sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Manual do Ditador (#2) - Regras da Política




No primeiro capítulo do livro O Manual do Ditador, os autores, Mesquita e Smith, mostram quais seriam, segundo eles, as regras da política. Será utilizada aqui a palavra líder para denominar todo aquele que tem poder político, o foco sendo nos ocupantes de cargos públicos, mas podendo ser aplicado também a presidente de empresas, por exemplo.

Primeiro, querem deixar claro que os líderes não podem agir unilateralmente. Por mais que ditadores tenham acumulado e ainda hoje acumulem grande poder, não podem agir totalmente por conta própria e não governam sozinhos. Mesmo para exercer poder absoluto, o líder precisa de um grupo restrito de asseclas com lealdade absoluta a ele, precisa recompensa-los muito bem e assim fazer com que eles também se apeguem ao poder e não tentem tirar o poder dele. O líder precisa se certificar de que seja mais lucrativo para seus seguidores próximos apoia-lo do que apoiar a qualquer outro. Um grande número de pessoas esperando para fazer parte do círculo íntimo do líder é mais um fator a garantir a lealdade de seus asseclas.

A paisagem política pode ser separada em três dimensões: o seletorado nominal, o seletorado real e a coalização vencedora. Os autores usam a palavra seletorado, que não existe, mas ajuda a criar um conceito diferente do eleitorado, já que me parece independer de haver ou não eleições como temos em democracias. Ou seja, o seletorado seria o grupo de pessoas que seleciona o líder, independente de haver eleição. Esse conceito de aplica a democracias e ditaduras igualmente.

O seletorado nominal é todo aquele que tem direito legal de escolher seu líder. O seletorado real é aquele que efetivamente escolhe o líder, pensando aqui nos que efetivamente votam. O mais importante de todos é a coalização vencedora, o subconjunto do seletorado real que compõe a coalização e dá sustentação ao líder e cujo apoio é essencial para a sua sobrevivência. Explicando de outra maneira, o seletorado nominal é o grande conjunto de possíveis apoiadores do líder, o seletorado real inclui aqueles que são realmente influentes e a coalizão vencedora aqueles sem os quais o líder não sobrevive. De maneira mais simples, são respectivamente: os intercambiáveis, os influentes e os essenciais.

No exemplo da cidade de Bell, mostrado no vídeo anterior, o seletorado nominal eram os 9.395 votantes aptos. O seletorado real eram os 2.235 que efetivamente votaram. Os essenciais eram aqueles 473 votos necessários para eleger um membro do conselho municipal. Em uma ditadura, o seletorado nominal pode ser a totalidade da população adulta, mas o seletorado real são aqueles que escolhem os candidatos únicos aos cargos e a coalização vencedora são aquelas pessoas que dão suporte ao vencedor. Nas eleições americanas, o seletorado nominal são aqueles que podem votar, o seletorado real aqueles que compõem o colégio eleitoral (na prática, nominal=real) e a coalizão vencedora o número mínimo de votos no colégio eleitoral necessários para eleger o presidente, que pode representar meramente 20% da população. Em eleições para presidente de empresas, o seletorado nominal são os acionistas, os seletorado real o conselho de administração eleito pelos acionistas e a coalização vencedora o número mínimo de conselheiros para eleger o presidente.

Todo o argumento dos autores ao longo do livro gira em torno dessas três dimensões. A proporção de intercambiáveis, influentes e essenciais é o que vai determinar o que o líder pode e não pode fazer. Isso se aplica a ditaduras e democracias. Nesses termos, ditadura pode ser definida como um pequeno número de essenciais tirados de um grande número de intercambiáveis e um relativamente pequeno número de influentes. Democracias têm um grande número de essenciais com um número maior de influentes quase do mesmo tamanho dos intercambiáveis. Outras formas de governo, como monarquias e juntas militares, têm um pequeno número dos três tipos.

Modificar a quantidade relativa dos três grupos é a arte de governar, segundo os autores, e pode ser feito para obter ou manter o poder. Nos Estados Unidos, há um controverso método chamado de gerrymandering, através do qual são definidos os distritos eleitorais. Essa divisão pode ser manipulada de forma a reduzir o número de essenciais para que o político seja eleito, ou seja, para diminuir o número de pessoas que precisam votar no líder para que ele seja eleito.

Na administração do orçamento, o líder precisa decidir quanto gastar em bens públicos que beneficiam a sociedade e quanto gastar em bens privados para beneficiar uns poucos, incluindo o próprio líder. A questão aqui é a quantidade de pessoas que o líder precisa comprar para se manter no poder.

Em democracias, o custo de se comprar a lealdade através de bens privados é muito elevado, já que o número de essenciais é muito grande. Por isso, precisa investir em bens públicos que melhorem, ou deem a impressão de melhorar, a situação das pessoas. Em ditaduras, é possível investir em bens privados para comprar a lealdade da coalizão vencedora, gastar um pouco em bens públicos para manter o povo longe da revolta e mandar o resto para a sua conta em Cayman. Programas públicos para aumentar o bem-estar da população não devem ser encarados do ponto de vista da benevolência do líder, e sim em termos de manter seus apoiadores felizes e leais.

E nesse ponto, o líder se coloca em um dilema. Para comprar a lealdade de seus seguidores, o líder precisa de dinheiro, que não sai de seu bolso ou da sua conta em Cayman, e sim dos próprios seguidores. E as pessoas não gostam de pagar impostos, embora saibam que algum nível de tributação para serviços essenciais é necessário. Seguindo o raciocínio desenvolvido até aqui, os impostos tendem a ser menor quanto maior for a coalizão vencedora. Precisar comprar poucas lealdades é o caminho para poder explorar os que estão foram da coalizão vencedora.

É importante para o líder saber controlar a sua coalizão vencedora para poder mantê-la a um custo menor. O líder precisa propor aos seus apoiadores mais do que eles poderiam obter apoiando outro líder. Do contrário, outra pessoa receberá o apoio dos essenciais e o líder pode ser deposto. Os soviéticos entendiam muito bem disso, apenas um de seus líderes tendo sido deposto, os outros saíram ao morrer por idade ou doença.

O atual líder tem uma vantagem. Todos sabem que os políticos mentem, então um novo líder prometendo mais recompensas aos essenciais não necessariamente precisa cumprir a promessa. Pode simplesmente ganhar o poder e se livrar dos essenciais, sabendo que eles poderão apoiar outra pessoa no futuro. Há o sério risco do novo líder colocar novos apoiadores na coalizão vencedora, esperando que esses sejam mais leais, e se livrar daqueles que o apoiaram. A pergunta é: como? Ou mandando para o exílio, ou mandando para uma missão suicida ou matando, tanto faz, na verdade. Mandar para o exílio ou para uma missão fadada ao fracasso na Bolívia, digamos, é mais gentil quando o líder tem uma ligação mais afetiva com quem ele quer se livrar, mas no fim dá na mesma. Essa é uma boa maneira de também se livrar de possíveis desafiantes. Então, quem pensa em participar de uma revolução sem ser o líder, muito cuidado para não ser descartado na primeira oportunidade. Quem dá golpe de estado uma vez, pode dar uma segunda vez e o novo líder vai procurar evitar isso.

Além disso, para reduzir o custo de se manter a coalizão vencedora, é necessário ter um bom número de pessoas esperando a sua oportunidade de compô-la. Quando há poucos essenciais para muitos intercambiáveis ou influente, é fácil substituir um essencial, que sabe disso e cobrará pouco para se manter leal.

Com base no que foi visto no primeiro capítulo, é possível formular as regras de sobrevivência política. Regra nº 1: Mantenha a sua coalizão vencedora o menor possível, dependendo de menos pessoas para se manter no poder. Bom exemplo disso é o ditador Kim Jong Il, que se manteve no poder dependendo de um número bem reduzido de essenciais.

Regra nº 2: Mantenha o seletorado nominal o mais amplo possível. Assim, é possível substituir um essencial ou influente problemático por outro mais dócil. Lênin fez um bom trabalho nesse sentido ao adotar o sufrágio universal, sem que isso significasse perda de poder.

Regra nº 3: Controle o fluxo da renda. O ideal seria manter um grande número de pessoas pobres e redistribuir a renda entre os seus apoiadores e para si mesmo. O exemplo dado pelos autores é de Asif Ali Zardari, que acumulou um patrimônio de US$ 4 bilhões e governa um dos países com menor renda per capita.

Regra nº 4: Pague seus apoiadores o suficiente para que se mantenham leais. Uma vez controlando a renda, é possível comprar o apoio de essenciais, só tendo que tomar o cuidado de não pagar demais. Robert Mugabe conhecia muito bem essa regra, aumentando o pagamento a seus apoiadores sempre que surgia a ameaça de um golpe.

Regra nº 5: Não tire dinheiro de seus apoiadores para fazer a vida das pessoas melhor. Entre dar mais dinheiro para o povo ou para os apoiadores, opte pela segunda opção. Um povo faminto é fraco demais para se revoltar. Apoiadores famintos, por outro lado, são extremamente perigosos. Um ótimo exemplo é de Than Shwe de Mianmar, que após o ciclone Nargis controlou a ajuda humanitária e deixou que fosse vendida no mercado negro pelos militares ao invés de deixar que chegasse ao povo.

A pergunta que fica é: isso se aplica para democracias? A resposta é: sim, só que é mais complicado. Não dá para mandar matar os possíveis desafiantes ou apoiadores inconvenientes, por exemplo. Algumas regras ficam difíceis, mas não impossíveis, de seguir. Na primeira regra, o citado gerrymandering serve justamente para reduzir o tamanho da coalizão vencedora. A imigração pode expandir a base de intercambiáveis. As discussões sobre tributação são justamente a respeito da regra nº 3. Programas sociais alvejam seguir a regra nº 4, e favorecer ricos e doadores de campanha a regra nº 5. É só uma questão de imaginação e criatividade.

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