Na última parte da série sobre América Latina, vou falar sobre a administração espanhola da colônia. A fonte de informação é o livro The Penguin History of Latin America. A gameplay é do jogo Expeditions: Conquistador.
A colonização
espanhola da América Latina foi operacionalizada por entes privados agindo com
autorização da Coroa Espanhola, mas que não tinham direito de propriedade sobre
o que descobriam. A colônia espanhola era um estado patrimonial, com todo o
poder concentrado no rei da Espanha e as instituições coloniais eram
estruturadas de forma a fazer valer a vontade real.
No começo, a
administração da colônia era feita por um subcomitê do Conselho de Castela e
conforme foi se tornando mais complexo, após a conquista do México, um Conselho
próprio foi criado. Como a colônia estava em desordem no México e no Peru, a
Espanha estabeleceu um sistema de vice-realeza para afirmar a autoridade real
no Novo Mundo. Assim, as Índias seriam um reino distinto da Espanha, ela
própria formada por vários reinos (Castela, Aragão, Leão, Navarra) sob um único
soberano. Diferente de possessões europeias, que tinham uma série de restrições
ao exercício do poder, o monarca poderia exercer poder absoluto sobre as Índias
através do vice-rei e da burocracia real.
A colônia era
separada em dois vice-reinos. Ao norte do istmo do Panamá, o Vice-Reinado da
Nova Espanha com capital na Cidade do México. Na América do Sul, o Vice-Reinado
do Peru com sede em Lima. Como o território era vasto, foram criadas unidades
administrativas menores ligadas às capitais. A unidade administrativa básica
era a província, gerida por um governador, um conquistador importante que
ficava responsável pela região, inclusive as comunidades indígenas.
As províncias
ficavam sob a jurisdição de uma audiência, uma corte judicial com poderes
administrativos e executivos situadas nas capitais das principais províncias.
Os territórios administrados por uma audiência eram considerados um reino
distinto do vice-reino, como o Reino da Guatemala que compreende Guatemala,
Chiapas, Honduras, Costa Rica e outras províncias. De início, o vice-rei era
presidente das audiências menores além das audiências das capitais, mas com o
tempo essas passaram a ter seus presidentes, embora o vice-rei continuasse como
governador militar e responsável último pelas políticas de estado.
Havia algumas
províncias tão importantes que, embora sob a jurisdição de um vice-reino, eram
responsabilidade de capitães gerais que se reportavam diretamente para o
Conselho das Índias na Espanha. Eram quatro as capitanias gerais: Guatemala, Santo
Domingo, Nova Granada e Chile. A capitania-geral tinha um status entre a
presidência e o vice-reino.
Nessa
estrutura, quem tinha o poder no final das contas era a
Coroa, que apontava os principais postos e decidia sobre políticas de estado
através do Conselho das Índias, apesar de delegar poder administrativo e
executivo para esferas inferiores. É como se o presidente da república deixasse
os governadores e prefeitos cuidarem de assuntos cotidianos dos estados e
municípios, mas decidisse sobre as políticas mais importantes. As deliberações
subiam até o Conselho das Índias, que conversava com o rei para depois emitir
as ordens que descem de volta para o Novo Mundo. Com exceção dos conselhos
municipais (cabildos), não havia cargos eletivos e nem havia um mecanismo de
controle das finanças do Estado. A única maneira dos súditos se expressarem era
através de súplicas ao monarca ou apelo a ordens judiciais. Dessa forma, a
Coroa dominava por completo a vida política na colônia, isso sem que nenhum
monarca tenha pisado na colônia.
A principal
figura de autoridade na colônia era o vice-rei, responsável por fazer cumprir a
vontade do rei. Ele devia executar os decretos reais, cuidar da administração
da justiça, supervisionar as finanças e também era responsável pelo bem-estar
material e espiritual dos índios. Depois do vice-rei, vinha os juízes das
audiências, os oidores. A audiência era a suprema corte de lei em sua esfera de
atuação. O vice-rei não podia intervir em uma decisão da audiência, mas podia
supervisionar os processos. Além do mais, tinham funções administrativas e
executivas cumpridas após consulta com o vice-rei. Os oidores podiam
influenciar o vice-rei e, portanto, participavam da administração da colônia e
eram responsáveis por supervisionar o comportamento do vice-rei e reporta-lo ao
Conselho das Índias se necessário. O mandato dos oidores costumava ser mais
longo do que dos vice-reis e por isso eles acabavam se interessante pelas
questões locais. (8)
Oficiais do
tesouro eram outra figura importante na administração colonial. Em toda
expedição ia junto um funcionário real para assegurar que a Coroa recebesse a
sua parte da pilhagem. Assim que a cidade era fundada, esse funcionário era
responsável pela coleta dos impostos para a Coroa, que depois passava pelo
escrutínio da audiência e do vice-rei. A maior parte da receita vinha do
quinto, o imposto de 20% sobre os metais preciosos encontrados na colônia.
Havia também o almojarifazgo, imposto de importação, a alcabala, imposto sobre
vendas, tributos sobre os índios, impostos especiais para financiar guerras
contra infiéis e por ai vai. Em emergências, a Coroa pode criar impostos
extraordinários e empréstimos compulsórios.
A Coroa
nomeava bispos e clérigos na colônia e essa era mais uma maneira da Coroa
influenciar a administração da colônia, dada a elevada influência dessas
figuras nos assuntos coloniais. Tribunais da Inquisição foram instalados em
Lima e na Cidade do México no século XVI, mas isso não foi tão influente já que
a ameaça protestante nas Índias era baixa. A atuação ia mais no sentido de
punir blasfemadores, adúlteros, clérigos corruptos e censurar livros.
A competição
dessas várias instituições – vice-rei, audiências e igreja – criou um sistema
de pesos e contrapesos que impedia a concentração de poder na colônia além, é
claro, da autoridade real. Além do mais, havia restrições impostas aos altos
oficiais em suas relações com os locais, como impedimento de casamento com uma
família local ou a compra de terras. A maioria dos altos postos eram
preenchidos por espanhóis vindos da Espanha e mesmo quando alguém da colônia
era escolhido ele vinha de outro reino. Havia ainda a residência, a auditoria
de alguém vindo da Espanha ou de outros reinos sobre algum oficial. Isso era
feito para simultaneamente preservar a autonomia das autoridades em relação à
sociedade civil que eles governam e preservar a autoridade real na colônia.
Porém, com o
crescimento da colônia, a autoridade real passou a ser exercida com menos
eficiência. Os éditos reais partiam da Espanha e passavam por várias barreiras
e burocracias conforme desciam na hierarquia. Apesar das providências reais, a
corrupção era generalizada, com os oficiais considerando-se proprietários dos
territórios administrados e os baixos salários incentivando o uso do cargo para
ganhos pessoais. As leis que buscavam evitar o envolvimento local dos alto
administradores eram sistematicamente desrespeitadas, mas, de resto, os
ocupantes de altos cargos eram relativamente honestos. A corrupção grassava nas
partes inferiores da hierarquia e isso também afetava a rede de proteção que a
Coroa impunha sobre os índios.
A
administração local refletia a separação judicial entre indígenas e espanhóis
que a Coroa criou para tentar proteger os nativos. Cada raça era alocada em
suas próprias municipalidades e cada jurisdição era supervisionada por um
administrador real. No setor hispânico, as províncias eram divididas em
corrigimientos administrados por um corregedor, que tinha poderes judiciais e
executivos limitados, se subordinando ao governador da província e da audiência
acima deste. Nos corregimientos, havia o cabildo, o conselho municipal, com
membros escolhidos pelo corregedor entre os moradores locais, o corregedor
vindo de fora. O cabildo era oligárquico já que o corregedor tendia a escolher
os cidadãos mais abastados. O cabildo podia cobrar impostos locais, alocar
terra municipal e essas decisões tendiam a servir aos interesses das famílias
poderosas.
Os índios
viviam à parte dos espanhóis e seguiam em boa parte os costumes locais de antes
da colonização, com a liderança sendo exercida de forma hereditária. Mas a
Coroa imporia algumas instituições espanholas e as misturaria com as indígenas.
Conselhos municipais eram criados de forma parecida com as suas contrapartes
espanholas. Esses conselhos também eram oligárquicos, mas o poder das famílias
mais poderosas acabou se reduzindo por conta dos deslocamentos promovidos pela
Coroa que acabaram diminuindo as lealdades tribais, o que abriu espaço para
índios menos favorecidos. Os conselhos municipais acabaram nivelando e
aculturando os indígenas.
Com o tempo,
haveria a imposição de corregimientos nas áreas indígenas e o corregedor de
índios era um espanhol, não um nativo, e ainda por cima um espanhol americano
em conluio com os donos de terras da região. Esse corregedor era o oficial real
mais próximo dos índios e era seu dever cuidar do bem-estar dos nativos ao
mesmo tempo em que coletava tributos e organizava o trabalho dos indígenas. Como
o corregedor podia participar do comércio, o salário era baixo e ele tinha um
mandato limitado a dois ou três anos, o corregedor aproveitava esses anos para
acelerar o trabalho dos índios para explorá-los ao máximo para seu benefício.
Todas essas
instituições se basearam em um modelo que funcionou bem na Europa, mas, apesar
das adaptações à realidade do Novo Mundo, o modelo não funcionou muito bem.
Contribuíram para isso a distância entre Espanha e Novo Mundo e a fraqueza
financeira da metrópole, que não permitiu financiar uma administração mais
eficiente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário