enviados para pedir explicações, e nenhuma resposta seria dada. O mistério sobre o porque da maior parte do exército de Mitsunari não se mover, que intrigava Ieyasu, era melhor do que ele esperava.

Ieyasu já tinha um acerto com Hideaki, o problema é que enquanto Hideaki não ataca o exército oriental, também não atacava o ocidental. Hideaki era um jovem comandante e provavelmente estava incerto sobre se deveria ou não trair Mitsunari. Ieyasu ordenaria um ataque de arcabuzes contra os Kobayakawa e isso parece que acordou Hideaki, que ordenaria um ataque contra Ôtani Yoshitsugu do exército ocidental. Yoshitsugu, por sua vez, já esperava a traição de Hideaki assim que notou que ele não se moveu ao sinal de Mitsunari e já estava se preparando. O problema é que ele já estava sendo atacado pelo exército oriental e sua posição ficaria comprometida com um ataque duplo. Sabendo que o fim era eminente, e que fugir não era uma opção, pediria para um servo, Yuasa Gorô, que o matasse e escondesse a sua cabeça para que não fosse tomada como troféu. Gorô faria como ordenado, mas a segunda parte seria desafiadora de se fazer no meio da batalha. Mesmo assim, conseguiria esconder a cabeça enterrando no solo, para nunca ser encontrada.

Os Kobayakawa venceram os Ôtani com a ajuda de outros traidores e avançaram contra os Ukita e os Konishi, seus comandantes, Hideie e Yukinaga, estando despreparados para traições diferente de Yoshitsugu, e foram massacrados com um ataque pela retaguarda. Com ataques vindos de duas frentes, o exército ocidental começou a ruir.

A batalha já estava perdida para os legalistas. Talvez se outras forças que estavam fora da batalha tivessem intervindo, o resultado poderia ter sido diferente, mas, apesar de serem leais a Mitsunari, entendiam ser tarde demais. Môri Terumoto também foi decisivo na batalha, pois se tivesse atacado a facção de Tokugawa poderia ter dado a vitória para os legalistas mesmo com a traição de Hideaki. A questão agora era se Shimazu, Hideie, Yukinaga e o próprio Mitsunari seriam capazes de fugir da batalha ou conseguir a cabeça de Hideaki, como Hideie passou a almejar. No fim, todo mundo conseguiu fugir de Sekigahara, Shimazu precisando contar com a sorte para atingir Naomasa com um tiro de arcabuz enquanto Naomasa o perseguia, obstinado a não deixar que os líderes dos legalistas fugissem.

Vitorioso, Ieyasu seria nomeado Xogum pelo imperador e teria que decidir o que fazer com seus inimigos. Nada faria contra Hideyori, já que muitos ainda deviam gratidão ao seu pai e lutaram contra Mitsunari, não contra Hideyori. No futuro, se voltaria contra o filho de Hideyoshi, mas não nesse momento de apaziguamento. Mitsunari e Yukinaga seriam executados, enquanto que Hideie seria mandado para o exílio e Shimazu perdoado. Hideaki pediria perdão para Ieyasu por ter lutado por Mitsunari e ganharia a honra de liderar a última parte da campanha de Sekigahara com o cerco de Sawayama defendido pelo irmão de Mitsunari. Ieyasu não aceitou que Môri Terumoto tivesse se aliado a Mitsunari, mas não o mataria, apenas removendo feudos de Terumoto, reduzindo drasticamente sua riqueza. Aos seus aliados, Ieyasu distribuiria feudos produtivos para recompensá-los, dando feudos piores para os que se opuseram a ele para comprar a lealdade deles.

A batalha de Sekigahara acabou sendo decidida por deserções nas fileiras de Mitsunari, mas não pode ser resumida a isso. A batalha seria diferente se Ieyasu não tivesse feito acordo com aliados de Mitsunari e adaptaria os seus planos para tal. Temos que considerar que a batalha opôs um general experiente como Ieyasu e um general inepto como Mitsunari, que além de não ser muito bom comandando tropas, tinha a antipatia de seus aliados, que lutavam pelo herdeiro do Hideyoshi, não por Mitsunari. Mas, no final das contas, Tokugawa Iyeasu foi o vencedor do dia e inauguraria a Era Edo do Japão, que se estenderia até a Restauração Meiji em 1868.