quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Manual do Ditador (#6) - Roube dos pobres




Como vimos nos vídeos anteriores, controlar o fluxo de dinheiro é uma das tarefas mais essenciais da política pois é assim que se compra apoio. Porém, isso é feito com o dinheiro dos outros, ou seja, com tributos, que uma hora pode acabar. Se começar a faltar dinheiro para os aliados, o líder terá problemas.

No caso da Libéria, após a destituição de Samuel Doe, o seu desafiante e novo incumbente, Prince Johnson, o torturou para descobrir mais sobre as contas secretas de Doe. Como Doe é um homem de família, não contou, para assegurar o futuro de seus herdeiros. Com isso, a Libéria ficaria sem dinheiro e a consequência é que nem Johnson nem um insurgente desafiante, Charles Taylor, conseguiram se estabelecer no poder. O resultado foi guerra civil.

A sucessão no Império Otomano antes de regras que a civilizassem também seguia esse padrão, com os herdeiros do sultão morto correndo para assegurar o tesouro e comprar apoios, mas havendo uma desfragmentação que resultava em guerra civil.

A falta de transparência de regimes autocráticos, feita de propósito, atrapalha a transição. O desejo por sigilo não é apenas para ocultar a arrecadação e os gastos do povo, essa é a menor das preocupações. O mais importante é deixar os essenciais sem saberem quanto dinheiro o estado tem para não aumentarem o seu preço. Torna-se então um desafio descobrir onde está o dinheiro, saber quanto dinheiro o estado tem e quais as suas fontes após o dinheiro dos impostos passar por tantos intermediários.

Uma solução para sobreviver à transição política é confiscar dinheiro para poder comprar a base de apoio rapidamente. Isso pode afetar a arrecadação a longo prazo, mas o mais importante, se manter no poder pelos primeiros seis meses, será obtido. Uma estratégia de sobrevivência para esse período é se travestir de democrata por tempo suficiente para se consolidar no poder e formar a sua coalizão vencedora. Em democracias, onde as contas públicas são relativamente mais transparentes, tais expedientes são desnecessários.

Arrecadar impostos é necessário em qualquer regime e os líderes precisam de dinheiro para bens públicos, pagar os essenciais e enviar para as suas contas secretas, não necessariamente nessa ordem de prioridade. Porém, as pessoas odeiam pagar impostos. Então, cria-se um conflito que é decidido pelos mesmos princípios de política que vimos até agora.

Cobrar impostos traz três problemas: 1) Aumentar impostos pode fazer com que as pessoas trabalhem menos; 2) A carga de impostos vai em algum momento recair sobre os essenciais, mesmo que indiretamente; 3) Coletar impostos envolve conhecimentos especializados e custos. A conjunção desses fatores determina a carga tributária ótima.

Como regra geral, quanto maior for o grupo dos essenciais, menor é a carga tributária. A taxação é boa para os que estão dentro da coalizão, afinal, é daqui que vem o dinheiro que paga as suas recompensas, e ruim para quem é de fora. A tributação afeta também quem está dentro, mas com uma coalizão pequena, a redistribuição dos impostos é feita entre menos pessoas de forma desproporcional à perda com tributação. Especialmente quando a coalizão é pequena, a taxação redistribui renda dos pobres (fora da coalizão) para os ricos (que estão dentro da coalizão). Em certos países, essa é justamente a diferença entre ricos e pobres. A elevada carga tributária faz com que aqueles que estão dentro da coalizão fique ainda mais receoso de sair dela, pois terá todo o ônus e nenhum bônus dos impostos, ou seja, esse é um fator que reforça a lealdade ao líder.

Isso pode fazer com que o líder opte por uma carga tributária excessivamente alta. Foi mencionado que impostos tiram os incentivos para trabalhar. Na verdade, não é só isso, uma tributação elevada incentiva a elisão e a evasão fiscal. Tecnicamente, temos a chamada Curva de Laffer mostrando a relação entre a carga tributária e a arrecadação de tributos, com forma em U invertido. Passado um ponto ótimo de carga tributária, a arrecadação cai porque as pessoas têm menos incentivos para serem produtivas e por conta das técnicas legais e ilegais de não pagar imposto. Em regimes autocráticos, os líderes optam por uma carga tributária acima desse ponto, justamente para marcar bem a diferença entre dentro e fora, que é a diferença entre rico e pobre.

Porém, democracias também podem tributar pesadamente a população, justamente pelos mesmos motivos: para remunerar os grupos que apoiam o líder. Porém, há uma limitação, que é o grande número de apoiadores essenciais, o que torna caro comprar o apoio de todo mundo e politicamente indesejável tributar tão pesadamente. Como mencionado, as pessoas não gostam de pagar impostos e tendem a apoiar aqueles que prometem não aumentar ou até reduzir impostos. Dessa forma, democratas tributam além do ponto mínimo para uma boa governança, mas não acima do ponto da tributação máxima como nas autocracias.

Em regimes autocráticos, os impostos costumam ser menos progressivos do que em democracias. Ou seja, pessoas ou famílias precisam receber uma renda menor para serem tributados em autocracias do que em democracias.

Em um tema correlato, o sistema tributário pode servir para não apenas recompensar os essenciais, mas puni-los caso saiam da linha. É o que aconteceu com Mikhail Khodorkovsky, outrora um apoiador de Putin na Rússia e grande beneficiário das privatizações, mas que criticaria o regime de Putin e financiaria grupos de oposição alguns anos mais tarde. Ele seria então processado por acusações de fraude, cumpriria a pena, seria processado de novo e estava na cadeia até o final de 2013. Então, precisamos sempre ver se um rico ou uma empresa estão sendo processados pelo governo por terem feito algo errado ou se desagradaram o governo. Geralmente, são as duas cosias ao mesmo tempo, mas o segundo fator sempre é mais importante.

O problema da tributação é que custa dinheiro montar uma estrutura eficiente para coletar os tributos, sendo que essa costuma ser a parte mais eficiente do estado. As pessoas vão tentar evitar pagar os impostos e o estado irá investir pesado para ir atrás dessas pessoas. Uma maneira de reduzir os custos é através da tributação indireta, transferindo a responsabilidade para outra pessoa. Uma forma de tributação indireta é através de imposto sobre vendas, que tem como benefício secundário esconder a tributação das pessoas.

Terceirizar a coleta de impostos pode ser uma boa ideia, porém, tem o risco de o coletor ter um mau comportamento que possa custar caro politicamente ao líder e pode incentivar desafiantes. Essa terceira pessoa pode ser alguém de dentro ou de fora da coalizão. Terceirizar o poder de cobrar impostos gera corrupção, mas isso não é problema em autocracias. Na verdade, é até solução, o líder podendo conceder esse poder no pacote de benefícios para um membro da sua coalizão vencedora.

Uma opção que depende da natureza é possuir recursos naturais. Para o líder, é ótimo ter uma fonte de recursos confiável. Petróleo, por exemplo. E nem precisa administrar bem. Nas palavras de Rockefeller, uma empresa de petróleo mal administrada é o segundo melhor negócio do mundo, o primeiro sendo uma empresa bem administrada. O líder não precisa nem colocar seu povo para trabalhar, pode simplesmente conceder a exploração para uma empresa estrangeira. Para o povo, por outro lado, raramente é uma boa o país ter abundância de petróleo. Exceto pela Noruega, nenhum país que dependa da receita do petróleo conseguiu se desenvolver como um todo. Mas em todos, invariavelmente, o líder e sua coalizão vencedora estão numa boa.

Outra consequência negativa da riqueza em recursos naturais é o aumento no custo de vida. Em algumas pesquisas internacionais, Luanda em Angola e Caracas na Venezuela aparecem como as cidades mais caras para expatriados, apesar de serem países pobres. No fim, recursos naturais criam as condições financeiras para resolver os problemas de uma nação, mas também dão incentivos para que isso não seja feito. Em democracias, esse efeito é menor, mas há pouco incentivo para a democratização no caso do país já ser uma autocracia ou uma oligarquia. Depender menos da tributação para financiar o estado acaba sendo pior, porque o líder pode comprar o apoio da coalizão vencedora sem ter que recorrer a um mecanismo impopular. Porém, isso não melhora a situação dos que estão fora da coalizão.

Empréstimo é outra ótima maneira de um líder se financiar. É dinheiro disponível para gastar hoje que cria o compromisso de pagar de volta daqui a alguns anos junto com o pagamento de juros. Nessa data futura, talvez o líder já nem esteja mais no poder. É ótimo para o líder gastar dinheiro dos outros, seja da população, seja o futuro líder. Isso vale tanto para autocracias quanto para democracias. O incumbente tem pouco incentivo para não se endividar, já que pode estar simplesmente dando margem de endividamento para um desafiante. Melhor, então, gastar ele mesmo esse dinheiro para comprar o apoio dos essenciais.

Quanto menor é a coalizão vencedora, maior é o endividamento, já que o benefício do endividamento é espalhado para uma quantidade menor de pessoas. Em autocracias, o único limite para o endividamento é a parte da oferta. Isso explica porque a Nigéria tem uma elevada dívida pública ao mesmo tempo em que tem grandes receitas com petróleo: eles se endividam bastante justamente porque podem.

Para democracias, o gosto pelo endividamento também se aplica, mas uma coalizão vencedora maior diminui a margem de manobra. Aqui, novamente a restrição se dá pelas condições do país, não pelo desejo do líder em se endividar. Há uma boa dose de disciplina de mercado, já que o endividamento se dá pela emissão de títulos da dívida, que são vendidos no mercado financeiro e comprados por investidores. Se o endividamento for muito elevado frente a capacidade de geração de receitas, o mercado passa a exigir taxas de juros maiores, o que limita o endividamento dos governos.

A dívida pode se tornar impagável dependendo da situação. Para o líder, isso é péssimo. Para um desafiante, é uma ótima oportunidade. Uma fonte comum de dividendos políticos para desafiantes é a plataforma política de não pagar a dívida, principalmente quando a situação política e econômica do país está caótica. Quem se aproveitou muito bem disso foi Adolf Hitler. O líder pode tentar se manter no poder adotando políticas econômicas mais sensatas, como a liberalização da economia. Ou seja, quando tudo o mais falhar, seja sensato para se manter no poder.

É comum os países ricos perdoarem a dívida dos países pobres. Apesar de estabelecerem algumas condições, o efeito final costuma ser o de permitir a volta do endividamento por parte desses países. A única condição que pode reduzir o endividamento dos países pobres é a democratização, submetendo esses países às mesmas restrições que democracias encontram na hora de se endividarem.

Ou seja, na visão dos autores, é inútil perdoar a dívida dos países pobres. A única forma de reduzir a dívida desses países é a abertura política. O líder pode prometer democratizar o país, mas, como todo político deveria saber, todo político mente. Assim que a crise financeira passar, o líder compra o apoio da coalizão vencedora e se mantem no poder. Para países que já são democracias, é inútil perdoar a dívida, já que esse é um passo natural. O efeito final do perdão da dívida é dar mais dinheiro para que o líder gaste na compra dos essenciais. Ou se eles já tiverem dinheiro suficiente, para rechear as contas secretas.

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