A batalha de Sekigahara foi um conflito importante
na história do Japão, marcando a transição entre o Período Sengoku (período dos
estados beligerantes, em uma tradução livre) e o período Tokugawa (mais
conhecido como período Edo). Então, antes de falar sobre a batalha, precisarei
fazer uma breve introdução do contexto histórico.
A Era Sengoku foi marcada por guerras e disputas
políticas pelo poder no Japão. O lendário Oda Nobunaga daria o primeiro passo
para a unificação do país e seria sucedido por Toyotomi Hideyoshi. O período
entre 1568 e 1600 seria conhecido como Azuchi–Momoyama em referência aos
castelos de Nobunaga e Hideyoshi respectivamente e foi um período relativamente
tranquilo da história do Japão.
Essa paz seria rompida justamente com a morte de
Hideyoshi, ou, de forma mais ampla, durante os seus dois últimos anos de vida
no leito de morte. Hideyoshi ocupava o cargo de kanpaku, uma espécie de
primeiro-ministro civil e conselheiro chefe do imperador, mas na prática ele
era o senhor do Japão. Em 1592, ele transferiu o seu cargo para seu filho
adotivo, Hidetsugu, e adotaria o título de taikô, ou regente aposentado.
Em 1593, nasceria o filho de Hideyoshi, Hideyori, o
que azedaria a relação de Hideyoshi e Hidetsugu, a ponto do kanpaku ser deposto
e convidado a realizar o seppuku por conta de acusações de que tramaria contra
Hideyoshi. Em 1598, adoeceria e, temendo pela vida de seu filho, convocaria
seus vassalos mais poderosos e afluentes, entre eles Tokugawa Ieyasu, Maeda
Toshiie, Uesugi Kagekatsu, Môri Terutomo e Ukita Hideie. Ele os fez prometer
que apoiariam o seu filho (até então com cinco anos) como se fosse ele próprio.
Toshiie e Ieyasu ficariam responsáveis pela criação de Hideyori. Dessa forma,
um concílio de cinco regentes (tairôs) governaria o Japão até que Hideyori
alcançasse a maioridade, os regentes devendo trabalhar com cinco comissários
(bugyô) indicados por Hideyoshi para supervisionar os regentes.
Pouco tempo depois, Hideyoshi morreria. Ieyasu iria
para o castelo Fushimi, uma das fortalezas favoritas de Hideyoshi, e era visto
como um potencial usurpador. Ishida Mitsunari, um dos comissários, tramou
contra Ieyasu ao visitar Maeda Toshiie e pedir seu apoio para enfraquecer a
posição de Ieyasu. Hosokawa Tadaoki, amigo de Toshiie e Ieyasu, vi que essa
situação iria beneficiar Mitsunari, uma vez que com Ieyasu descartado e tendo
em conta que Toshiie não viveria muito mais e que seu filho era muito jovem, o
caminho ficaria livre para Mitsunari assumir o poder. Com isso, convenceu Maeda
Toshinaga, filho de Toshiie, a pedir ao pai que não se opusesse a Ieyasu.
Ieyasu continuaria sofrendo oposição dos regentes,
mas não se curvaria a isso, sendo o daimyo mais poderoso da época. Mitsunari
tentaria assassina-lo, mas o plano fracassaria e Mitsunari teria que fugir de
Osaka disfarçado de mulher para não ser eliminado pelos generais de Ieyasu. O
local de fuga é o mais inesperado de todos, o castelo de Fushimi, onde Ieyasu
estava. Mitsunari foi até lá para pedir proteção e Ieyasu aceitaria. É um tanto
controverso os motivos que levaram a essa decisão, mas vamos dizer que Ieyasu
preferia um inimigo que já conhecia do que uma nova ameaça desconhecida. Ieyasu
mandaria que Mitsunari retornasse para sua casa, o castelo de Sawayama, sob os
olhos atentos de Tokugawa Hideyasu, seu filho.
Maeda Toshiie morreria em 1599. Hosokawa Tadaoki
convenceria um dos filhos de Toshiie, Toshinaga, a ficar do lado de Ieyasu. A
posição de guardião físico de Hideyori era de Toshiie e Ieyasu tomaria esse
cargo para si e se mudaria para Osaka, o que enfureceria ainda mais os demais
regentes e comissários. Enquanto estava em campanha contra um senhor revoltoso,
Uesugi Kagekatsu, Mitsunari se juntaria com cinco comissários e três dos outros
quatro regentes (a exceção sendo Toshinaga, que herdou o cargo de Toshiie) e
enviaria uma reclamação formal contra Ieyasu. Todas as reclamações estavam
corretas, mas Ieyasu não se importaria com isso e entenderia como uma
declaração de guerra, e não se sabe ao certo se era essa a intenção de
Mitsunari e os demais. (7)
Os daimyos se alinhariam com um dos lados, o de
Mitsunari, que seria conhecido como o Exército Ocidental, e o dos Tokugawa, o
Exército Oriental. Os dois lados tramariam os seus planos e a batalha decisiva
seria travada em um estreito vale, Sekigahara.
Comandantes
Opostos
No exército oriental, o principal comandante era
Tokugawa Ieyasu, senhor da região de Kantô, moderna Tóquio e redondezas, era um
descendente do poderoso clã Minamoto, que já não existia na época, mas cujas
várias ramificações ainda eram poderosas no Japão. Ieyasu era o daimyô mais
poderoso da época, com 2,5 milhões de koku, uma medida monetária, com 1 koku
equivalendo à quantidade de arroz necessária para manter um homem por um ano.
Seu rival mais próximo possuía menos da metade dele e tanta riqueza
naturalmente se converteria em influência e poder, Ieyasu possuindo o maior,
mais bem treinado e mais leal exército do Japão.
A posição de regente (ou tairô) era até pouco para
tamanho prestígio. Ieyasu deixaria passar muitas oportunidades de tomar o poder
no Japão desde a morte de Nobunaga. Poderia ter sido aquele que vingou a morte
de Nobunaga, mas Hideyoshi chegou primeiro e essa seria uma oportunidade
perdida. Ieyasu era paciente, no entanto, e aguardaria até a hora certa, que
chegou com a morte de Hideyoshi. Ieyasu tinha 58 anos na época e tinha passado
por mais ou menos 50 batalhas. Era também bastante ativo na diplomacia,
realizando diversas alianças através de negociações e casamentos.
Lutando ao lado de Ieyasu, tínhamos Katô Kiyomasa,
um valente general de 38 anos. Era um amigo próximo de Hideyoshi e foi um
choque para muitos que ele tenha se alinhado com Ieyasu, e não com os
legalistas. Sua posição era menos a favor de Ieyasu ou contra Hideyori e mais
um fruto de seu ódio por Mitsunari, que sujou a honra de Kioyamasa na campanha
Coréia em diversas ocasiões. Ele não participaria da batalha de Sekigahara, mas
foi importante para conter levante dos legalistas.
Katô Yoshiaki, que também serviu na Coréia, também
era vassalo de Hideyoshi, também odiava Mitsunari, mas não era parente de
Kiyomasa, também se aliaria com Ieyasu. Ii Naomasa contribuiu com a campanha
com 3.600 homens vestidos de forma assustadora com uma armadura vermelha, seus
homens sendo conhecidos como os diabos vermelhos de Ii.
Já no exército ocidental, oposto a Ieyasu, Ishida
Mitsunari era o comandante em chefe de fato do exército legalista. Ele era
descendente dos Fujiwara, que chegaram a controlar o governo civil do império.
No entanto, estava muito distante de ter a riqueza ou a influência de Ieyasu.
Ele era um dos cinco comissários escolhidos por Hideyoshi e desempenhou bem a
sua função. Mitsunari era leal a Hideyoshi e depois de sua morte a Hideyori.
Muitos apontam que ele tinha a sua própria agenda, mas o fato é que ele atuou
para assegurar o direito de Hideyori de governar. Não hesitava em tramar e usar
de métodos escusos, tendo tentado assassinar Ieyasu em diversas ocasiões e
tendo tomado reféns, o que resultou na morte brutal da esposa de um dos aliados
de Ieyasu. Tomar reféns para negociar era dado como legítimo, mas matar os
reféns, ou deixar que eles se matassem, tornou Mitsunari mal visto pelos outros
senhores feudais e o fez perder apoio. Dito assim, parece que Mitsunari era um
cara durão, mas a verdade é que ele ascenderia na hierarquia social não por
suas proezas militares, laços familiares ou diplomacia, mas por ser muito bem
versado na arte de servir chá. Não vamos entrar em detalhes sobre porque isso
era tão importante, basta dizer que os militares apreciavam isso, Hideyoshi
gostou de Mitsunari e o colou em seu círculo íntimo.
O feudo pessoal de Mitsunari era a província de
Ômi, em Honshu, e seu castelo ficava em Sawayama, com várias estradas passando
pelo coração da região de Honshu e que teria um grande papel no conflito.
Mitsunari não era visto como um grande guerreiro, pelo contrário, Kioyamasa o
considerando um civil se metendo em assuntos militares. Ele podia comandar um
exército, mas sem grande destreza, e o próprio Hideyoshi o colocou em posições
administrações, não no comando de exércitos. Porém, era exatamente o que faria
na campanha de Sekigahara.
Môri Terumoto era o comandante em chefe nominal dos
legalistas no exército ocidental, apesar de ter muito mais berço, dinheiro e
influência do que Mitsunari. Terumoto tinha que tomar muito cuidado com a
decisão de quem apoiaria, mas seria convencido por um de seus principais
conselheiros a apoiar a causa de Hideyori. Quando ingressou na aliança
anti-Tokugawa, atraiu o apoio de muitos outros, que pediriam para que Mitsunari
abrisse mão do poder em prol de Terumoto. Acabaria aceitando, mas no fim das
contas era Mitsunari quem era o verdadeiro comandante. Terumoto ficaria no
castelo de Osaka, o quartel-general da facção Toyotomi, o que o tornava o
comandante nominal, mas o deixava longe demais da batalha para ser o comandante
de verdade.
Para Terumoto, não era tão ruim assim, uma vez que
ele corria menos risco de morte, tanto física quanto política, podendo se
beneficiar no caso de vitória e não perder tudo no caso de derrota. O seu
segundo em comando nominal era Ukita Hideie, velho amigo de Hideyoshi e um dos
cinco regentes escolhidos para proteger Hideyori. Konishi Yukinaga era um dos
mais poderosos daimyô cristãos e tinha uma grande rivalidade com Kiyomasa, que
odiava cristãos, mas que tinha que dividir muitas coisas com ele, de comando
militar na Coréia até o próprio feudo.
Esses são os comandantes que ficaram sempre leais a
suas facções, mas temos ainda os vira-casacas que mudaram de lado ao longo da
campanha. O principal deles, Kobayakawa Hideaki, que traiu Mitsunari, pode ser
apontado como aquele que virou a batalha a favor de Ieyasu. É curioso que uma
guerra com tantos senhores feudais experientes e ricos possa ter sido decidida
pelas emoções de um jovem de 19 anos. Ele era primo da esposa de Hideyoshi e se
tornaria filho adotivo. Era ainda neto de Môri Motonari e primo de Terumoto, o
que o colocou com um pé em cada lado do conflito. Com apenas 15 anos, já era
comandante militar na Coréia tendo como conselheiro Kuroda Yoshitaka, que cuidou
dele quando pequeno. As coisas não dariam muito certo para Hideaki, que
voltaria para casa em desgraça, inclusive com Hideyoshi, denunciado como
incompetente por parte de Mitsunari. Ieyasu interviria e reconciliaria Hideaki
com seu pai adotivo e Hideaki nunca esqueceria o favor que devia a Ieyasu ou a
ideia de se vingar de Mitsunari.
Durante o conflito com Tokugawa, Mitsunari
prometeria a Hideaki que o faria kanpaku e colocaria Hideyori aos seus
cuidados. Ieyasu, por sua vez, prometeria dois domínios para ele. Indeciso,
perguntaria para a sua mãe adotiva o que deveria fazer. Ela diria a Hideaki que
seguisse a sua consciência, e que a sua consciência deveria dizer a ele para
seguir Ieyasu. Mas, no fim, iria para a guerra com o exército ocidental da
facção Toyotomi, ainda indeciso sobre em quem confiava mais. Era tido como uma
criança muito inteligente e estava diante da decisão mais importante da sua
vida.
Exércitos
opostos
É um pouco complicado falar em organização militar
no Japão, que não tem nada como uma estrutura militar como vemos no Ocidente.
Cada daimyô comandava os seus próprios homens e os líderes tentavam organizar
os daimyôs para agir em conjunto, o que nem sempre dava certo. É como se cada
daimyô fosse o comandante de uma divisão, porém, com um número variável de
homens dependendo do poder de cada um. Para piorar, havia muitos conflitos
internos nessa estrutura descentralizada, com daimyôs discutindo até quase as
vias de fato sobre quem deveria atacar uma determinada posição. Por tudo isso,
era difícil coordenar os combatentes e isso prejudicava muito o Japão em
campanhas no exterior e é bem possível que eles pudessem ser mais dominantes se
fosse mais bem organizados. E Ieyasu parecia entender essa situação e por isso
que decidiu agir com cautela, para que chegasse a hora certa em que as suas
ordens tivessem mais chances de serem seguidas.
Na parte dos equipamentos, alguns daimyôs davam
mais, outros menos equipamentos, alguns davam dinheiro para que os soldados
adquirissem armas e armaduras e por ai vai. Na parte decorativa, havia uma
diversidade ainda maior. Em geral, os soldados rasos, ashigaru, vestiam a
armadura dô, o elmo kabuto e o kote, uma proteção para o braço, além de
proteção para as pernas (suneate) e para as coxas com uma espécie de avental
chamado haidate. Cada unidade, vamos chamar assim, tinha o seu próprio
estandarte com o símbolo do seu clã, chamado de sashimono.
A principal arma era a lança yari, o tamanho
variando de clã para clã. As armas secundárias eram duas espadas, uma longa, a
katana ou tachi, e a menor, a wakizashi. Alguns usavam ainda punhais, que
também eram utilizados para remover a cabeça dos inimigos derrotados para
servir como troféu. Os soldados mais pobres no mínimo tinham uma espada longa e
um ou dois punhais. Arcabuzes, chamados de teppô tai, introduzidos pelos
portugueses, eram utilizados. Essa arma mudou a forma de se fazer guerra,
possibilitando que um soldado raso matasse um daimyô de uma longa distância e
também suplantando os arqueiros, que ainda existiam, mas em menor número.
E vamos agora falar sobre a batalha de Sekigahara,
ou, se preferir, a campanha de Sekigahara, já que tivemos uma série de batalhas
entre os exércitos Oriental e Ocidental antes do grande desfecho. O começo das
hostilidades começou em maio de 1600, com Uesugi Kagekatsu de Aizu aumentando
as defesas de seu castelo, entendido como uma provocação por Ieyasu, que
pediria explicações sem obter resposta. Kagekatsu atentaria contra a vida de um
dos mensageiros de Ieyasu sob a acusação, talvez acertada, de ele ser um
espião. Ieyasu exigiria explicações de Kagekatsu, ordenando que fosse a Osaka
pessoalmente falar com ele.
Sem obter resposta, Ieyasu entenderia que devia
fazer uma campanha militar contra Kagekatsu e o faria em julho de 1600. Ieyasu
ordenaria que os seus principais aliados partissem de Osaka e retornassem a
seus castelos para se prepararem para a guerra. Kagekatsu estava seguro de que
seu aliado, Mitsunari, agiria rapidamente para atacar a retaguarda do inimigo.
Por isso, enquanto Ieyasu saia de Osaka, Kagekatsu atacaria só para ser
surpreendido por um contra-ataque de aliados de Ieyasu, que conseguiram conter
Kagekatsu.
Ao mesmo tempo, Mitsunari faria um conselho de guerra
em seu castelo em Sawayama com vários de seus aliados. Ele estava certo de que
Ieyasu atacaria Kagekatsu primeiro e estava contando com isso. Ieyasu, por sua
vez, continuava a sua marcha em direção a leste de Osaka. Chegaria em Edo em
agosto e ficaria até o começo de setembro, quando iria para Oyama ao norte com
um exército de 50 mil homens.
Como era esperado por Ieyasu, forças legalistas
atacaram o castelo de Fushimi de um amigo pessoal de Ieyasu, Torii Mototada,
que tinha recebido Ieyasu em um clima de despedida, já que era claro para ambos
que Fushimi seria o primeiro alvo de Mitsunari. Além do mais, capitular não era
uma opção, Mototada tinha que segurar o exército ocidental o quanto pudesse. E
estava segurando, porém, um traidor que tinha esposa e filhos como reféns por
Mitsunari acabou ateando fogo no castelo, prejudicando mortalmente as defesas.
No fim, os samurais que defendiam o castelo cometeriam suicídio quando a
derrota já era clara. Mitsunari tomaria Fushimi, mas perderia 3 mil homens no
ataque. Após tomar Fushimi, Mitsunari pôde se encontrar com seus aliados no
castelo de Ôgaki para uma marcha rumo nordeste para atacar o exército de Ieyasu
pela retaguarda.
Os castelos de Kiyosu e Gifu tinham uma posição
estratégica ao estarem próximos das estradas de Tôkaido e Nakasendô, rota para
diversos pontos chaves e, por isso, era essencial controlar essa posição. Cada
castelo estava de um dos lados, Ôsaki Genba controlando o castelo de Kiyosu em
nome de Fukushima Masanori, aliado de Ieyasu. O neto de Oda Nobunaga, Oda
Hidenobu, criado por Hideyoshi, estava encarregado de Gifu. Seus conselheiros
sugeriram que ele ficasse do lado de Ieyasu, mas acabaria servindo aos
legalistas.
Ieyasu mandaria 16 mil homens para assegurar Kiyosu
e depois tomar Gifu, enviando mais 15 mil homens posteriormente e depois mais
36 mil homens sob o comando de seu filho, Hidetada. Todas essas forças
convergiriam para Mino, onde Ieyasu os encontraria e assumiria o comando. Gifu
acabou sendo tomada em 28 de setembro e Oda Hidenobu se refugiaria nos
monastérios no topo das montanhas. Em 7 de outubro, Ieyasu sairia de Edo com 30
mil homens em marcha forçada rumo ao oeste.
A campanha de Sekigahara envolveria algumas
batalhas fúteis que distraíram ou mesmo removeram homens da batalha principal.
Uma delas foi o cerco do castelo de Tanabe, onde Hosokawa Yûsai estava
refugiado. Ele era um homem já de certa idade, muito respeitado por seus
conhecimentos e pela sua poesia, inclusive pelo próprio imperador. Ele
declararia apoio a Ieyasu e seria atacado pelos legalistas. Yûsai pediria um
cessar fogo para remover livros de poesia de seu castelo, um tesouro
inestimável que poderia se perder na batalha. Os inimigos não apenas deixaram
que isso fosse feito, mas eles mesmos não mostrariam muita vontade de enfrentar
Yûsai, esquecendo de carregar os canhões usados no cerco. No fim, o imperador
interviria e pediria para que Yûsai se rendesse. O que seria uma vitória dos
legalistas foi uma derrota, já que o cerco deixou 15 mil homens do exército
ocidental muito longe de Sekigahara para poderem agir na batalha.
Outra batalha inútil foi a do castelo de Ueda, onde
o terceiro filho de Ieyasu, Hidetada, marchava com seus 36 mil homens para
dissimular um ataque ao castelo de Ueda. Porém, ao invés disso, Hidetada
resolveu tentar tomar o castelo contra um comandante muito mais experiente. No
final das contas, o castelo seguraria e Hidetada chegaria em Sekigahara, mas
tarde demais. O cerco ao castelo de Otsu, que tinha importância estratégica
para os dois lados, teve ares de comédia. Forças de Ieyasu precisavam defender
o ataque dos legalistas, e a batalha seria uma apresentação teatral para os
residentes de Kyôto, que ficaram assistindo a batalha. Takatsugu, que defendia
o castelo, mandaria um ninja roubar estandartes inimigos, o que ofendeu Môri
Motoyasu, que teve os estandartes roubados, e confundiu seu aliado, Tachibana
Muneshige. O cerco continuaria e os legalistas tomariam o castelo em 21 de
outubro, ou seja, após a batalha de Sekigahara, retirando 15 mil homens do
campo de batalha principal.
Voltando ao tópico principal, a chegada das forças
legalistas em Ogaki foi lento e o avanço de Ieyasu, ao contrário, foi rápido
para grande surpresa de Mitsunari. Tendo controle total da região, Ieyasu pôde
chegar em Kiyosu e Gifu sem ter que passar por Mitsunari. Depois, chegaria em
Akasaka no dia 20 de outubro, portanto, véspera da batalha de Sekigahara.
Akasaka era uma pequena vila próxima de Ôgaki, teoricamente em posição de
atacar o castelo.
Mitsunari e seus aliados ficaram preocupados com um
iminente ataque e ponderariam o que fazer. Shima Sakon e Akashi Masataka
levariam combinados 1300 homens para testar o inimigo. Em uma série de pequenos
conflitos, escaramuça, se preferir, o episódio foi o primeiro no qual os corpos
principais dos exércitos se encontraram, mas não serviram para mais nada além
de animar o dia.
Mitsunari sabia que estava em posição delicada. Ele
precisava encontrar um ponto por onde atacar Ieyasu tendo em vista proteger
Ôsaka e Sawayama, não Ogaki. Seus conselheiros sugeriram um ataque noturno, que
seria um estratagema sórdido e Mitsunari descartaria a ideia com a sua típica
delicadeza, ofendendo Shimazu Yoshihiro, que havia sugerido a ideia. Não foi
exatamente uma resposta grosseira, mas Yoshihiro não gostou das palavras de
Mitsunari. A chegada de um de seus últimos aliados, Kobayakawa Hideaki, daria
uma ideia para ele. Hideaki tinha tomada posição em uma pequena vila em um vale
na estrada de Nakasendô. Essa era a posição perfeita para interceptar Ieyasu e
barrar o seu caminho e esse vale era justamente Sekigahara. Deixaria 7500 homens
guardando Ogaki e iria para Sekigahara aguardar o inimigo.
No chuvoso 21 de outubro de 1600, os dois exércitos
partiriam para o confronto definitivo. As movimentações se deram de madrugada,
o que obviamente prejudicou a movimentação e a visibilidade, e só a disciplina
e o treinamento dos samurais é que garantiriam o sucesso de tão difícil
movimentação. Mitsunari encontraria Hideaki em sua posição em Sekigahara e
pediria para que ele se posicionasse de forma a atacar o flanco do exército
oriental caso seja necessário. Mitsunari planejava emboscar Ieyasu e
encaixotá-lo em Sekigahara. Nesse momento, o comandante do exército ocidental
estava confiante, finalmente em uma posição superior e tendo superioridade
numérica.
Mitsunari estabeleceria sua posição de comandando
no Monte Sasao, enviando metade de suas forças para a vila de Oseki e os demais
ficando com ele. O restante do exército ocidental tomaria posição e ficariam em
uma formação de asas de grou, espalhados pelo terreno prontos para cercar o
inimigo.
Ieyasu ouviria os relatos de movimentação do
exército ocidental e entenderia qual era o plano de Mitsunari. De madrugada,
também marcharia com o seu exército, indo em direção oeste pela estrada
enlameada de Nakasendô. Tomando um caminho mais direto, Ieyasu chegaria em
Sekigahara praticamente na mesma hora de Mitsunari e estabeleceria seu
quartel-general no Monte Momokubari. O exército oriental também chegaria ao
campo de batalha e ao amanhecer os dois lados estavam nas posições pretendidas,
com por volta de 85 mil homens de cada lado, número que poderia ser maior se
tantos não tivessem ficado presos em outras partes do Japão em batalhas
secundárias.
Quando a névoa que cobria o campo de batalha
dispersou, os dois exércitos veriam quão próximos estavam um do outro, a uma
distância de alguns minutos de corrida. O primeiro movimento ofensivo veio de
tropas montadas do exército oriental, os diabos vermelhos de Naomasa, se
dirigindo contra a posição de Ukita Hideie. Por sinal, a lenda diz que o
lendário Miyamoto Musashi lutou nas fileiras de Hideie, mas não há confirmação
disso. De todo modo, houve uma disputa entre quem deveria tomar a frente, se
Naomasa ou Kani Saizô em uma das disputas internas de poder que mencionei nesse
vídeo, mas os dois acabariam juntando forças para atacar a posição de Hideie.
Depois, a batalha se transformou em um caos, sem
nenhuma grande estratégia de qualquer dos lados que não seja “mate o inimigo”.
Em especial, Hideie e Yoshitsugu estavam recebendo ataques mais pesados por
parte dos aliados de Ieyasu. O comandante do exército oriental aproveitaria
para mover seu quartel-general para mais próximo da posição de Mitsunari, que
também estava sob intenso ataque do exército oriental.
A artilharia de Ieyasu estava em um dia
particularmente bom. Os arcabuzes foram movidos para o flanco direito da linha
de frente de Mitsunari para apoiar o avanço dos samurais do exército oriental.
O momento era melhor para as forças de Ieyasu, que continuavam pressionando
contra forças de Mitsunari que não queriam recuar. O exército ocidental tentou
usar canhões contra o inimigo, o que não era muito adequado, já que canhões
eram usados mais contra muralhas do que contra pessoas, mas eles esperavam que
pudesse ter um efeito psicológico. E funcionou, com as forças de Ieyasu
recuando um pouco, levando pressão das forças de Mitsunari, que logo retomariam
a defensiva após contra-ataques.
A batalha seguiria com os dois exércitos se
enfrentando, com o oriental tentando quebrar a defesa do ocidental. O campo de
batalha se tornaria altamente caótico com o intenso uso de arcabuzes, cuja
fumaça negra transformou o dia em noite. Por volta das 10 horas, após duas
horas de combates, Ieyasu decidira avançar para mais perto da posição de
Mitsunari. Ieyasu parecia confiante, mas episódios de raiva, que inclusive
feriram aliados seus, mostravam o contrário. Ieyasu se perguntava o que o
inimigo estaria fazendo, já que nem metade do exército ocidental entrou em
combate. Por exemplo, Shimazu Yoshihiro, aquele que sugeriu um ataque noturno e
se ofendeu com a resposta de Mitsunari, ficou parado mesmo quando o inimigo se
aproximou de sua posição. Precisou que o próprio Mitsunari fosse falar com
Yoshihiro para que ele explicasse o seu comportamento e Yoshihiro diria que
nesse tipo de batalha cada unidade deve tomar as suas próprias decisões, e
Mitsunari só podia confiar que Yoshihiro entrasse em batalha em algum momento.
Os legalistas sofreram com o pesado ataque da
facção Tokugawa, mas sob a liderança de Hideie conseguiram se manter e empurrar
para trás o inimigo. Foi tão bem sucedido que atrapalhou os planos de
Mitsunari, que era encaixotar Ieyasu com um ataque pelo flanco com Hideaki e
pela retaguarda com os homens de Môri Terumoto, que estava no castelo com
Hideyori e diziam ter um pacto com Ieyasu. Hideie empurrou tanto para trás o
exército oriental que impossibilitou um ataque pelo flanco.
Por volta das 11, Mitsunari examinaria o campo em
Monte Sasao e decidiu que era hora de um ataque decisivo para esmagar o
inimigo. Hideie passou a ser empurrado de volta pelas forças de Ieyasu e
Mitsunari veria que essa era a hora de chamar Hideaki para a batalha. Ele
acenderia o fogo como aviso para Hideaki, mas nenhum ataque veio. Primeiro
Shimazu, agora Hideaki também? O clã Môri também o abandonou? Certamente,
Mitsunari não deveria estar se sentindo confortável com o andamento da batalha.
Outros veriam o sinal, sabiam o que significavam, e também não se moveram.
Mensageiros foram enviados para pedir explicações, e nenhuma resposta seria
dada. O mistério sobre o porque da maior parte do exército de Mitsunari não se
mover, que intrigava Ieyasu, era melhor do que ele esperava.
Ieyasu já tinha um acerto com Hideaki, o problema é
que enquanto Hideaki não ataca o exército oriental, também não atacava o
ocidental. Hideaki era um jovem comandante e provavelmente estava incerto sobre
se deveria ou não trair Mitsunari. Ieyasu ordenaria um ataque de arcabuzes
contra os Kobayakawa e isso parece que acordou Hideaki, que ordenaria um ataque
contra Ôtani Yoshitsugu do exército ocidental. Yoshitsugu, por sua vez, já
esperava a traição de Hideaki assim que notou que ele não se moveu ao sinal de
Mitsunari e já estava se preparando. O problema é que ele já estava sendo
atacado pelo exército oriental e sua posição ficaria comprometida com um ataque
duplo. Sabendo que o fim era eminente, e que fugir não era uma opção, pediria
para um servo, Yuasa Gorô, que o matasse e escondesse a sua cabeça para que não
fosse tomada como troféu. Gorô faria como ordenado, mas a segunda parte seria
desafiadora de se fazer no meio da batalha. Mesmo assim, conseguiria esconder a
cabeça enterrando no solo, para nunca ser encontrada.
Os Kobayakawa venceram os Ôtani com a ajuda de
outros traidores e avançaram contra os Ukita e os Konishi, seus comandantes,
Hideie e Yukinaga, estando despreparados para traições diferente de Yoshitsugu,
e foram massacrados com um ataque pela retaguarda. Com ataques vindos de duas
frentes, o exército ocidental começou a ruir.
A batalha já estava perdida para os legalistas.
Talvez se outras forças que estavam fora da batalha tivessem intervindo, o
resultado poderia ter sido diferente, mas, apesar de serem leais a Mitsunari,
entendiam ser tarde demais. Môri Terumoto também foi decisivo na batalha, pois
se tivesse atacado a facção de Tokugawa poderia ter dado a vitória para os
legalistas mesmo com a traição de Hideaki. A questão agora era se Shimazu,
Hideie, Yukinaga e o próprio Mitsunari seriam capazes de fugir da batalha ou
conseguir a cabeça de Hideaki, como Hideie passou a almejar. No fim, todo mundo
conseguiu fugir de Sekigahara, Shimazu precisando contar com a sorte para
atingir Naomasa com um tiro de arcabuz enquanto Naomasa o perseguia, obstinado
a não deixar que os líderes dos legalistas fugissem.
Vitorioso, Ieyasu seria nomeado Xogum pelo
imperador e teria que decidir o que fazer com seus inimigos. Nada faria contra
Hideyori, já que muitos ainda deviam gratidão ao seu pai e lutaram contra
Mitsunari, não contra Hideyori. No futuro, se voltaria contra o filho de
Hideyoshi, mas não nesse momento de apaziguamento. Mitsunari e Yukinaga seriam
executados, enquanto que Hideie seria mandado para o exílio e Shimazu perdoado.
Hideaki pediria perdão para Ieyasu por ter lutado por Mitsunari e ganharia a
honra de liderar a última parte da campanha de Sekigahara com o cerco de
Sawayama defendido pelo irmão de Mitsunari. Ieyasu não aceitou que Môri Terumoto
tivesse se aliado a Mitsunari, mas não o mataria, apenas removendo feudos de
Terumoto, reduzindo drasticamente sua riqueza. Aos seus aliados, Ieyasu
distribuiria feudos produtivos para recompensá-los, dando feudos piores para os
que se opuseram a ele para comprar a lealdade deles.
A batalha de Sekigahara acabou sendo decidida por
deserções nas fileiras de Mitsunari, mas não pode ser resumida a isso. A
batalha seria diferente se Ieyasu não tivesse feito acordo com aliados de
Mitsunari e adaptaria os seus planos para tal. Temos que considerar que a
batalha opôs um general experiente como Ieyasu e um general inepto como
Mitsunari, que além de não ser muito bom comandando tropas, tinha a antipatia
de seus aliados, que lutavam pelo herdeiro do Hideyoshi, não por Mitsunari.
Mas, no final das contas, Tokugawa Iyeasu foi o vencedor do dia e inauguraria a
Era Edo do Japão, que se estenderia até a Restauração Meiji em 1868.
Nenhum comentário:
Postar um comentário