terça-feira, 7 de outubro de 2014

Manual do Ditador (#7) - Gastando o dinheiro dos outros



 Ok, o novo líder adquiriu o poder e chegou ao cofre do estado. Agora, precisa escolher como gastar o dinheiro para manter a coalizão vencedora feliz, mas não em demasia, e manter os intercambiáveis felizes o suficiente para não se revoltarem. Isso tudo envolve gastar dinheiro, que deve ser alocado entre os essenciais, os intercambiáveis e a conta em Cayman do líder.

No quinto capítulo do Manual do Ditador, os autores procuram determinar como gastar o dinheiro arrecadado pelo estado. Uma maneira de gastar o dinheiro é através de bens públicos que beneficiam a todos e outra em bens privados que beneficiam os essenciais e o líder. A questão é: qual a proporção ideal entre bens públicos e privados e onde investir em bens públicos.

Primeiro de tudo, é necessário discutir a utilidade dos bens públicos. Não é bom para o líder ter um povo insatisfeito, já que ele pode se revoltar contra ele. Porém, pode ser bom para o líder ter um povo extremamente miserável e famélico, que é fraco demais para se revoltar. O perigo para o líder, então, se encontra no meio caminho, com um povo forte e com motivos para se revoltar. Dois países asiáticos mostram estratégias distintas, mas igualmente eficazes. Os dirigentes chineses têm uma preocupação quase obsessiva com a satisfação do povo, mesmo que ilusória, para evitar que eles se revoltem. E é possível manter o povo satisfeito sem perder poder. Os dirigentes do Partido Comunista se preocupam com o crescimento econômico necessário para manter a renda em alta e o desemprego baixo e balizam a política econômica nesses termos. Realizando isso, questões como direitos humanos e liberdade de imprensa deixam de preocupar os intercambiáveis. Já a Coreia do Norte busca manter os intercambiáveis famintos para evitar que eles se revoltem. Os autores não falam isso, mas eu imagino a razão das diferenças: bilhões de chineses famintos com motivos para se revoltarem são fortes o suficiente para forçar a queda dos seus líderes, enquanto que alguns milhões de coreanos famintos não têm tal força.

Em democracias com coalizão vencedora grande, os líderes precisam manter o povo feliz, saudável, empregado e com uma vida longa, não por altruísmo, mas para se manterem no poder. Pode ocorrer de haver ditadores benevolentes que gastam recursos discricionários para manter a população feliz. Por recursos discricionários entenda-se os recursos que sobram após comprar o apoio da coalizão vencedora. Esse dinheiro poderia ir para o próprio líder, mas ele pode gastar em bens públicos. Cingapura é um exemplo isolado de ditadura benevolente, que se preocupa com o bem-estar da população, sem abrir mão de restringir liberdades civis da população.

Retomando um tema do capítulo anterior, os autores falam sobre os pacotes de resgates soberanos, que afetam de maneira diferente autocracias e democracias. Para autocracias, os resgates são mais frequentes, são um ótimo negócio e são necessários para poder manter os essenciais leais. Para democracias, é um mal necessário, pois erode a confiança da população, ou seja, dos essenciais. Isso inclui o resgate não do governo, mas de empresas pelo governo, como visto nos Estados Unidos em 2008 e que custou a sucessão de George W. Bush. Em democracias, resgates geram mudanças, mas em autocracia se destinam a manter tudo como estava antes, mesmo que haja pressões externas ao contrário. Por isso, os resgates a países pobres são tão frequentes.

Muito se discute se a democracia segue o desenvolvimento, ou seja, se o crescimento econômico de um país gera apelos para a abertura política do país. Nações ricas em petróleo e a China desmentem essa tese. A opinião dos autores é a de que a dependência de poucos essenciais é uma explicação melhor.

Bom, com isso em mente, vamos agora para a discussão sobre onde gastar em bens públicos. Educação é um ótimo investimento para os líderes, mas não pelos motivos que as pessoas imaginariam. Em autocracias, ou seja, quando a coalizão vencedora é pequena, educação das massas é necessária, mas apenas até certo ponto. As pessoas precisam ser educadas para trabalharem. Na visão dos líderes, o povo só serve para uma coisa: pagar impostos. Um povo muito ignorante não pode ser produtivo o suficiente para pagar impostos em quantia necessária para que o líder compre o apoio dos essenciais. Na Coreia do Norte, por exemplo, a população é toda alfabetizada. Isso ajuda a torna-los produtivos em um país de baixa produtividade, mas não vai fazer com que os intercambiáveis venham a desafiar o líder. Ou seja, gaste no ensino básico, mas não forme pessoas muito capacitadas que possam desafiar o regime. Também cuidado com o que ensinar. Matemática, física e química, isso tudo é ótimo de se ensinar em autocracias. História, sociologia e outras matérias, nem tanto. Ou então, ensine, mas do jeito mais conveniente para o regime.

Ensino superior é essencial para as autocracias, mas apenas para os filhos dos membros da coalizão vencedora, e do próprio líder em especial. Por isso que ditadores de todos os tipos mandam seus filhos estudar nas melhores universidades do mundo. Mesmo em democracias, filhos de políticos têm uma vantagem. É sempre bom ter bons contatos com gente influente, afinal.

Gastar em saúde também é uma boa ideia, afinal, uma força de trabalho fraca não arrecada impostos. O foco aqui é na população adulta, e não em crianças ou idosos. Ou seja, o gasto em saúde, como em qualquer outra área, deve privilegiar as pessoas que ajudarão o líder a se manter no poder hoje, não no futuro. Saddam Hussein, por exemplo, permitiu que remédios para crianças enviados pelas Nações Unidas fossem desviados para o mercado negro, onde seriam negociados por seus compadres. Dependendo de uma coalizão pequena, essa era a melhor maneira de se manter no poder.

Água limpa segue uma lógica parecida com saúde. Em autocracias, a qualidade da água é pior, pois as doenças que causam afetam principalmente jovens e idosos. Em democracias, onde a quantidade de apoiadores essenciais é maior, a qualidade tende a ser maior. Isso tem mais impacto do que a riqueza do país. Os autores comparam a pobre, mas democrática, Honduras com a mais rica, em termos de PIB per Capita, Guiné Equatorial, que é uma autocracia. Em Honduras, 90% das pessoas têm acesso a água limpa. Na Guiné Equatorial, com PIB per capita maior, esse porcentual é de 44%.

No que se refere à infraestrutura, o líder deve construir o suficiente para tornar a economia eficiente, mas deve tomar cuidado porque essas estradas podem ser utilizadas para aumentar poderes regionais ou mesmo ser usado contra o líder em caso de uma revolta. No que se refere a aeroportos, o líder em autocracias precisa ter uma distância curta entre a capital de estado e o aeroporto, para ter uma rota de fuga mais rápida. Os autores calcularam a distância entre a sede de governo e o principal aeroporto e essa distância é menor em autocracias do que em democracias. Isso é facilitado pelo uso do domínio eminente, regra pela qual o governo pode se apropriar de um terreno para fazer uma obra de infraestrutura, indenizando o proprietário. Isso pode ser utilizado em democracias, mas o custo político é mais elevado.

Eletricidade também é uma parte da infraestrutura que pode ser utilizada a favor do líder em autocracias, onde o custo tende a recair mais no consumidor e que está sob controle estatal, ou seja, o líder pode cortar a eletricidade se isso lhe convir. Desnecessário dizer o outro benefício das obras de infraestrutura: por terem orçamentos elevados, dá para usar para recompensar os membros da coalizão vencedora, da forma como é comum no Brasil.

No raciocínio dos autores, o que diferencia o nível de bem-estar entre os países é o tamanho da coalizão vencedora que o líder precisa manter. Por isso que democracias tão heterogêneas, que tem em comum o fato dos líderes dependerem de uma grande coalizão, são mais avançadas do que autocracias, onde apenas uma, Cingapura, tem um bom nível de bem-estar para a população. Os líderes em democracias precisam fornecer diversos bens públicos, entre eles algumas liberdades como imprensa, expressão e de organização. Os líderes em democracias bem que prefeririam não conceder essas liberdades, pois facilitam ser removidos do poder, mas não têm escolha.

Um exemplo emblemático ajuda a marcar as diferenças. Em 2003, o Irã sofreu um terremoto entre 6,5 e 6,6 na escala Richter, vitimando 26.271 pessoas de um total de 97 mil habitantes na cidade atingida. Dois anos depois, o Chile, com a mesma renda per capita do Irã, sofreria um terremoto mais forte de 7,9 na escala Ritcher, matando 11 pessoas em uma população de 238 mil, uma diferença e tanto.

Como mencionado, a renda per capita dos países é parecida, então riqueza não é o determinante. A grande diferença, segundo os autores, é que o Irã é governado através de uma coalizão pequena, isso desde antes da Revolução. No Chile, além de hoje ser uma democracia e antes de 1973 também, em 1960 o país sofreu com um terremoto que vitimou mais pessoas e isso resultou em um rigoroso código sísmico de forma a aumentar as exigências para construções. Isso não foi alterado no regime de Pinochet em 1993 foi alterado para aumentar ainda mais os padrões de segurança. O Irã, que nunca foi uma democracia plena, tentou implantar códigos semelhantes, mas ineficiências institucionais impediram que a lei fosse imposta de maneira efetiva. Faltou dinheiro para isso também, mas não porque o país é pobre, mas porque os líderes preferiram canalizar os recursos para bens privados para remunerar a pequena coalizão vencedora do que em bens públicos.

Esse não é um exemplo isolado. A China sofreu um terremoto semelhante ao do Chile em termos de força, mas com muito mais mortos, enquanto que Honduras, Itália e Japão tiveram também catástrofes terríveis, mas com um relativamente pequeno número de mortos. Ou seja, coalizões grandes salvam vidas.

Nos dois casos, autocracias e democracias, as decisões de alocações de bens públicos não são guiadas pelo altruísmo ou pela maldade de seus líderes, e sim de acordo com a sua sobrevivência política, cada país fornecendo os seus incentivos para maior gasto em bens públicos ou em bens privados.

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