domingo, 2 de novembro de 2014

Manual do Ditador (#11) - Guerra e Paz




Guerra é uma constante da história humana. Muitas vezes, a guerra pode ser fruto de algum erro de cálculo ou mal entendido, mas também pode ocorrer de ser iniciada por um cálculo político de sobrevivência política seguindo as regras descritas no livro.

Isso não deveria ser surpreendente. Afinal, como disse Clausewitz, a guerra é a continuação da política por outros meios. Então, precisamos sempre procurar verificar os motivos políticos que levam a uma guerra e, assim como ocorre em outros aspectos, autocracias e democracias diferem muito. Líderes democratas pensam em bens públicos para satisfazer a grande coalizão, enquanto que líderes autocratas pensam mais nas recompensas privadas que podem extrair da guerra. Líderes democratas preferem comprometer o exército nacional para guerras que sabem que podem ganhar para conflitos de interesse nacional. Autocratas podem se comprometer a guerras de mais difícil resolução, podem fazer um bom esforço inicial, mas logo depois pedem para sair se as perspectivas parecem ruins.

A Guerra dos Seis Dias é um exemplo desse comportamento díspar. Israel entrou nesse conflito contra Egito, Síria e Jordânia com objetivos claros e sabendo que poderia vencer. Os gastos militares de Israel eram menores em termos absolutos na comparação com seus inimigos, mas em termos relativos o gasto por soldado era maior. E era mais bem empregado em equipamentos e treinamento que minimizavam o risco de baixas. Sendo uma democracia, Israel se preocupa com as baixas de soldados, que também são eleitores e cuja morte é vista como negativa pelos outros eleitores. Para os inimigos, que eram e ainda são autocracias, soldados não são apoiadores essenciais e podem morrer.

Como o próprio nome diz, a guerra foi curta. Israel conseguiu seus objetivos e os inimigos não tinham porque continuar na luta, já que o objetivo de mais longo prazo, o líder e seus compadres se manterem no poder, não dependia do resultado da guerra. Autocracias precisam muito de seus exércitos, porém, menos para enfrentar um inimigo externo e mais para se defenderem de insurgentes domésticos. Muito dinheiro vai para o exército, mas mais para pagar os apoiadores essenciais do que armar o exército. Entre ganhar guerras e receber recompensas privadas, os militares em autocracias optam pela segunda alternativa. Autocratas precisam de um exército poderosos suficiente para suprimir a sua própria população, não precisam de muito mais do que isso.

Democracias, por outro lado, utilizam seus exércitos para defesa ou para guerras ofensivas para defender interesses nacionais empreendidas quando eles têm certeza da vitória. Guerras longas e difíceis são extremamente impopulares em democracias e os líderes querem evitar isso. Por esse motivo, a Guerra Fria ficou fria, porque os Estados Unidos não tinham certeza da vitória.

A Primeira Guerra Mundial mostra alguns exemplos interesses. Primeiro de tudo, que lutar uma guerra para vencer pode prejudicar a sobrevivência do líder, como ocorreu com a Rússia, o governo caindo e o poder sendo tomado pelos sovietes, que sabiam que a guerra desviava recursos necessários para manter a coalizão vencedora leal e decidiram sair da guerra, que já estava cara demais.

Continuando com a Rússia, o país foi o que menos gastou em termos per capita. O mais interessante é que a Grã-Bretanha e a França gastaram mais do que qualquer outro país e aumentaram os gastos durante a guerra, ao contrário das autocracias exceto Alemanha. Mesmo assim, o aumento das democracias foi constante, enquanto que a Alemanha estacionaria os gastos por um tempo, só aumentando em 1917. Democracias têm mais compromisso com a vitória do que autocracias.

Outros casos são os Estados Unidos vencendo o México na guerra entre os dois entre 1846 e 1848, sendo que na época os Estados Unidos tinham um exército menos poderoso. Temos ainda Veneza sobrevivendo a conflitos com França até serem derrotados por Napoleão e a Prússia vencendo a Áustria em 1866 e a França em 1871.

Guerras são lutadas por sobrevivência política em democracias e autocracias, mas isso é feito de maneiras diferentes. Autocratas geralmente querem guerras rápidas que eles podem extrair benefícios para remunerar a coalizão vencedora. Democracias empreendem guerras para realizar objetivos de política externa. Podemos entender que guerras conseguem o que ajuda externa e diplomacia não são capazes de realizar. Democracias geralmente tiram o autocrata do poder e colocam um fantoche que eles possam manipular na direção de seus objetivos políticos. Esse fantoche pode ser um ditador mesmo, e é até mais confiável que seja, já que um democrata teria que se submeter aos desejos do povo, que podem não ser os mesmos do país invasor.

A Primeira Guerra do Golfo em 1991 é uma boa amostra disso. O Iraque invadiu o Kuwait esperando extrair benefícios disso, mas teria que enfrentar os Estados Unidos e aliados que expulsaram os iraquianos do Kuwait e se limitaram a isso. O objetivo era menos espoliar o Kuwait ou o Iraque e mais restaurar a ordem no Oriente Médio. Fizeram isso por seus próprios objetivos políticos e econômicos, mas mesmo assim sem a mesma sanha que Saddam tinha com relação ao Kuwait. Vendo que não conseguiria o que queria, Saddam Hussein não insistira com a guerra. Enquanto a coalizão liderada pelos Estados Unidos sofreu 358 baixas, o Iraque teria dezenas de milhares de baixas, que Saddam não lamentaria muito. Hussein poderia usar a sua guarda especial para lutar contra a coalizão, mas ele precisava de sua força de elite para se manter no poder. Mandaria, no lugar da sua guarda especial, soldados mal treinados e mal equipados. Isso foi importante, já que vários grupos tentariam se aproveitar da situação para tirar Saddam do poder, mas ele sobreviveria por mais uma década.

Em democracias, vencer guerras nem sempre significa sobrevivência política, que o digam Bush pai (Guerra do Golfo), Margaret Thatcher (Guerra das Malvinas) e até mesmo Winston Churchill. Para democracias, o que importa é o número de baixas, a opinião pública odiando corpos de soldados mortos em guerras. Se o país perde a guerra, como no caso do Vietnã, ai que o líder não tem como ficar, como ocorreu Lyndon Johnson. Por incrível que pareça, autocratas são menos vulneráveis a derrotas, exceto se a guerra era para derruba-lo. Por isso Saddam sobreviveu em 1991, mas não em 2003. Basta que o líder saiba lidar com eventuais rebeldes que tentem se aproveitar da derrota militar que ele se manterá no poder. Para isso, não pode desviar muitos recursos para a guerra exterior, resguardando a proteção doméstica. Além do mais, elevado número de baixas é irrelevante em autocracias.

Para enfatizar o valor que democracias dão a vidas de soldados (porque soldados mortos representam baixa de popularidade), os autores lembram o caso da Somália, onde helicópteros americanos caíram em território inimigo e os Estados Unidos fizeram de tudo para resgatar os soldados. Essa situação foi retrada no filme Falcão Negro em Perigo. Diametralmente oposto, na guerra entre Etiópia e Eritreia, quando tanques etíopes ficaram para trás, ao invés de serem resgatados, foram destruídos com um bombardeio.

Democracias nunca se enfrentam em guerra. Não porque democracias sejam amantes da paz, mas não houve uma situação em que uma democracia agressora encontrou uma democracia alvo tão mais fraca que a vitória era absolutamente certa. Tanto que muitas democracias já foram agressoras, como na época do Imperialismo, sempre contra autocracias bem mais fracas do que a democracia agressora.

Se democracias nunca se enfrentam, poderíamos imaginar que o caminho da paz é todo mundo se democratizar. Retoricamente, muitos presidentes americanos alegavam isso. Porém, na prática, precisamos lembrar que guerra é a continuação da política por outros meios. Quando ajuda externa e diplomacia falham, democracias podem usar a guerra para atingir seus objetivos. O século XX está repleto de casos, mas no século XIX tivemos a Guerra do Ópio entre China e Grã-Bretanha. E, mesmo assim, entrar em guerra para derrubar ditadores não costuma ser tão simples, como os recentes casos do Iraque e Afeganistão mostram, para não falar em Egito e Líbia. As próprias democracias podem não querer que uma nação se democratize, se isso significar ferir os interesses de outras nações, como o caso de Patrice Lumumba, democraticamente eleito no Congo e sofreria golpe de estado com ajuda da  Bélgica e Estados Unidos.

Democratização imposta externamente só funciona se o povo da ditadura derrotada compartilha de valores com a democracia vencedora e se a democratização for conveniente para os vitoriosos. Isso foi o que aconteceu com a Alemanha e o Japão após a Segunda Guerra Mundial.

Resumindo, guerra é continuação da política por outros meios e gira em torno de sobrevivência política. Democracias recorrem a guerras para fins de política externa e autocracias para obterem recursos para recompensar os apoiadores essenciais.

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