terça-feira, 9 de setembro de 2014

Manual do Ditador (#3) - Extras




Bem-vindos de volta ao Manual do Ditador. Nesse vídeo, vou acrescentar algumas coisas sobre o que tem no livro, que eu acho que ajuda a entender melhor os argumentos apresentados.

Principal-Agente
Os autores não falam isso, mas eu diria que o raciocínio que eles desenvolvem se aplica para situações onde há uma relação de agência, ou seja, quando uma parte é escolhida para agir em nome da outra. Nesse tipo de relação, temos o agente e o principal. O principal é a parte que tem os seus direitos representados e o agente é a parte que toma decisões em nome do principal. Na política, a população é o principal e os políticos os agentes. Nas empresas, os acionistas são os principais e os administradores da empresa os seus agentes.

O grande problema nas relações de agência é que o agente deveria tomar as decisões visando o melhor interesse do principal. No entanto, o agente tem os seus próprios interesses a perseguir e poderá seguir com a sua própria agenda às custas do principal. É um dever ético o agente ter responsabilidades para com aqueles que ele representa, devendo tomar os melhores esforços para perseguir o melhor interesse dos principais, isso constando de lei inclusive. Porém, todos sabemos que isso nem sempre vai acontecer e nunca ocorrerá de forma ideal. A isso denominamos conflito de interesses, quando os agentes atuam de forma a beneficiar a eles próprios em detrimento do principal.

A teoria da agência é bem complexa e existem diversos mecanismos para tentar alinhar os interesses do agente e do principal, de forma a fazer com que o agente faça o melhor para o principal porque isso também o beneficia. De interessante para essa série, temos fato de que o agente buscará obter o cargo e depois mantê-lo e seguindo a teoria dos autores do livro isso será mais fácil nas condições que eles colocam nas regras da política, que expliquei no vídeo anterior. Basicamente, ele tem que descobrir quais são os essenciais para que ele se mantenha no poder e comprar o apoio dele usando dinheiro da instituição que ele representa. Uma vez conseguindo isso, pode se dar ao luxo de ignorar os principais, ou a parcela deles que está fora da coalizão vencedora.

Eleições corporativas
Todo mundo sabe basicamente como uma eleição política funciona. Para empresas, no entanto, talvez não saibam tanto. Primeiro de tudo, temos os acionistas, que são os donos da empresa na proporção da quantidade de ações que possuem, ou cotas se não for uma sociedade anônima. Se a empresa tem ações negociadas na bolsa, qualquer um pode ser acionista da empresa, bastando comprar as ações no mercado.

A ação dá ao acionista dois direitos: o de participar nas assembleias de acionistas e de receber parte dos lucros da empresa, os dois direitos sendo proporcionais à quantidade de ações que possuem. No Brasil, temos a diferenciação entre ação ordinária e ação preferencial. A ação preferencial, em relação à ordinária, tem poderes políticos reduzidos, em muitos casos, nulos, mas com direitos adicionais no recebimento de dividendos. Nos mercados internacionais, há a ação preferencial, mas ela não tem nada a ver com a nossa ação preferencial, e não vem ao caso explicar as diferenças. E há também ações com direitos diferenciados, mas eles chamam isso de ação ordinária de classes diferentes.

Pois bem, as ações com direito a voto permitem participar da assembleia de acionistas e nelas é possível eleger os membros do conselho de administração da empresa. Estes, por sua vez, irão eleger os diretores da empresa, inclusive o diretor-presidente, que é o CEO na nomenclatura em inglês. Em assembleias de acionistas, diferente de eleições políticas, os acionistas têm pesos diferentes e é possível que um reduzido grupo de pessoas possam ter maioria na assembleia. Nesse caso, dizemos que a empresa tem um controlador definido, que pode ser um único acionista ou um grupo de controle. E aqui temos outro conflito, entre acionistas controladores e minoritários, que é uma discussão complexa.

O diretor-presidente é o que toma as principais decisões executivas nas empresas e podem ser considerados os líderes, da forma que chamo nas análises dos autores do livro. Na visão deles, os diretores-presidentes são como os líderes em autocracias e democracias, querem chegar ao poder e se manter nele. Há uma série de benefícios para os presidentes de empresas assim como para os presidentes de repúblicas. Eles têm um bom salário, definido em assembleia geral dos acionistas que aprova ou não a sugestão do conselho de administração, têm secretária, jatinho, carro da empresa, mandam nas pessoas, têm o saco-puxado por todo tipo de gente importante, vários benefícios que muitas vezes eles próprios definem. Assim como ocorre com políticos, irão se valer dessas regalias na medida do possível, em algumas empresas encontrando mais restrições e em outras menos. Aqui voltamos ao tópico anterior, podendo haver um conflito de interesses entre acionistas e administradores quanto ao uso dos recursos da empresa.

Provavelmente os autores não tocam nesse tema, mas eleições em clubes de futebol seguem uma lógica parecida com a desenvolvida pelos autores. E aqui temos uma situação peculiar, onde os principais, que são os torcedores, na maioria das vezes não são nem intercambiáveis, ou seja, não tem o mínimo poder de escolher o presidente do clube. Pelo pouco que sei da política clubística, os presidentes são eleitos pelos sócios do clube, que não são tão numerosos. Então, temos poucos intercambiáveis e menos ainda essenciais. O líder precisa então convencer poucas pessoas para se manterem no poder e mantê-los fiéis com distribuição de benesses com o dinheiro do clube. Grupos de sócios costumam ser formados e a tarefa do líder fica facilitada precisando negociar com alguns grupinhos para formar a sua coalizão vencedora.

Mas a base de apoio necessária para o líder se manter no poder pode incluir outras pessoas, como membros de conselho deliberativo e outras coisas. Como disse, não entendo muito de política de clubes. Mas tem um elemento essencial para manter o líder no poder, que são as torcidas organizadas, que recebem várias regalias como ingressos e passagens aéreas. Enquanto tiverem isso e o time estiver indo bem, irão apoiar o líder. Do contrário, podem se revoltar contra ele e isso pode causar um grande estrago no clube, até literalmente. Dessa forma, o presidente de clube precisa descobrir quem são os essenciais e como comprar a sua lealdade, como em outros contextos, com a diferença que temos um elemento para-essencial, por assim dizer, que consegue fazer parte da coalizão vencedora sem sequer ser um intercambiável.

Paraísos Fiscais
O último tópico adicional que gostaria de abordar é o dos paraísos fiscais. São países que facilitam a entrada de capital estrangeiro oferecendo tributação baixa ou nula, sigilo bancário e baixa ou nula aplicação das leis internacionais de prevenção ao crime de lavagem de dinheiro. Antes que alguém pergunte, não, o Brasil não é um paraíso fiscal, aliás, tem uma boa legislação contra a lavagem de dinheiro e um sistema bancário bastante evoluído.

Por que políticos, empresários, ditadores e outros tipos mandam dinheiro para paraísos fiscais? Das vantagens mencionadas, baixa tributação é bom, mas não é o principal. O essencial de tudo é o sigilo e a possibilidade de lavar dinheiro. Paraísos fiscais podem ser utilizados para fins justificáveis e sem haver nenhum crime envolvido, muitas empresas sérias mantêm operações offshore nesses países, mas também são muitos utilizados para lavar dinheiro. Como isso ocorre? Imagine que você seja o ditador do jogo Tropico. Você desvia dinheiro dos cofres públicos para a sua conta pessoal. Ou seja, há um crime antecedente, que é a corrupção. Você quer depositar esse dinheiro fora do país porque não acredita nas instituições do seu país e porque o que você quer comprar não tem no país. Não poderia depositar em um país que não seja paraíso fiscal, porque eles irão questionar a origem do dinheiro. Na prevenção à lavagem de dinheiro, os bancos e seus profissionais precisam questionar a origem do dinheiro movimentado seguindo o princípio do Conheça o seu Cliente. Se você, agora falando do você de verdade, não o ditador hipotético do Tropico, entrar no banco com uma maleta com um milhão de reais para depositar, vão perguntar a origem do dinheiro e podem até se recusar a aceitar o depósito se você não der uma boa justificativa. Além do mais, vão te reportar ao COAF, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, e você pode ter problemas. Os bancos são muito atentos quanto ao crime de lavagem de dinheiro e procuram seguir a legislação nesse ponto, porque isso representa um risco legal e um risco de imagem. Os próprios profissionais precisam se atentar a isso, pois podem ser co-responsabilizados pelo crime. Na lavagem de dinheiro, “eu não sabia” não é justificativa: você é obrigado a conhecer o seu cliente.

Então, não é uma boa tentar depositar dinheiro ilícito em bancos que seguem as normas internacionais de prevenção à lavagem de dinheiro. Então, o corrupto precisaria enviar dinheiro para países que não questionam a origem do dinheiro. Melhor ainda, que permitam manter em sigilo a identidade do depositante. Ou seja, não pagar imposto é bom, mas para o corrupto, melhor ainda é poder levar o dinheiro para um lugar seguro de onde ele poderá posteriormente dar aparência de legalidade e utilizar para comprar mansões no exterior, Ferraris, festa com supermodelos etc.

Bom, eram esses os pontos que eu gostaria de acrescentar e que serão úteis para entender melhor o livro O Manual do Ditador.

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