terça-feira, 19 de agosto de 2014

O Manual do Ditador (#1) - Introdução




Vou começar uma série diferente. Nela, vou jogar Trópico 5 e falar sobre o livro O Manual do Ditador, de Bruce Bueno de Mesquita e Alaistair Smith. Esse é basicamente um livro sobre como os líderes conquistam o poder e o mantém, o que abrange ditadores, políticos em democracia e até presidente de empresas.

A abordagem dos autores é não tentar considerar malfeitos políticos como casos isolados, frutos de um mau caráter, ou como cultura nacional, e sim resultado de escolhas pessoais que outros fariam se tivessem a mesma oportunidade. Nesse sentido, é um livro que não traz respostas fáceis ou um alívio para as nossas aflições com políticos. É um livro sobre como a política é, não como deveria ser nem como ela poderia ser melhorada.

A introdução do livro conta com um exemplo emblemático, o de Robert Rizzo, administrador de uma pequena cidade nos Estados Unidos. Superficialmente, a sua gestão, que durou dezessete anos, parecia boa. O município de Bell era pobre, estando nos subúrbios de Los Angeles e composto majoritariamente por hispânicos e latinos. As estimativas de renda per capita variavam de entre US$ 10 mil e US$ 25 mil, com um quarto da população vivendo abaixo da linha da pobreza.

Mesmo assim, durante a gestão de Rizzo, Bell manteve índices de criminalidade abaixo da média. A prefeitura mantinha um programa eficiente de habitação e de auxílio em consertos de residências. A população parecia feliz. O orçamento estava equilibrado, ótima situação em comparação com o estado de quase falência de antes de Rizzo, como contaria o prefeito da cidade, Oscar Hernandez.

Tudo parecia ótimo. O problema é que Rizzo recebia US$ 72 mil por ano quando começou o trabalho e viria seu salário aumentar para US$ 787 mil por ano em 2010, quando seria retirado do cargo, sendo que se fosse corrigido pela inflação deveria ser de US$ 108 mil. Para termos de comparação, o salário do presidente dos Estados Unidos é de US$ 400 mil, então ele ganhava quase o dobro do Obama e do Bush antes dele.

O primeiro impulso é pensar que ele tinha conseguido ilegalmente esse salário. Mas não era por ai e não era um caso isolado na cidade. Os conselheiros municipais ganhavam em torno de US$ 100 mil, o que era metade do salário do governador da Califórnia, quando a média para cidades como Bell era em torno de US$ 5 mil.

O que possibilitou o estabelecimento desses salários foi a aprovação em 2005 de uma lei municipal transformando a cidade em charter-city, com independência das leis do seu estado. Antes disso, a Califórnia tinha editado uma lei para limitar a remuneração dos conselheiros municipais. Um plebiscito foi realizado e a maioria das pessoas não se deu ao trabalho de comparecer, a medida passando por 336 votos a favor e 54 contra em uma cidade de 36 mil habitantes. Dessa forma, o orçamento da cidade ficaria na mão de poucas pessoas. A forma como o dinheiro seria gasto e arrecadado estava na mão de poucas pessoas agindo com pouca transparência, o que é sempre um incentivo a se locupletar com o cargo. Para piorar, os conselheiros municipais são eleitos, mas pouquíssima gente se importava em votar, na medida em que era facultativo. Dessa forma, os conselheiros eram eleitos precisando de uma pouquíssima quantidade de votos. Isso permitia que as mesmas pessoas fossem eleitas e um pacto entre elas de manter segredo sobre as falcatruas pudesse ser feito.

Esse exemplo ilustra as regras da política segundo Mesquita e Smith. Primeiro, a política é toda sobre ganhar poder e mantê-lo. Segundo, a sobrevivência é melhor assegurada quando depende de um pequeno número de pessoas. Terceiro, quando os compadres do líder sabem que há um grande número de pessoas só esperando a sua chance de se locupletar, o líder tem mais poder de taxação e de decidir como gastar o dinheiro dos impostos. Quarto, dependência de uma pequena coalização libera os líderes para taxar e gastar mais.

Isso vale para ditaduras e também para democracias, como vimos no exemplo de Bell. Rizzo agiu de forma muito parecida com um ditador, e conseguiu se manter tanto tempo no cargo agindo exatamente como um em um ambiente democrático. Os autores argumentam que precisamos esquecer fatores como cultura nacional ou ideologia. Eles afirmam que em todo lugar e em qualquer época, política é sobre conquistar e manter poder e controlar o máximo da receita nacional possível, ou seja, é sobre como líderes buscam os seus próprios objetivos.

O primeiro capítulo do livro aborda os princípios da política em maiores detalhes e o restante do livro aplica esses princípios para situações específicas. A análise dos autores abrange principalmente ditaduras, mas os mesmos princípios se aplicam a democracias e também para contextos fora da política governamental, como empresas, máfia e outros.

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