sábado, 20 de setembro de 2014

Manual do Ditador (#5) - Permanecendo no Poder



 Ok, o líder está no poder. Tanto faz se chegou lá por eleições, golpe, fraude ou assassinato, o importante é que a primeira fase foi cumprida. Porém, tão difícil quanto conquistar o poder é mantê-lo. As habilidades necessárias para se manter no poder são diferentes, mas os princípios são os mesmos. Mas é necessário deixar claro desde já que o objetivo da política é governar. Governar bem já é outra história...

Certo, por onde começar. Primeiro de tudo, é necessária uma coalizão forte. Aqui, lealdade não é um atributo muito prudente. O líder precisa descartar aqueles que o levaram ao poder se isso favorecer a formação de uma coalizão vencedora leal. Afinal, se eles ajudaram o líder a chegar ao poder, nada impedem que ajudem outra pessoa a substitui-lo. Por isso, não raro a revolução engole os seus próprios filhos, como dizem. Ou seja, o novo incumbente precisa manipular o seu conjunto de essenciais para a sua melhor conveniência, de preferência para reduzir o número de pessoas necessárias para se manter no poder.

E o primeiro exemplo desse capítulo não é da política governamental, e sim empresarial. É a história da ascensão e queda de Carly Fiorina como presidente da HP. O presidente de uma sociedade anônima é eleito como um presidente de país, através do voto. O voto para a escolha do diretor-presidente é indireto nas empresas, os acionistas escolhendo os membros do conselho de administração, que elegem o presidente. Dessa forma, os acionistas são os intercambiáveis, os acionistas votantes os influentes e os conselheiros os essenciais.

Em empresas assim como em governos, o cargo de presidente dá uma série de benefícios. Além de um polpudo salário fixo mais igualmente polpudos bônus e opções de ações, os executivos têm jatinho particular, carro da empresa, secretária entre outros benefícios que eles próprios têm alguma liberdade para escolher. Os bens públicos nesse caso são os dividendos distribuídos e a valorização das ações, fruto das decisões dos presidentes. Se a coalizão vencedora é grande, há um incentivo menor para a distribuição de bens privados para os membros da coalizão.

A coalizão vencedora nas empresas inclui alguns dos principais diretores e os membros do conselho de administração. Essas pessoas podem ser agentes internos (empregados da empresa), externos (pessoas que não tinham ligações com a empresa até receberem algum cargo) ou uma área cinzenta incluindo família e amigo de agentes internos. Diretores-presidentes podem ficar muito tempo no cargo como em ditaduras. Um dos segredos para ficar bastante tempo no cargo é o presidente ter ligações pessoais com os membros do conselho. Por isso, as regras de boa governança corporativa sugerem que um bom número de membros do conselho seja externo e que os ocupantes do cargo sejam mudados periodicamente. Nada melhor para perpetuar um presidente do que um conselho também perpetuamente eleito. Melhor ainda é quando o diretor-presidente é também presidente do conselho de administração.

Fiorina era uma forasteira na HP. O conselho que a elegeu tinha quatorze membros, três das famílias fundadoras, três eram empregados ativos ou aposentados da HP, ou seja, seis membros tinham muitos interesses envolvidos na empresa. O conselho a elegeu, mas não era de maneira algum leal a ela, de forma que Fiorina buscaria um conselho mais enxuto e que ela tenha escolhido. Um ano após assumir, o conselho foi encolhido para 11 membros, incluindo a saída de um membro da família. Um ano depois, mais um cargo foi extinto. A coalizão vencedora agora abrangia apenas a maioria dentre dez pessoas.

Em 2001 lançaria a proposta de fusão com a Compaq, vendendo aos acionistas como um ótimo negócio. Esse negócio acabou saindo, mas o impacto nas ações foi devastador. Quando Fiorina assumiu, as ações eram negociadas e US$ 53,43. Quando saiu em fevereiro de 2005, apenas US$ 20. A proposta de fusão acabou gerando uma guerra interna, mostrando que a manipulação do conselho de administração não foi tão bem feita assim. Porém, é justamente para isso que servia a fusão, para trazer gente de fora leal à Fiorina (ou seja, gente da Compaq). Após vencer a guerra de procurações em 2002 e aprovar a fusão, o conselho teria 11 membros, 5 deles oriundos da Compaq. Na mudança do conselho ocorrida em 2004, Fiorina conseguiu fazer com que a remuneração do conselho dobrasse, o que sempre é um bom incentivo para se tornar leal a alguém em qualquer situação.

Fiorina fez tudo certo para sobreviver, aumentando o número dos intercambiáveis (com os acionistas da Compaq), reduzindo o tamanho do conselho, trazendo pessoas mais propensas a serem leais a ela e oferecendo incentivos nesse sentido. Porém, os resultados econômicos não vieram e no mundo corporativo isso pesa mais do que no mundo político, e ela cairia em 2005. Seu sucessor, Mark Hurd, assumiria o cargo, a empresa teria um ótimo desempenho, mas ele cairia por conta de um escândalo, durando menos do que Fiorina no cargo.

Competência até que é alguma coisa boa, mas sobrevivência política não pode depender disso. Aliás, pode ser perigoso ter essenciais competentes em sua coalizão, pois eles podem querer substituir o líder. Lealdade, acima de qualquer outro atributo, é o que importa, mesmo que para isso seja necessário colocar incompetentes para ajuda-lo. Expurgos são comuns em regimes tirânicos, onde gente competente é executada, não apenas na oposição, mas também dentre as fileiras do partido. Foi o que aconteceu com Saddam Hussein, que, ao assumir o poder, fez uma limpa no partido Ba’ath, eliminando potenciais desafiantes e gente que ele não confiava, o que incluía pessoas muito bem qualificadas. O curioso é que o sucessor de Hussein, o primeiro-ministro Nouri al-Maliki, faria o mesmo, removendo dos cargos sunitas competentes e colocando shias sem experiência em seus lugares.

Porém, governantes de várias épocas recorreriam a conselheiros, pessoas espertas que podiam virar desafiantes. A solução era contratar apenas eunucos como conselheiros ou para cargos de confiança, como guardas pessoais. Mas não é necessário recorrer a isso, bastando escolher pessoas que de alguma forma não têm muita chance de se tornarem desafiantes. Saddam, por exemplo, tinha um cristão como número 2, que nunca teria condições políticas para tomar o poder no Iraque.

Para se manter no poder, é vital deixar os essenciais desconfortáveis. Uma maneira disso é manter um número elevado de intercambiáveis. Tendo isso em mente, entendemos porque há eleições em ditaduras, apesar do resultado ser manipulado. É a forma que o líder tem de mostrar aos que estão abaixo dele que eles não são insubstituíveis. Lênin seria o primeiro a explorar essa ideia, impondo o sufrágio universal na União Soviética. As eleições, mesmo que manipuladas, dão legitimidade às suas ações, que seriam então vontade do povo. Aumentando o número de intercambiáveis criava a possibilidade, embora remota, de que qualquer um pudesse a se tornar um influente ou mesmo um essencial. Aliás, seria assim que pessoas sem qualificação subiriam a hierarquia na União Soviética. Os que estavam dentro da coalizão precisavam ficar na linha, sabendo que poderiam ser substituídos por alguém entre os influentes ou intercambiáveis.

A Libéria surgiu como uma forma de organizações liberais dos Estados Unidos de reparar os males da escravidão, repatriando para a África ex-escravos para terem sua própria nação. Porém, os ex-escravos sabiam que a escravidão funcionava bem para os mestres e seria hora deles serem mestres. O sufrágio universal seria instituído em 1904, mas havia uma restrição de patrimônio para poder participar do governo. Ou seja, havia um grande número de intercambiáveis, mas poucos essenciais, condição excelente para se manter o poder.

A maioria das sociedades anônimas funciona de maneira parecida exatamente pelos mesmos motivos. É por isso que presidentes conseguem se manter no poder mesmo com o desempenho ruim da empresa e das suas ações. Porém, a HP se parece menos com um sistema com eleições manipuladas e mais como uma monarquia, com os herdeiros dos fundadores da empresa tendo grande poder. O problema desse sistema (para o líder, é claro) é que não há uma base de intercambiáveis e influentes larga o suficiente para deixar os essenciais incomodados.

O líder precisa saber quando se livrar dos essenciais e promover um influente ou intercambiável. Em ditaduras é mais fácil, basta matar os essenciais. Em empresas, é necessário trocar os conselheiros, e isso surpreendentemente ocorre. Apesar do conselho selecionar o presidente, é comum haver mudanças no conselho após a eleição de um novo presidente.

Robert Mugabe, atual presidente do Zimbábue, é um mestre na arte de se manter no poder. Ele foi eleito primeiro-ministro em 1980 após uma longa guerra civil entre brancos e negros no país. A nova configuração política tinha dois partidos, o de Mugabe e um de oposição. Assim que subiu ao poder, procurou fazer conciliações com o outro partido e com os brancos ainda influentes. Ele sabia que não podia governar sem eles. Isso ao menos no começo. Assim que o seu poder foi consolidado, se livrou dos membros do outro partido, dos brancos e, como não poderia deixar de ser, de membros de seu partido de forma a manter uma coalizão vencedora pequena.

Dessa forma, os líderes fazem de tudo para conseguirem se manter no poder, mesmo que isso signifique trapacear, desde que consiga evitar as consequências negativas. Será que isso só se aplica a ditaduras? Bom, em democracias é mais difícil você trapacear e se safar, mas sempre que a oportunidade pinta, líderes em democracias não hesitam em utilizar desse expediente. Uma maneira de fazer isso é através do controle de imigração, para criar uma demografia favorável ao incumbente. Manipulação das eleições em países onde há democracia, mas instituições fracas, também é viável. Estimular a participação de vários disputantes ao cargo também pode ter efeito benéfico ao incumbente em uma aplicação do dividir para reinar. No legislativo, a existência de vários partidos permite fracionar melhor os essenciais para aprovar matérias do que quando há poucos partidos.

Uma maneira bastante inventiva de enviesar as eleições é através de políticas que favoreçam minorias na ocupação de cargos públicos. Manter uma cota para cargos legislativos para algum grupo de interesse faz com que a quantidade de votos para se eleger seja menor, ou seja, o número de essenciais é reduzido dessa maneira. A Tanzânia, por exemplo, tem uma mistura de parlamentares escolhidos pelo presidente, parlamentares de minorias que são escolhidas pelos seus partidos na proporção dos votos do partido e votos diretos, o que permite ao presidente conquistar a lealdade de uma boa parte dos parlamentares sem depender do voto direto. No final das contas, a Tanzânia é uma democracia, mas o presidente precisa apenas de 5% dos votos para manter maioria legislativa.

Outra maneira de obter vantagens eleitorais é através do voto em bloco. Tem uma maneira não-oficial de influenciar alguns líderes de algumas comunidades para que esses façam campanha para que votem em alguém, mas em algumas situações há um voto em bloco oficial, onde um líder de comunidade vota em nome de todos. Desnecessário dizer que esse líder de comunidade obtém vantagens de ser um influenciador. Um exemplo é a Índia, com um dos autores do livro (Bruno de Mesquita) tendo acompanhado isso de perto entre 1969 e 1970. Essa é uma espécie de clientelismo e voto de cabresto.

As coligações políticas em eleições funcionam de maneira parecida. Ambos envolvem concentrar em uma pessoa ou um pequeno número de pessoas o poder de controlar uma grande quantidade de votos, como ocorre em pedidos de procuração de voto em assembleias de sociedades anônimas. Os partidos se coligam para poderem usar suas influências para obter ganhos para todos os que estão coligados, o que pode fazer com que algumas uniões esquisitas possam surgir. Aqui, o poder interessa mais do que a ideologia e há muito tempo os políticos perceberam que se unindo a outros eles poderiam obter mais poder juntos do que separados. E é isso que importa no final.

Porém, o voto é anônimo e nada garante que as pessoas sigam o que o líder pede. Mas tem uma maneira para contornar isso. Além de algumas fraudes para eliminar o anonimato, os candidatos podem fazer uma promessa aos líderes comunitários de que irá fazer uma benfeitoria, desde que recebesse um número suficiente de votos. Como os dados são abertos, é possível ver onde que efetivamente o candidato recebeu mais voto e recompensar ou punir os locais de acordo com sua votação, dando um incentivo para que cada votante siga o seu líder. É muito mais fácil comprar a lealdade de um líder de várias pessoas do que cada votante individualmente.

Nos Estados Unidos, onde o voto é por distritos, é possível manipular as eleições legalmente através do gerrymandering, o redesenho de um distrito eleitoral para favorecer o incumbente. Os distritos podem ser refeitos de forma a concentrar a oposição em um distrito e os seguidores em outros. Perder de 50% mais 1 ou de 100% em um distrito não muda nada, então seria bom concentrar todos os opositores em um distrito só. Para eleições parlamentares, a ideia é concentrar todos os seguidores em um distrito e dessa forma ser eleito. Numericamente, com um bom desenho de distritos, é mais fácil se perpetuar nos Estados Unidos do que era na União Soviética. Bom, mas a geografia é um empecilho, né? Não necessariamente. Pegue o exemplo do Terceiro Distrito de Maryland, utilizado no livro e que estou mostrando aqui. Meio esquisito, né? Cartograficamente, sim. Politicamente, faz todo o sentido. Deve ser por isso que um republicano não é eleito representante na Câmara desde 1921. Logo, essa aqui é uma amostra de como é primordial manter a coalizão vencedora o menor possível para se manter no poder mesmo em uma democracia.

Agora, vamos para uma diferenciação entre autocratas e democratas. A chance dos autocratas permanecerem mais tempo no poder (mais de 10 anos) é bem maior do que para os democratas, mas a chance de ficar só seis meses é maior para os autocratas. O maior grupo em termos de risco de perder o cargo para autocratas é justamente esse, enquanto que para democratas é entre 6 meses e 2 anos. Isso mostra como é essencial o líder em ditaduras consolidar rapidamente o seu poder. Podemos concluir que o ditador precisa em seis meses descobrir onde está o dinheiro e distribui-lo para comprar lealdades e formar a coalizão vencedora, conseguindo apoio e podendo se livrar de qualquer pessoa inconveniente para seus planos de longo prazo. Em democracias, pelo contrário, o vencedor em eleições para cargos executivos costuma desfrutar de uma lua de mel. Os autocratas, ao contrário, precisam fazer de uma vez todas as atrocidades necessárias para se manter no poder nesses seis primeiros meses.

Esse capítulo mostrou os princípios básicos para se manter no poder, o maior deles sendo manter uma coalizão pequena e recompensar essas pessoas. O problema é que essa prática não é barata, mesmo considerando-se que é feita com dinheiro dos outros, mas isso já é tema para o próximo vídeo.

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