sábado, 20 de setembro de 2014

Manual do Ditador (#5) - Permanecendo no Poder



 Ok, o líder está no poder. Tanto faz se chegou lá por eleições, golpe, fraude ou assassinato, o importante é que a primeira fase foi cumprida. Porém, tão difícil quanto conquistar o poder é mantê-lo. As habilidades necessárias para se manter no poder são diferentes, mas os princípios são os mesmos. Mas é necessário deixar claro desde já que o objetivo da política é governar. Governar bem já é outra história...

Certo, por onde começar. Primeiro de tudo, é necessária uma coalizão forte. Aqui, lealdade não é um atributo muito prudente. O líder precisa descartar aqueles que o levaram ao poder se isso favorecer a formação de uma coalizão vencedora leal. Afinal, se eles ajudaram o líder a chegar ao poder, nada impedem que ajudem outra pessoa a substitui-lo. Por isso, não raro a revolução engole os seus próprios filhos, como dizem. Ou seja, o novo incumbente precisa manipular o seu conjunto de essenciais para a sua melhor conveniência, de preferência para reduzir o número de pessoas necessárias para se manter no poder.

E o primeiro exemplo desse capítulo não é da política governamental, e sim empresarial. É a história da ascensão e queda de Carly Fiorina como presidente da HP. O presidente de uma sociedade anônima é eleito como um presidente de país, através do voto. O voto para a escolha do diretor-presidente é indireto nas empresas, os acionistas escolhendo os membros do conselho de administração, que elegem o presidente. Dessa forma, os acionistas são os intercambiáveis, os acionistas votantes os influentes e os conselheiros os essenciais.

Em empresas assim como em governos, o cargo de presidente dá uma série de benefícios. Além de um polpudo salário fixo mais igualmente polpudos bônus e opções de ações, os executivos têm jatinho particular, carro da empresa, secretária entre outros benefícios que eles próprios têm alguma liberdade para escolher. Os bens públicos nesse caso são os dividendos distribuídos e a valorização das ações, fruto das decisões dos presidentes. Se a coalizão vencedora é grande, há um incentivo menor para a distribuição de bens privados para os membros da coalizão.

A coalizão vencedora nas empresas inclui alguns dos principais diretores e os membros do conselho de administração. Essas pessoas podem ser agentes internos (empregados da empresa), externos (pessoas que não tinham ligações com a empresa até receberem algum cargo) ou uma área cinzenta incluindo família e amigo de agentes internos. Diretores-presidentes podem ficar muito tempo no cargo como em ditaduras. Um dos segredos para ficar bastante tempo no cargo é o presidente ter ligações pessoais com os membros do conselho. Por isso, as regras de boa governança corporativa sugerem que um bom número de membros do conselho seja externo e que os ocupantes do cargo sejam mudados periodicamente. Nada melhor para perpetuar um presidente do que um conselho também perpetuamente eleito. Melhor ainda é quando o diretor-presidente é também presidente do conselho de administração.

Fiorina era uma forasteira na HP. O conselho que a elegeu tinha quatorze membros, três das famílias fundadoras, três eram empregados ativos ou aposentados da HP, ou seja, seis membros tinham muitos interesses envolvidos na empresa. O conselho a elegeu, mas não era de maneira algum leal a ela, de forma que Fiorina buscaria um conselho mais enxuto e que ela tenha escolhido. Um ano após assumir, o conselho foi encolhido para 11 membros, incluindo a saída de um membro da família. Um ano depois, mais um cargo foi extinto. A coalizão vencedora agora abrangia apenas a maioria dentre dez pessoas.

Em 2001 lançaria a proposta de fusão com a Compaq, vendendo aos acionistas como um ótimo negócio. Esse negócio acabou saindo, mas o impacto nas ações foi devastador. Quando Fiorina assumiu, as ações eram negociadas e US$ 53,43. Quando saiu em fevereiro de 2005, apenas US$ 20. A proposta de fusão acabou gerando uma guerra interna, mostrando que a manipulação do conselho de administração não foi tão bem feita assim. Porém, é justamente para isso que servia a fusão, para trazer gente de fora leal à Fiorina (ou seja, gente da Compaq). Após vencer a guerra de procurações em 2002 e aprovar a fusão, o conselho teria 11 membros, 5 deles oriundos da Compaq. Na mudança do conselho ocorrida em 2004, Fiorina conseguiu fazer com que a remuneração do conselho dobrasse, o que sempre é um bom incentivo para se tornar leal a alguém em qualquer situação.

Fiorina fez tudo certo para sobreviver, aumentando o número dos intercambiáveis (com os acionistas da Compaq), reduzindo o tamanho do conselho, trazendo pessoas mais propensas a serem leais a ela e oferecendo incentivos nesse sentido. Porém, os resultados econômicos não vieram e no mundo corporativo isso pesa mais do que no mundo político, e ela cairia em 2005. Seu sucessor, Mark Hurd, assumiria o cargo, a empresa teria um ótimo desempenho, mas ele cairia por conta de um escândalo, durando menos do que Fiorina no cargo.

Competência até que é alguma coisa boa, mas sobrevivência política não pode depender disso. Aliás, pode ser perigoso ter essenciais competentes em sua coalizão, pois eles podem querer substituir o líder. Lealdade, acima de qualquer outro atributo, é o que importa, mesmo que para isso seja necessário colocar incompetentes para ajuda-lo. Expurgos são comuns em regimes tirânicos, onde gente competente é executada, não apenas na oposição, mas também dentre as fileiras do partido. Foi o que aconteceu com Saddam Hussein, que, ao assumir o poder, fez uma limpa no partido Ba’ath, eliminando potenciais desafiantes e gente que ele não confiava, o que incluía pessoas muito bem qualificadas. O curioso é que o sucessor de Hussein, o primeiro-ministro Nouri al-Maliki, faria o mesmo, removendo dos cargos sunitas competentes e colocando shias sem experiência em seus lugares.

Porém, governantes de várias épocas recorreriam a conselheiros, pessoas espertas que podiam virar desafiantes. A solução era contratar apenas eunucos como conselheiros ou para cargos de confiança, como guardas pessoais. Mas não é necessário recorrer a isso, bastando escolher pessoas que de alguma forma não têm muita chance de se tornarem desafiantes. Saddam, por exemplo, tinha um cristão como número 2, que nunca teria condições políticas para tomar o poder no Iraque.

Para se manter no poder, é vital deixar os essenciais desconfortáveis. Uma maneira disso é manter um número elevado de intercambiáveis. Tendo isso em mente, entendemos porque há eleições em ditaduras, apesar do resultado ser manipulado. É a forma que o líder tem de mostrar aos que estão abaixo dele que eles não são insubstituíveis. Lênin seria o primeiro a explorar essa ideia, impondo o sufrágio universal na União Soviética. As eleições, mesmo que manipuladas, dão legitimidade às suas ações, que seriam então vontade do povo. Aumentando o número de intercambiáveis criava a possibilidade, embora remota, de que qualquer um pudesse a se tornar um influente ou mesmo um essencial. Aliás, seria assim que pessoas sem qualificação subiriam a hierarquia na União Soviética. Os que estavam dentro da coalizão precisavam ficar na linha, sabendo que poderiam ser substituídos por alguém entre os influentes ou intercambiáveis.

A Libéria surgiu como uma forma de organizações liberais dos Estados Unidos de reparar os males da escravidão, repatriando para a África ex-escravos para terem sua própria nação. Porém, os ex-escravos sabiam que a escravidão funcionava bem para os mestres e seria hora deles serem mestres. O sufrágio universal seria instituído em 1904, mas havia uma restrição de patrimônio para poder participar do governo. Ou seja, havia um grande número de intercambiáveis, mas poucos essenciais, condição excelente para se manter o poder.

A maioria das sociedades anônimas funciona de maneira parecida exatamente pelos mesmos motivos. É por isso que presidentes conseguem se manter no poder mesmo com o desempenho ruim da empresa e das suas ações. Porém, a HP se parece menos com um sistema com eleições manipuladas e mais como uma monarquia, com os herdeiros dos fundadores da empresa tendo grande poder. O problema desse sistema (para o líder, é claro) é que não há uma base de intercambiáveis e influentes larga o suficiente para deixar os essenciais incomodados.

O líder precisa saber quando se livrar dos essenciais e promover um influente ou intercambiável. Em ditaduras é mais fácil, basta matar os essenciais. Em empresas, é necessário trocar os conselheiros, e isso surpreendentemente ocorre. Apesar do conselho selecionar o presidente, é comum haver mudanças no conselho após a eleição de um novo presidente.

Robert Mugabe, atual presidente do Zimbábue, é um mestre na arte de se manter no poder. Ele foi eleito primeiro-ministro em 1980 após uma longa guerra civil entre brancos e negros no país. A nova configuração política tinha dois partidos, o de Mugabe e um de oposição. Assim que subiu ao poder, procurou fazer conciliações com o outro partido e com os brancos ainda influentes. Ele sabia que não podia governar sem eles. Isso ao menos no começo. Assim que o seu poder foi consolidado, se livrou dos membros do outro partido, dos brancos e, como não poderia deixar de ser, de membros de seu partido de forma a manter uma coalizão vencedora pequena.

Dessa forma, os líderes fazem de tudo para conseguirem se manter no poder, mesmo que isso signifique trapacear, desde que consiga evitar as consequências negativas. Será que isso só se aplica a ditaduras? Bom, em democracias é mais difícil você trapacear e se safar, mas sempre que a oportunidade pinta, líderes em democracias não hesitam em utilizar desse expediente. Uma maneira de fazer isso é através do controle de imigração, para criar uma demografia favorável ao incumbente. Manipulação das eleições em países onde há democracia, mas instituições fracas, também é viável. Estimular a participação de vários disputantes ao cargo também pode ter efeito benéfico ao incumbente em uma aplicação do dividir para reinar. No legislativo, a existência de vários partidos permite fracionar melhor os essenciais para aprovar matérias do que quando há poucos partidos.

Uma maneira bastante inventiva de enviesar as eleições é através de políticas que favoreçam minorias na ocupação de cargos públicos. Manter uma cota para cargos legislativos para algum grupo de interesse faz com que a quantidade de votos para se eleger seja menor, ou seja, o número de essenciais é reduzido dessa maneira. A Tanzânia, por exemplo, tem uma mistura de parlamentares escolhidos pelo presidente, parlamentares de minorias que são escolhidas pelos seus partidos na proporção dos votos do partido e votos diretos, o que permite ao presidente conquistar a lealdade de uma boa parte dos parlamentares sem depender do voto direto. No final das contas, a Tanzânia é uma democracia, mas o presidente precisa apenas de 5% dos votos para manter maioria legislativa.

Outra maneira de obter vantagens eleitorais é através do voto em bloco. Tem uma maneira não-oficial de influenciar alguns líderes de algumas comunidades para que esses façam campanha para que votem em alguém, mas em algumas situações há um voto em bloco oficial, onde um líder de comunidade vota em nome de todos. Desnecessário dizer que esse líder de comunidade obtém vantagens de ser um influenciador. Um exemplo é a Índia, com um dos autores do livro (Bruno de Mesquita) tendo acompanhado isso de perto entre 1969 e 1970. Essa é uma espécie de clientelismo e voto de cabresto.

As coligações políticas em eleições funcionam de maneira parecida. Ambos envolvem concentrar em uma pessoa ou um pequeno número de pessoas o poder de controlar uma grande quantidade de votos, como ocorre em pedidos de procuração de voto em assembleias de sociedades anônimas. Os partidos se coligam para poderem usar suas influências para obter ganhos para todos os que estão coligados, o que pode fazer com que algumas uniões esquisitas possam surgir. Aqui, o poder interessa mais do que a ideologia e há muito tempo os políticos perceberam que se unindo a outros eles poderiam obter mais poder juntos do que separados. E é isso que importa no final.

Porém, o voto é anônimo e nada garante que as pessoas sigam o que o líder pede. Mas tem uma maneira para contornar isso. Além de algumas fraudes para eliminar o anonimato, os candidatos podem fazer uma promessa aos líderes comunitários de que irá fazer uma benfeitoria, desde que recebesse um número suficiente de votos. Como os dados são abertos, é possível ver onde que efetivamente o candidato recebeu mais voto e recompensar ou punir os locais de acordo com sua votação, dando um incentivo para que cada votante siga o seu líder. É muito mais fácil comprar a lealdade de um líder de várias pessoas do que cada votante individualmente.

Nos Estados Unidos, onde o voto é por distritos, é possível manipular as eleições legalmente através do gerrymandering, o redesenho de um distrito eleitoral para favorecer o incumbente. Os distritos podem ser refeitos de forma a concentrar a oposição em um distrito e os seguidores em outros. Perder de 50% mais 1 ou de 100% em um distrito não muda nada, então seria bom concentrar todos os opositores em um distrito só. Para eleições parlamentares, a ideia é concentrar todos os seguidores em um distrito e dessa forma ser eleito. Numericamente, com um bom desenho de distritos, é mais fácil se perpetuar nos Estados Unidos do que era na União Soviética. Bom, mas a geografia é um empecilho, né? Não necessariamente. Pegue o exemplo do Terceiro Distrito de Maryland, utilizado no livro e que estou mostrando aqui. Meio esquisito, né? Cartograficamente, sim. Politicamente, faz todo o sentido. Deve ser por isso que um republicano não é eleito representante na Câmara desde 1921. Logo, essa aqui é uma amostra de como é primordial manter a coalizão vencedora o menor possível para se manter no poder mesmo em uma democracia.

Agora, vamos para uma diferenciação entre autocratas e democratas. A chance dos autocratas permanecerem mais tempo no poder (mais de 10 anos) é bem maior do que para os democratas, mas a chance de ficar só seis meses é maior para os autocratas. O maior grupo em termos de risco de perder o cargo para autocratas é justamente esse, enquanto que para democratas é entre 6 meses e 2 anos. Isso mostra como é essencial o líder em ditaduras consolidar rapidamente o seu poder. Podemos concluir que o ditador precisa em seis meses descobrir onde está o dinheiro e distribui-lo para comprar lealdades e formar a coalizão vencedora, conseguindo apoio e podendo se livrar de qualquer pessoa inconveniente para seus planos de longo prazo. Em democracias, pelo contrário, o vencedor em eleições para cargos executivos costuma desfrutar de uma lua de mel. Os autocratas, ao contrário, precisam fazer de uma vez todas as atrocidades necessárias para se manter no poder nesses seis primeiros meses.

Esse capítulo mostrou os princípios básicos para se manter no poder, o maior deles sendo manter uma coalizão pequena e recompensar essas pessoas. O problema é que essa prática não é barata, mesmo considerando-se que é feita com dinheiro dos outros, mas isso já é tema para o próximo vídeo.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Manual do Ditador (#4) - Chegando ao Poder




Bem-vindos de volta ao Manual do Ditador. Vamos agora para o segundo capítulo do livro, Chegando ao Poder.

As pessoas pensam que os políticos são serem especiais que por conta disso conseguem chegar ao poder. No começo do segundo capítulo do livro, há um exemplo de que quase literalmente um Zé Ninguém pode chegar ao poder e lá se manter. John Doe é o nome dado a corpos não identificados nos Estados Unidos. Literalmente, é um Zé qualquer. Eis que outro Doe, o Samuel Doe, surgiria na Libéria. Ele era um sargento do exército que chegou no quarto do então presidente, William Tolbert, em 12 de abril de 1980 e o matou, se proclamando presidente logo depois. A primeira medida dele foi executar os ministros do ex-presidente, recebendo apoio da população. Então, organizaria o Conselho da Redenção do Povo que suspendeu a constituição e baniu a atividade política.

Doe nunca tinha estudado política, mas sabia exatamente o que fazer para manter o poder. Ele formou uma pequena coalizão e os pagou para serem leais. Substituiu cargos chave na administração e no exército por pessoas de sua confiança, muitas oriundas de sua vila, aumentou os salários no exército e expurgou aqueles que ele não confiava, incluindo quinze antigos colaboradores dele.

Dinheiro não era problema, a Libéria recebendo vastas quantias de empresas e países estrangeiros, além de empresas estatais. Como a coalizão era pequena, esse dinheiro era dividido por menos gente. A economia do país ficou em frangalhos e o povo pobre e descontente, mas esse é um mero detalhes. Para todos os efeitos práticos da política, Samuel Doe era um imenso sucesso.

Essa história mostra que qualquer um pode se tornar líder se souber aproveitar a oportunidade. Para chegar ao poder, são necessárias três coisas: 1) Tirar o incumbente; 2) Tomar posse do aparato do governo; 3) Formar uma coalizão de apoiadores para sustenta-lo no poder.

No primeiro ponto, o mais fácil é o incumbente morrer. Assassina-lo não está fora de cogitação. Outra possibilidade é o incumbente ser deposto, por um golpe de estado ou revolta popular. Aqui, é necessário que os apoiadores do regime não deem suporte ao líder ou mesmo que eles ajam para derruba-lo. O Egito é um bom caso. Em 2011, o presidente Hosni Mubarak seria derrubado pelos militares após revoltas populares. O corte na ajuda externa americana e a má situação da economia fizeram com que minguasse o dinheiro no Egito que pudesse ser utilizado para pagar os apoiadores. Os militares poderiam ter suprimido a revolta, mas como não estavam sendo muito bem pagos para fazer o trabalho sujo de Mubarak, resolveram deixar que as revoltas ocorressem.

Assim que tomar o poder, a velocidade é essencial para se apoderar das principais instituições, como o Tesouro, principalmente quando a coalizão é pequena. Se a mudança de poder está sendo caótica, nada impede que um concorrente mais rápido faça uma nova mudança. Samuel Doe matou o presidente e tomou o poder, mas o que o manteve foi rapidamente ter usado a sua coalizão para se apoderar do exército. Se outro tivesse feito isso, Doe não teria sido o presidente da Libéria.

Ou seja, pagar apoiadores, e não boa governança ou cumprir a vontade popular, é a essência da política. Na transição de um regime para outro, é importante trazer rapidamente apoiadores para o seu lado, antes que eles comecem a imaginar se não ganhariam mais com outro líder. Por isso, Doe rapidamente aumentou os salários no exército. Mas só recompensas não são suficiente, porque os apoiadores iriam desejar cada vez mais. É necessário também um pouco de medo. Apoiadores com medo de serem substituído são muito mais leais do que os apenas bem recompensados.

A mortalidade é um problema sério para a coalizão. Líderes mortos não dão recompensas e líderes morrendo deixam vulneráveis a coalizão vencedora a possíveis desafiantes, por isso que as doenças dos líderes são mantidas em segredo para evitar o levante de essenciais ou pessoas de fora da coalizão.

A subida do iatolá Khomeini foi um caso em que alguém de fora da coalizão aproveitou a oportunidade com a morte do incumbente. Para obter o poder, é necessário capitalizar sobre as insatisfações populares e dentro da coalizão e com isso obter carta branca para realizar mudanças que permitam que ele se mantenha no poder. Khomeini aproveitou a ovação popular para trazer o exército para seu lado e perseguir dissidentes, declarar uma república Islâmica e reescrever a constituição para dar poder aos clérigos, ou seja, sua coalizão vencedora. Khomeini se tornaria o líder supremo com a proteção de um conselho que vetasse leis ou candidatos não-islâmicos. Isso acabou por excluir grupos seculares e moderados, mais conhecidos como idiotas úteis que só serviram para colocar Khomeini no poder.

Khomeini subiu ao poder dando à oposição um ponto focal e contando com a não intervenção do exército. Uma vez no poder, reduziu o tamanho da coalizão vencedora, embora existissem muitos outros interesses no golpe. Havia democracia com eleições parlamentares, mas apenas membros da coalizão vencedora podiam ser candidatos. O interessante é analisar porque Khomeini tomou o poder em 1977, não quatorze anos antes, quando foi para o exílio. A revolta contra o xá ocorreu por insatisfação popular, que já existia antes. O que importou foi a complacência do exército, que poderia reprimir as revoltas, mas não o fez. Não o fez porque não tinham uma recompensa para agir de uma maneira tão desagradável.

A história das Filipinas mostra um caso parecido. Benigno Aquino Jr., assim como Khomeini, era um candidato a desafiante do líder com grande apoio popular e que poderia derrubar um tirano. Ele se tornaria um crítico do presidente e foi para o exílio. Em 1983, retornaria ao país para lutar pela liberdade, como ele disse. Mau movimento, deveria ter esperado o incumbente cair, assim como fez Khomeini. Ele seria assassinado em circunstâncias estranhas. Sua esposa, que, a exemplo de Samuel Doe, não tinha habilidades políticas seria a presidente anos depois.

Eleições ocorreriam em 1985. O incumbente Ferdinando Marcos concorreria com a esposa de Aquino, Corazon. Marcos fraudaria a eleição e venceria. Até ai, tudo bem, Marcos agiria de maneira correta para se manter no poder. O problema é que ele perderia apoio. O presidente Reagan, cardeais da Igreja, o povo e a oposicionista perdedora protestaram, mas nada que não se resolva. O problema foi que o exército abandonou Marcos e isso faria com que a eleição fraudulenta fosse anulada.

Por trás de tudo isso, a informação de que Marcos estava doente e não viveria muito mais tempo. Quem sabia dessa informação sabia que não poderia contar com ele para extrair benefícios e era mais garantido esperar a transição para negociar o apoio. Mesmo sem saber nada de política, Corazon agiu certo ao desafiar o incumbente quando ele era fraco.

Para evitar mudanças de regime, o líder precisa nomear seu sucessor ainda quando tem poder. É o que Kim Jong Il e Fidel Castro fizeram, mantendo a vantagem do incumbente na política. Nesse caso, por mais que o líder seja forte, pode ser difícil que a sua vontade seja respeitada após a sua morte. Por isso, não são raras as disputas fraticidas pela sucessão, isso inclusive era política de estado no Império Otomano.

Por que não desafiar o herdeiro? Uma das razões é que é mais provável que o herdeiro siga com o esquema de pagamento para a coalizão vencedora, o que reduz a incerteza. Outro motivo é que há muitos concorrentes ao cargo, o que diminui a chance de se tornar o novo líder. Fracassar em obter o poder para si significa morte.  Além do mais, um bom herdeiro já sabe onde está o dinheiro e quem pagar, logo, herda a vantagem do incumbente de seu antecessor e não é fácil tira-lo do poder. Então, havendo um herdeiro confiável, os essenciais preferem apoia-lo a arriscar uma aventura.

Uma coisa que é essencial para o líder é que o estado se mantenha com os cofres cheios, com uma economia próspera e com as contas equilibradas na medida do possível. Não pelo bem-estar da população, óbvio, mas porque sem dinheiro não tem como pagar os apoiadores. Crises financeiras são o chamariz perfeito para o surgimento de desafiantes.

Foi o que aconteceu na Revolução Russa. No meio da Primeira Guerra Mundial, que drenou os recursos da Rússia, o país começou a passar por uma grave crise econômica. O exército russo não se importou em proteger o tsar dos revoltosos, já que não estavam recebendo a parte deles. Pior, baniu a vodka do exército. Ai não tem russo que aguente!

Após a queda de Nicolau II, o primeiro a assumir foi Alexander Kerensky. O erro dele foi tentar um governo democrático com uma coalizão vencedora bem ampla, além de continuar a principal crítica ao tsar, a guerra. Lênin e os bolcheviques não cometeriam o mesmo erro, tomariam o poder de Kerensky, mantiveram uma pequena coalizão e executaram os opositores.

A economia não é tão essencial assim, desde que sobre dinheiro para pagar os essenciais. O Zimbábue é um desastre econômico há muito tempo, com uma inflação tão elevada que há notas de cem trilhões de dólares zimbabuanos. O Zimbábue foi transformado em uma vibrante economia agrícola exportadora para um país dependente de ajuda externa. Além disso, há uma epidemia de cólera no país. O presidente do país, Robert Mugabe, não cometeria o erro de tentar consertar esse problema. Tudo que ele precisava para se manter no poder era pagar o exército. No que a política mais importa, Mugabe é certamente um vencedor, estando no poder por 26 anos aos 90 anos.

Mudanças institucionais podem ser necessárias para se manter no poder. Um exemplo é o da Perestroika de Mikhail Gorbachev. Certamente que o presidente russo não adotou esse programa por ser um liberal, mas, como ocorre com todo regime socialista, o dinheiro dos outros uma hora acaba. A União Soviética precisava de dinheiro e, apesar de ser perigoso dar liberdade às massas, isso era necessário para manter a competição com os Estados Unidos. Era uma aposta arriscada e Gorbachev pagaria o preço.

Vários grupos antirreformistas foram contrários a Gorbachev e procuraram derruba-lo. Mas Gorbachev receberia o apoio de Boris Iéltsin e voltaria ao poder. Por pouco tempo, já que o próprio Iéltsin tomaria o poder. Ele comandaria o colapso da União Soviética e sedimentaria o seu poder formando uma coalizão vencedora com alguns membros da coalizão de Gorbachev se aliando aos que se beneficiariam mais com o fim do regime comunista, que certamente não seriam os membros do Partido Comunista.

Em democracias, o processo também envolve comprar o apoio da coalizão vencedora, mas há diferenças. É mais difícil garantir a lealdade, já que a melhor maneira de conseguir maior apoio para ser eleito é através do fornecimento de bens públicos, que beneficiam a todos de maneira dispersa. O incumbente tem uma vantagem, mas nada que o desafiante não possa oferecer. Também não há a necessidade de pressa e geralmente há uma longa distância entre a vitória na eleição e a tomada de posse do poder.

A tomada do poder é mais civilizada e o processo é mais no campo das ideias do que no confronto físico, mas isso não garante que boas políticas serão adotadas. A disputa em ditaduras é pela apropriação de bens privados e a disputa em democracia é em termos de ideias políticas. A disputa geralmente envolve prometer gastar mais e mais dinheiro, o que impacta o déficit público e a dívida pública, mas tudo bem, já que gente que ainda nem nasceu não vota e os pais atuais ou futuros não se importam com as consequências dos gastos públicos no longo prazo.

O segredo aqui é tentar separar para conquistar, ou seja, causando um racha nos apoiadores dos adversários políticos e tentando capitalizar sobre isso. Abraham Lincoln foi um grande exemplo, questionando o concorrente Stephen Douglas sobre a escravidão nas eleições para o senado em 1858. Se mostrasse apoio à abolição, ganharia a eleição para senado em Illinois contra Lincoln, mas isso causaria rebuliço no Partido Democrata. Se não o fizesse, perderia a eleição para senador e diminuiria as chances de ser candidato presidencial dois anos depois.

Douglas se mostraria a favor da abolição, ganharia a eleição para senado em 1858, mas a cisma no partido abriria caminho para Lincoln, que venceria a eleição com 40% dos votos e pouquíssimos votos no sul. Na campanha da reeleição, Lincoln possibilitou que soldados votassem para aumentar a sua quantidade de votos. Mesmo estando em uma democracia, Lincoln entendia sobre como manipular os essenciais para obter o poder.

Por fim, política é um negócio arriscado e não é para quem tem coração fraco. O capítulo termina com quem começou, Samuel Doe. No fim, acabou o dinheiro dele quando os Estados Unidos removeram o apoio após o fim da Guerra Fria e isso causou muitos problemas. Sim, o exército ainda estava do seu lado, mas o comportamento dos militares na repressão das revoltas acabou por alimentar o levante e isso culminou em sua deposição e um fim bem feio. Então, política é também sobre como lidar com riscos e não deixar que uma porta se abra para desafiante, uma vez que isso é tudo o quanto basta para perder o poder. Mas manter o poder é um tema para o próximo vídeo.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Manual do Ditador (#3) - Extras




Bem-vindos de volta ao Manual do Ditador. Nesse vídeo, vou acrescentar algumas coisas sobre o que tem no livro, que eu acho que ajuda a entender melhor os argumentos apresentados.

Principal-Agente
Os autores não falam isso, mas eu diria que o raciocínio que eles desenvolvem se aplica para situações onde há uma relação de agência, ou seja, quando uma parte é escolhida para agir em nome da outra. Nesse tipo de relação, temos o agente e o principal. O principal é a parte que tem os seus direitos representados e o agente é a parte que toma decisões em nome do principal. Na política, a população é o principal e os políticos os agentes. Nas empresas, os acionistas são os principais e os administradores da empresa os seus agentes.

O grande problema nas relações de agência é que o agente deveria tomar as decisões visando o melhor interesse do principal. No entanto, o agente tem os seus próprios interesses a perseguir e poderá seguir com a sua própria agenda às custas do principal. É um dever ético o agente ter responsabilidades para com aqueles que ele representa, devendo tomar os melhores esforços para perseguir o melhor interesse dos principais, isso constando de lei inclusive. Porém, todos sabemos que isso nem sempre vai acontecer e nunca ocorrerá de forma ideal. A isso denominamos conflito de interesses, quando os agentes atuam de forma a beneficiar a eles próprios em detrimento do principal.

A teoria da agência é bem complexa e existem diversos mecanismos para tentar alinhar os interesses do agente e do principal, de forma a fazer com que o agente faça o melhor para o principal porque isso também o beneficia. De interessante para essa série, temos fato de que o agente buscará obter o cargo e depois mantê-lo e seguindo a teoria dos autores do livro isso será mais fácil nas condições que eles colocam nas regras da política, que expliquei no vídeo anterior. Basicamente, ele tem que descobrir quais são os essenciais para que ele se mantenha no poder e comprar o apoio dele usando dinheiro da instituição que ele representa. Uma vez conseguindo isso, pode se dar ao luxo de ignorar os principais, ou a parcela deles que está fora da coalizão vencedora.

Eleições corporativas
Todo mundo sabe basicamente como uma eleição política funciona. Para empresas, no entanto, talvez não saibam tanto. Primeiro de tudo, temos os acionistas, que são os donos da empresa na proporção da quantidade de ações que possuem, ou cotas se não for uma sociedade anônima. Se a empresa tem ações negociadas na bolsa, qualquer um pode ser acionista da empresa, bastando comprar as ações no mercado.

A ação dá ao acionista dois direitos: o de participar nas assembleias de acionistas e de receber parte dos lucros da empresa, os dois direitos sendo proporcionais à quantidade de ações que possuem. No Brasil, temos a diferenciação entre ação ordinária e ação preferencial. A ação preferencial, em relação à ordinária, tem poderes políticos reduzidos, em muitos casos, nulos, mas com direitos adicionais no recebimento de dividendos. Nos mercados internacionais, há a ação preferencial, mas ela não tem nada a ver com a nossa ação preferencial, e não vem ao caso explicar as diferenças. E há também ações com direitos diferenciados, mas eles chamam isso de ação ordinária de classes diferentes.

Pois bem, as ações com direito a voto permitem participar da assembleia de acionistas e nelas é possível eleger os membros do conselho de administração da empresa. Estes, por sua vez, irão eleger os diretores da empresa, inclusive o diretor-presidente, que é o CEO na nomenclatura em inglês. Em assembleias de acionistas, diferente de eleições políticas, os acionistas têm pesos diferentes e é possível que um reduzido grupo de pessoas possam ter maioria na assembleia. Nesse caso, dizemos que a empresa tem um controlador definido, que pode ser um único acionista ou um grupo de controle. E aqui temos outro conflito, entre acionistas controladores e minoritários, que é uma discussão complexa.

O diretor-presidente é o que toma as principais decisões executivas nas empresas e podem ser considerados os líderes, da forma que chamo nas análises dos autores do livro. Na visão deles, os diretores-presidentes são como os líderes em autocracias e democracias, querem chegar ao poder e se manter nele. Há uma série de benefícios para os presidentes de empresas assim como para os presidentes de repúblicas. Eles têm um bom salário, definido em assembleia geral dos acionistas que aprova ou não a sugestão do conselho de administração, têm secretária, jatinho, carro da empresa, mandam nas pessoas, têm o saco-puxado por todo tipo de gente importante, vários benefícios que muitas vezes eles próprios definem. Assim como ocorre com políticos, irão se valer dessas regalias na medida do possível, em algumas empresas encontrando mais restrições e em outras menos. Aqui voltamos ao tópico anterior, podendo haver um conflito de interesses entre acionistas e administradores quanto ao uso dos recursos da empresa.

Provavelmente os autores não tocam nesse tema, mas eleições em clubes de futebol seguem uma lógica parecida com a desenvolvida pelos autores. E aqui temos uma situação peculiar, onde os principais, que são os torcedores, na maioria das vezes não são nem intercambiáveis, ou seja, não tem o mínimo poder de escolher o presidente do clube. Pelo pouco que sei da política clubística, os presidentes são eleitos pelos sócios do clube, que não são tão numerosos. Então, temos poucos intercambiáveis e menos ainda essenciais. O líder precisa então convencer poucas pessoas para se manterem no poder e mantê-los fiéis com distribuição de benesses com o dinheiro do clube. Grupos de sócios costumam ser formados e a tarefa do líder fica facilitada precisando negociar com alguns grupinhos para formar a sua coalizão vencedora.

Mas a base de apoio necessária para o líder se manter no poder pode incluir outras pessoas, como membros de conselho deliberativo e outras coisas. Como disse, não entendo muito de política de clubes. Mas tem um elemento essencial para manter o líder no poder, que são as torcidas organizadas, que recebem várias regalias como ingressos e passagens aéreas. Enquanto tiverem isso e o time estiver indo bem, irão apoiar o líder. Do contrário, podem se revoltar contra ele e isso pode causar um grande estrago no clube, até literalmente. Dessa forma, o presidente de clube precisa descobrir quem são os essenciais e como comprar a sua lealdade, como em outros contextos, com a diferença que temos um elemento para-essencial, por assim dizer, que consegue fazer parte da coalizão vencedora sem sequer ser um intercambiável.

Paraísos Fiscais
O último tópico adicional que gostaria de abordar é o dos paraísos fiscais. São países que facilitam a entrada de capital estrangeiro oferecendo tributação baixa ou nula, sigilo bancário e baixa ou nula aplicação das leis internacionais de prevenção ao crime de lavagem de dinheiro. Antes que alguém pergunte, não, o Brasil não é um paraíso fiscal, aliás, tem uma boa legislação contra a lavagem de dinheiro e um sistema bancário bastante evoluído.

Por que políticos, empresários, ditadores e outros tipos mandam dinheiro para paraísos fiscais? Das vantagens mencionadas, baixa tributação é bom, mas não é o principal. O essencial de tudo é o sigilo e a possibilidade de lavar dinheiro. Paraísos fiscais podem ser utilizados para fins justificáveis e sem haver nenhum crime envolvido, muitas empresas sérias mantêm operações offshore nesses países, mas também são muitos utilizados para lavar dinheiro. Como isso ocorre? Imagine que você seja o ditador do jogo Tropico. Você desvia dinheiro dos cofres públicos para a sua conta pessoal. Ou seja, há um crime antecedente, que é a corrupção. Você quer depositar esse dinheiro fora do país porque não acredita nas instituições do seu país e porque o que você quer comprar não tem no país. Não poderia depositar em um país que não seja paraíso fiscal, porque eles irão questionar a origem do dinheiro. Na prevenção à lavagem de dinheiro, os bancos e seus profissionais precisam questionar a origem do dinheiro movimentado seguindo o princípio do Conheça o seu Cliente. Se você, agora falando do você de verdade, não o ditador hipotético do Tropico, entrar no banco com uma maleta com um milhão de reais para depositar, vão perguntar a origem do dinheiro e podem até se recusar a aceitar o depósito se você não der uma boa justificativa. Além do mais, vão te reportar ao COAF, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, e você pode ter problemas. Os bancos são muito atentos quanto ao crime de lavagem de dinheiro e procuram seguir a legislação nesse ponto, porque isso representa um risco legal e um risco de imagem. Os próprios profissionais precisam se atentar a isso, pois podem ser co-responsabilizados pelo crime. Na lavagem de dinheiro, “eu não sabia” não é justificativa: você é obrigado a conhecer o seu cliente.

Então, não é uma boa tentar depositar dinheiro ilícito em bancos que seguem as normas internacionais de prevenção à lavagem de dinheiro. Então, o corrupto precisaria enviar dinheiro para países que não questionam a origem do dinheiro. Melhor ainda, que permitam manter em sigilo a identidade do depositante. Ou seja, não pagar imposto é bom, mas para o corrupto, melhor ainda é poder levar o dinheiro para um lugar seguro de onde ele poderá posteriormente dar aparência de legalidade e utilizar para comprar mansões no exterior, Ferraris, festa com supermodelos etc.

Bom, eram esses os pontos que eu gostaria de acrescentar e que serão úteis para entender melhor o livro O Manual do Ditador.