sábado, 11 de outubro de 2014

Manual do Ditador (#8) - Corrupção




No vídeo anterior, discutimos como os líderes gastam em bens públicos para se manterem no poder. Nesse vídeo, vamos discutir como eles podem gastar em bens privados. Em outras palavras, vamos falar de corrupção, que é outro meio efetivo de se manter no poder.

Gastar em bens privados para uma coalizão pequena é uma maneira mais barata de se manter no poder. Se além disso a base de intercambiáveis for grande, o custo de comprar a lealdade dos essenciais é ainda menor, já que os apoiadores saberão que podem ser substituídos por outra pessoa extraída da base de intercambiáveis.

Como já vimos em vídeos anteriores, os líderes querem chegar ao poder e se manter no topo. Para isso, podem recorrer a todo tipo de expedientes, incluindo suprimir a população com violência física, ou matar opositores, atuais ou potenciais, reais ou imaginários. É da política, o tamanho da coalizão vencedora determinando o que o líder pode ou não pode fazer.

Mas tem situações em que a violência não resolve as coisas. Ou então, que dinheiro resolve a situação de uma maneira muito mais satisfatória e fácil. Então, além da brutalidade, outro recurso que o líder pode recorrer para se manter no poder é a corrupção. Aliás, o próprio líder não precisa ele mesmo suprimir a sua população, pode pedir para um apoiador fazer isso. E o apoiador só o fará se receber algum por isso. E não será por vias legais, e sim ilegais, ou seja, corrupção, que em muitos casos não é feita nem tanto para enriquecer o próprio líder, muitas vezes sendo necessária para mantê-lo no poder. A regra de sobrevivência é clara: pense primeiro nos seus apoiadores essenciais antes de sua conta em Cayman.

Os países mais corruptos são aqueles que dependem de uma coalizão vencedora pequena, ou seja, autocracias com algumas semi-democracias como Venezuela e Rússia. Nesses países, uma parcela maior da receita nacional vai para o pagamento dos essenciais. Porém, em democracias o “bolo”, por assim dizer, é maior e pode ser que mesmo uma parcela menor indo para bens privados pode ser mais recompensador para aqueles que recebem esse dinheiro via corrupção, que há mesmo em países bem desenvolvidos.

Os autores então comparam dois países, Turquia e Irã, que seguem a mesma religião (embora sejam de grupos étnicos diferentes) e com tamanho populacional semelhante, mas várias outras diferenças. Como dito no vídeo anterior, Irã é uma autocracia de longa data, enquanto que a Turquia é uma democracia, apesar de imperfeita. Segundo a Transparência Internacional, o Irã está classificado em 146 de 178 no ranking de corrupção, enquanto que a Turquia está em 56º. A renda per capita dos dois países é bem próxima em paridade de poder de compra, apesar da Turquia não contar com receita de petróleo, diferente do Irã. Os impostos são maiores no Irã, apesar do petróleo. Eles têm um grupo bem curioso chamado de Bonyards, que não pagam impostos, não são acusados de corrupção e estima-se que gerenciem entre 20 e 25% da renda iraniana. Essa é a própria definição de benefícios privados.

Se a Turquia fosse gastar o mesmo em termos monetários que o Irã gasta para comprar a coalizão vencedora, precisaria gastar uma porcentagem menor do PIB porque é um país mais rico. Porém, o tamanho da coalizão vencedora dilui a receita individual dos recebedores e diminui o poder de comprar lealdades.

Porém, nem tudo está perdido para líderes em democracias. Eles podem recorrer a bens públicos de uma forma parecida com bens privados, optando por políticas que privilegiam um grupo e esperando que isso seja suficiente para ou leva-los ao poder ou lá mantê-los. Muito se discute sobre ideologia, eficiência das políticas públicas e tudo o mais, mas tudo pode ser resumido a conquistar e manter o poder, como tudo em política.

Um exemplo de como bens públicos podem ser utilizados para comprar votos vem da Tanzânia, já mencionada anteriormente. O país pode ser considerado uma democracia em transição, com o número de essenciais e intercambiáveis aumentando, mas com a coalizão vencedora não sendo tão grande. Aqui especificamente estamos falando das eleições parlamentares para o Bunge, que inclui uma cota de 25% para mulheres, o que parece ser uma ótima prática, mas reduz o tamanho da coalizão vencedora. O presidente pode influenciar o resultado das eleições parlamentares através da distribuição de subsídios para a plantação de milho, a principal cultura agrícola do país. Essa distribuição não é de acordo com a necessidade ou a produtividade do local, e sim com o tamanho do distrito e sua influência para as eleições. Se o distrito for grande, então isso significa que a coalizão vencedora nesse distrito é grande, então, não vale a pena. Mais vale comprar votos em distritos menores que ainda assim podem gerar um bom número de cadeiras para o parlamento, criando a base de apoio para o presidente.

Rússia é outra democracia em transição, mas, dessa vez, em transição para uma autocracia. Os líderes desse país adotam algumas táticas interessantes. Uma delas é pagar pouco a polícia e dar carta branca para que ela seja corrupta, o que mais do que compensa a baixa remuneração formal. Corrupção política também é ignorada pelas autoridades, exceto quando é conveniente para o líder acusar alguém de corrupção, como ocorreu com o rebelde Mikhail Khodorkovsky. Essa é uma maneira ilegal de comprar apoio de essenciais na forma de benefícios privados, mas bastante eficaz em autocracias.

Outro tipo de corrupção é o desvio de ajuda interacional, dinheiro destinado por países desenvolvidos para auxiliar países pobres, que, mesmo após décadas de ajuda, continuam pobres. Isso ocorre porque o líder desvia esse dinheiro, não necessariamente para si, mas para recompensar a sua coalizão vencedora. Isso ocorre mesmo que o auxílio venha em bens, o líder entregando esses bens para os seus compadres que revenderão no mercado negro.

Suborno e corrupção ocorrem em organizações privadas também, como o COI e a FIFA, que ficam em uma região cinzenta com elementos privados e públicos, procurando adotar o que é mais conveniente em cada um. Seus eventos, Olimpíadas de Inverno e de Verão e Copa do Mundo, movimentam muito dinheiro e as cidades ou países-sedes estão bastante interessados em atrair o evento. Para isso, procuram oferecer recompensas aos poucos membros dessas organizações que determinam as sedes, seja dando suborno simples e direto, seja fazendo uma boa apresentação do país ou cidade, ou seja, dando uma bela festa para os votantes. Essas instituições são sempre ávidas por controlar o fluxo do dinheiro, como a sua logomarca ou produtos relacionados ao evento, seguindo uma das regras da política. Essa é a maneira de seus dirigentes se manterem no poder por década a fio.

Para o COI especificamente, são necessários apenas 58 votos para eleger os seus principais executivos para uma organização que movimenta bilhões de dólares. Na discussão sobre agente-principal, quem é o principal do COI e da FIFA? Eu mesmo não sei a resposta e a única coisa que posso pensar é um genérico “esportes olímpicos” e “futebol”. Os eleitores do COI, os membros do comitê olímpico, não são os donos do COI e possuem uma série de interesses que nem sempre são o melhor para o esporte. Ou seja, essa é uma instituição em que os principais não são nem mesmo parte dos intercambiáveis, o que faz com que a sua organização política seja problemática. Mesmo que tenhamos algumas boas almas no comitê, bastam 58 corruptos no COI para que as decisões não sejam as melhores para os esportes olímpicos, o que abre uma imensa oportunidade de extração de benefícios privados.

Na FIFA, a escolha de sedes depende da maioria do comitê executivo, composto por 24 membros. Ou seja, você só precisa comprar o apoio de 13 pessoas para conseguir sediar uma Copa do Mundo, com todos os benefícios que ela pode trazer, nenhum deles para a população ou para a economia do país-sede.

Em empresas, o benefício privado que os altos executivos extraem são remuneração e bônus vultuosos que eles próprios definem. Há um movimento nas discussões sobre governança corporativa a respeito do Say on Pay, ou seja, que os acionistas devem opinar sobre a remuneração dos executivos. No Brasil, isso já é lei, a assembleia de acionistas devendo aprovar a remuneração executiva. Mas, quando a coalizão vencedora é pequena, em termos de número de pessoas, é mais fácil para os administradores da empresa conseguirem maiores pacotes de remuneração.

Um grande problema da corrupção, além da impunidade, é que os organismos que procuram combatê-la sofrem fortes pressões, inclusive físicas, justamente onde são mais necessárias, ou seja, nos países mais corruptos. Aqui temos um problema de ovo e galinha, ou seja, os países mais democráticos são menos corruptos porque tem melhores mecanismos de combate à corrupção ou possuem melhores mecanismos porque são menos corruptos? De todo modo, cooperar com o combate à corrupção não faz bem para a saúde em autocracias ou em democracias altamente corruptas.

Mais perigoso do que xeretas se metendo onde não devem ao investigar a corrupção é tomar como garantida a coalizão vencedora. Na organização do gasto público, o líder precisa colocar em primeiríssimo lugar a compra de apoio da coalizão vencedora. Depois, com o dinheiro que sobra, pode gastar em bens públicos para melhorar a vida da população ou com a sua conta secreta, fica a critério do líder. Mas nunca deve pagar de menos os essenciais, e nem demais também, isso podendo custar o seu cargo e até a sua vida. Se até o imperador Júlio César rodou por ter negligenciado os seus apoiadores, o que dizer de líderes menos poderosos.

Exemplo de líderes que privilegiaram a sua conta bancária são vários, como Milosevic na Iugoslávia, Saddam Hussein no Iraque, Papa Doc Duvalier no Haiti entre outros. Os recordistas devem ser Suharto da Indonésia e sua esposa, a Sra. Tien, apelidada de “Sra. Tien Percent”, a estimativa sendo que eles roubaram US$ 35 bilhões dos cofres públicos. O pior de tudo é que eles ficaram muito tempo no poder, chegando a 30 anos em alguns casos, e vários saíram sem morrerem ou serem mortos e viveram uma boa vida depois. Nenhum brasileiro individual chega ao nível desses, não que saibamos, porque aqui a coalizão vencedora é maior e a vigilância é maior do que nessas autocracias. Podemos dizer que a corrupção no Brasil não é para favorecer o líder pecuniariamente, e sim mantê-lo no poder.

Curiosamente, leis mais estritas de corrupção podem ter o efeito contrário ao desejado, dando mais poder para o líder usar a corrupção contra aliados dissidentes. Em países muito corruptos, o líder sabe de tudo o que acontece, porque isso o ajuda a se manter no poder. Aumentar as penas, nesse caso, só vai dar mais poder de barganha para o líder substituir um essencial rebelde por outro extraído da base de intercambiáveis sedentos para fazer parte da coalizão vencedora. Para reduzir a corrupção, seja no ambiente político, corporativo ou organizacional (caso do COI e FIFA), o que é necessário é expandir a coalizão vencedora, o que envolve o aumento dos intercambiáveis, ou seja, dar a mais pessoas o poder de tomar decisões políticas.

A conclusão é: primeiro de tudo, compre o apoio da coalizão vencedora e faça de tudo para se manter no poder. Em segundo lugar, decida o mix de bens públicos e bens privados para si mesmo, seja benefícios como um estilo de vida luxuoso ou uma conta secreta recheada. No fim, é bem possível que tenhamos um ditador benevolente que reprime a população se tiver que fazer, mas se preocupa com crescimento, emprego e até bens públicos para melhorar a vida da população. Mas, acima de tudo, está a sobrevivência política.

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