Sobre Coreia
do Sul, vou falar sobre a Guerra da Coreia, que começou em 1950 e ainda não
acabou oficialmente. A fonte de informação é o livro The
Korean War: History in an Hour de Andrew Mulholland. A gameplay é do jogo Supreme Ruler Commander: Cold War.
A Guerra da
Coreia foi um conflito entre as duas partes da Coreia, o Norte comunista e o
Sul capitalista, que ainda está em curso, apesar do armistício assinado em
1953. O paralelo 38 entre as duas Coreias é uma das zonas mais militarizadas do
mundo.
Esse foi um
conflito complexo do ponto de vista político e está inserido no contexto da
Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética e poderia ter desencadeado
uma Terceira Guerra Mundial entre as duas potências, que se enfrentaram diretamente
na Coreia pela primeira e última vez. Envolveu uma série de outros agentes além
das duas Coreias e das duas potências, a ONU se envolvendo em um conflito pela
primeira vez desde a sua criação. A guerra teria uma série de consequências que
vão desde a Guerra do Vietnã até a criação da Otan.
Geograficamente,
a península da Coreia tem 1100 quilômetros de norte a sul com fronteiras com a
Manchúria chinesa ao norte separada por dois rios, a Rússia ao oeste e o Japão
ao sul e ao leste. Por muito tempo e até hoje, a Coreia ficou no meio de
disputas de poder entre essas três potências. No clima, o verão é quente e seco
e os invernos terrivelmente frios. A infraestrutura de transportes era precária
em 1950 e havia apenas dois portos, Pusan ao sudeste e Inchon ao oeste.
Culturalmente,
no que se refere à língua, comida, arquitetura etc., a Coreia é bem diferente
de seus vizinhos japoneses e chineses, com menos influências mútuas do que
Japão e China. Ao longo dos tempos, a Coreia foi invadida por chineses, depois
os mongóis e depois passou a ser ameaçada por potências imperiais emergentes
como a Rússia e o Japão. Em 1896, a Coreia seria separada em zonas de
influência da Rússia e do Japão no mesmo paralelo 38 que divide as duas
Coreias. Em 1904, após a guerra entre Rússia e Japão vencida pelos japoneses, o
Japão se tornou força hegemônica na região e na Coreia. Em 1911, o Japão
formalmente anexaria a Coreia.
A dominação
japonesa na Coreia foi brutal e totalitária, procurando erradicar a cultura
coreana e substituir pela japonesa. Além do mais, a Coreia serviu de colônia
para matérias-primas e mão de obra. Com a derrota do Japão na Segunda Guerra
Mundial, a questão passou a ser a divisão de seu império e isso criaria o
contexto da Guerra da Coreia. Na Conferência de Postdam, a Coreia foi dividida
em duas partes pelo paralelo 38, o norte sob influência da União Soviética, o
sul sob influência americana, como ocorreria em outras partes do mundo
pós-guerra. Havia um acordo para unificar a Coreia futuramente, mas o que
aconteceu foi que cada lado impôs a sua ideologia em sua parte da Coreia, o que
inviabilizava a reunificação.
A União
Soviética colocou um regime comunista na parte norte com o curioso nome de República
Democrática Popular da Coreia sob o comando de Kim Il Sung, que lutou contra os
japoneses na Manchúria e passou um tempo estudando na União Soviética até
retornar à Coreia. No sul, o general americano John Hodge administrou o país
até passar o comando para Syngman Rhee, que tinha se exilado nos Estados Unidos
e que foi eleito presidente da Coreia do Sul em 1948 quando já tinha 73 anos.
Em 1949,
Estados Unidos e União Soviética retiraram as tropas na região. A tensão entre
as duas Coreias cresceu, com nenhum dos lados reconhecendo a legitimidade do outro.
Ocorreram vários incidentes de fronteiras e outros conflitos, que culminaram em
guerra, que começou em 25 de junho de 1950 com um ataque surpresa do norte, que
empurrou para trás as forças do sul. O ataque começou com uma saraivada de
tiros e seguiu com invasão de tanques T-34 e infantaria norte coreana. (8)
Rapidamente,
a ONU enviaria tropas para a região, a primeira unidade, dos Estados Unidos,
chegando em 5 de julho. A Coreia do Sul estava em total desvantagem, desprovida
de tanques e artilharia pesada e com aviões obsoletos. Os norte coreanos, por
sua vez, tinham dez divisões totalmente equipadas e treinadas com táticas da
União Soviética, contando com veteranos de guerra que retornaram da luta sob o
comando de Mao Zedong na Guerra Civil Chinesa. Essas divisões tinham o apoio de
batalhões de tanques e uma pequena força aérea tática. No início, não houve
contestação por parte dos sul-coreanos dada a disparidade de forças.
Douglas
MacArthur, que era o comandante americano no extremo oriente, estava mais
preocupado com a reconstrução do Japão e teve que mudar as prioridades com o
ataque da Coreia do Norte. Estava claro para ele que era uma jogada soviética
para testar o Ocidente. A verdade é que mesmo hoje não sabemos o grau de
culpabilidade da União Soviética e da China nessa situação. Independente de
estar induzindo o conflito, a União Soviética possibilitou a guerra ao suprir a
Coreia do Norte com armas capazes de uma ação ofensiva.
O ataque do
norte foi organizado em quatro colunas, duas se dirigindo a Seul, outra para
Ongjin ao oeste e outra para o leste. A primeira resistência um pouco mais
séria se deu com a Força Tarefa Smith, que, porém, também não foi páreo para o
exército da Coreia do Norte.
A ONU
interviu rapidamente no conflito condenado a agressão norte-coreana. A União
Soviética estava boicotando o Conselho de Segurança da ONU por conta da recusa
em reconhecer o governo de Mao na China e não pôde vetar a intervenção. Quanto
à China, que já tinha uma vaga permanente no Conselho de Segurança e direito a
veto, esta era representada pelo governo de Taiwan de Chiang Kai-shek, não pela
República da China de Mao.
MacArthur
receberia reforços dos próprios Estados Unidos e outras nações respondendo a
Resolução da ONU. No total, dezessete nações contribuíram de algum modo para o
bloco de resistência contra a Coreia do Norte. Chiang Kai-shek ofereceu enviar
tropas, mas o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, recusou a oferta, já
que isso poderia escalar o conflito trazendo a União Soviética ou a China para
a Coreia. O que Truman queria é que essa fosse uma guerra das Nações Unidas,
embora fossem eles, os Estados Unidos, que estavam por trás da organização da
ONU no conflito, o comandante inclusive sendo MacArthur.
Os principais
elementos da defesa das Nações Unidas era poder aéreo fornecido pelos Estados
Unidos e naval pelo Reino Unido. Pelo solo, a situação estava dramática e os
norte coreanos impuseram derrota após derrota sobre os sul coreanos e as tropas
das Nações Unidas, resultando inclusive na queda de Seul para os comunistas. O
principal foco de resistência passou a ser a cidade de Pusan, perto de Seul.
Com o tempo, os comunistas passaram a ter problemas com suprimentos enquanto a
força aérea impunham perdas de homens e tanques para os norte coreanos. Apesar
de estarem em maior número, não tinham reserva de homens e materiais ao mesmo
tempo em que os inimigos recebiam reforços constantemente.
Os norte
coreanos continuariam tentando entrar em Pusan, sem sucesso. No final de agosto
de 1950, lançariam um ataque maciço simultâneo para uma tentativa definitiva de
tomar a cidade, que fracassou. A batalha de Pusan terminaria e a virada de jogo
em favor dos aliados começaria. (15)
Pelo
noroeste, MacArthur lançaria um ataque que capturaria o porto de Inchon e
Walton Walker, comandante do 8º Exército Americano e líder da resistência em
Pusan, pressionaria pelo sul, empurrando de volta os norte coreanos. MacArthur
queria quebrar a linha de suprimentos dos norte-coreanos, que estavam se
preparando melhor para novas incursões em Pusan e o porto de Inchon era vital
para isso. Não era uma tarefa fácil, já que, devido às marés, ele teria poucas oportunidades
para tomar o porto, além de ter que enfrentar a resistência dos norte-coreanos.
O ataque foi lançado no começo de setembro de 1950 e pegaria os norte-coreanos
despreparados para defender o porto. Paralelamente, o Décimo Corpo, sob
liderança do Major General Edward Almond, lutaria para retomar Seul.
Os norte-coreanos
recuaram para o norte, mas impunham resistência no caminho de volta. Ao
contrário do que fez em algumas ocasiões na Segunda Guerra Mundial, MacArthur
não mostraria escrúpulos em lançar ataques aéreos devastadores, mesmo com alto
custo material e humano, inclusive a vida de civis. Houve violações de direitos
humanos do lado defensor, com vários simpatizantes dos comunistas sendo
executados.
Walker sairia
de Pusan e seguiria norte perseguindo os norte-coreanos, até encontrar as
forças de Almond em Seul, que já havia sido libertada. Com Walker em Seul, a
questão passaria a ser sobre se os aliados deveriam continuar seguindo ao norte
entrando em território Norte Coreano. Isso não fazia parte do planejamento
original, que consistia em basicamente não deixar a Coreia do Sul ser dominado
pelos comunistas. O receio era uma intervenção soviética, mas a inteligência
dizia que Stálin queria se afastar desse conflito. Ao mesmo tempo, a volta da
União Soviética ao Conselho de Segurança dificultava qualquer decisão política
nesse âmbito. Quanto à China de Mao, essa era mais difícil de compreender,
então permanecia uma incógnita.
MacArthur foi
autorizado a cruzar o paralelo 38, desde de que mantivesse distância do
território chinês. O plano era mover o Décimo Corpo para Wosan via mar ao leste
e o Oitavo Exército de Walker se dirigiria para nordeste. Isso criou um grande
problema logístico, só explicado pelo gosto de MacArthur de usar ataques anfíbios
extravagantes e a desconfiança com Walker.
Agora eram os
aliados que estavam em vantagem numérica e técnica sobre os norte-coreanos. Em
19 de outubro, os aliados entraram em Pyongyang. Estava tudo indo de acordo com
o plano, até que a China resolvesse intervir.
No final de
outubro de 1950, a China intervém atacando tropas das Nações Unidas na Coreia
do Norte. Em duas semanas, a primeira fase da intervenção chinesa termina com
os americanos e sul coreanos empurrados de volta para o sul. O objetivo da China,
além de repelir os invasores, era assegurar pontos que permitam manobras mais
para o sul e testar a sua força contra um exército moderno. O caça MiG15 foi
utilizado na luta contra as Nações Unidas e se mostrou superior à maioria dos
caças inimigos. Mais do que uma orquestração comunista, a China estava mais
preocupada com a própria segurança, o que só piorou com o bloqueio naval
americano a Taiwan.
Tão
repentinamente quanto começou o ataque chinês parou, mas era apenas uma pausa
para uma segunda fase da contraofensiva iniciada em novembro que colocaria as
forças das Nações Unidas em situação ainda pior. E os comandantes das Nações
Unidas subestimaram os chineses, acreditando que o mesmo colapso após alguma
pressão que vitimou os norte-coreanos iria acontecer com os chineses. Havia
ainda a ideia de que a China era um país de camponeses e na Guerra da Coreia
eles se mostraram um pouco mais do que isso. As Nações Unidas avançaram para o
que acreditariam ser a campanha definitiva e deram de cara com a segunda fase
da ofensiva chinesa e levaram a pior, sendo obrigados a recuar. (22)
Essa foi uma
das piores derrotas do exército americano e a maior humilhação desde Pearl
Harbor. As forças das Nações Unidas recuaram até o paralelo 38, deixando Seul
em cheque. Isso gerou preocupações quanto a uma escalada do conflito da Coreia
do Sul para a China, sendo cogitados maiores bloqueios contra a China, guerra e
até o uso de armas atômicas.
Nas Nações
Unidas, começou a ser discutido um cessar fogo, mas o sucesso da campanha fez a
China sonhar com a unificação da Coreia sob um regime comunista e negou essas
intenções. No começo de 1951, começaria a terceira fase da ofensiva chinesa.
Matthew Ridgway substituiria Walton Walker, que morreu em um acidente meses
atrás, e buscaria recobrar o moral das tropas e adotaria um novo sistema tático
para lidar com os ataques chineses. O grosso do ataque viria de tropas
chinesas, mas os norte-coreanos já estavam reestabelecendo seu exército.
Seul cairia
para os comunistas uma segunda vez enquanto as tropas das Nações Unidas
voltariam a recuar. Com esse recuo, as tropas da ONU conseguiram estabelecer
uma boa linha defensiva e preparavam um contra-ataque.
Depois viria
uma quarta fase da ofensiva chinesa atacando o meio da linha das Nações Unidas
em Hoengseong e Chipyong-ni, mas dessa vez a defesa prevaleceu. Ridgway
conseguiu capitalizar sobre as duas vantagens que as Nações Unidas tinham,
poder de fogo e mobilidade. O objetivo de Ridgway passou a ser de enfraquecer
as forças chinesas, iniciando batalhas mais com o objetivo de causar perdas do
que ganhar terreno. Essa tática deu certo e a defesa da Coreia do Sul pode
recuperar terreno e logo estaria lutando para recobrar Seul. Os chineses, tendo
sofrido consideráveis perdas, começaram a ser mais conservadores. No final de
dezembro, as Nações Unidas já tinham retornado para o paralelo 38.
E voltou o
dilema: eles deveriam seguir mais para o norte ou parar por aí. MacArthur era
da opinião de que o Ocidente deveria combater o comunismo militarmente,
invadindo a Coreia do Norte, atacando a China e se necessário usar armas
atômicas. O que estava em questão era fazer uma guerra localizada ou uma guerra
total e essa separação se daria na política, e MacArthur se mostrava um péssimo
político com essa posição.
Por sorte, o
presidente americano, Harry Truman, não queria uma guerra total. Preferia
pressionar militarmente a Coreia do Norte e a China para forçar um tratado de
paz. MacArthur declarou publicamente as suas opiniões e mais de uma vez Truman
o desautorizaria, até porque Ridgway mostrou um meio de combater os chineses.
MacArthur
seria dispensado de seu posto por Truman e Ridgway assumiria o comando das
Nações Unidas na Coreia. Externamente, essa decisão foi aplaudida pelos aliados
dos Estados Unidos, mas internamente MacArthur foi recebido como herói em uma
administração Truman já muito impopular.
Em abril de
1951, os chineses iniciariam a quinta fase do ataque, esperando pressionar as
forças das Nações Unidas e tomar mais uma vez Seul. Mas, dessa vez, as Nações
Unidas mantiveram a linha defensiva e barraram o avanço chinês. A tática que
era utilizada pelos chineses, o ataque noturno em massa, já era conhecido dos
aliados e foi neutralizado. Com o tempo,
a ofensiva chinesa perdeu fôlego dado o grande número de baixas que sofreram.
As Nações Unidas conseguiram empurrar de volta os chineses e norte coreanos,
mas não avançaram, por conta das considerações políticas mencionadas a pouco.
Assim começou um grande impasse que resiste até hoje. (30)
Se o sucesso
chinês tinha colocado Truman em dúvida sobre a viabilidade da guerra, agora era
Mao que tinha essa dúvida. Pela fracassada quinta fase, ficou claro para os
chineses que eles não conseguiriam empurrar as Nações Unidas para o Sul. Isso
forçou os dois lados para a mesma posição, a de buscar um acordo de paz. Em
julho de 1951 começaram negociações de paz, que não foram muito longe. No campo
de batalha, cessariam as campanhas móveis e essa passaria a ser uma guerra de
trincheira que lembrava a Primeira Guerra.
Eram três
impasses. Na estratégia militar, nenhum dos lados tinha esperança de avançar
sobre o território inimigo. Na tática militar, a guerra de trincheira não
deixava vencedores. E no campo político, as negociações não evoluíam.
As Nações
Unidas se contentariam com o reestabelecimento da fronteira no paralelo 38, mas
os chineses e norte-coreanos esperavam obter mais do que isso. Os comunistas
atrapalharam as negociações como podiam, arranjando artifícios para ganhar
tempo e usando as negociações para propaganda comunista que pouco contribuíam
para o debate. Os comunistas ganhavam tempo na diplomacia enquanto fortaleciam
as suas posições militares.
As
negociações anteriores tinham sido feitas em território norte-coreano. Em
outubro de 1951, nova tentativa em território neutro, em Panmunjom, na
fronteira entre as Coreias. Mesmo assim, os comunistas manipularam as
negociações para ganhar tempo e reforçar as suas linhas, enquanto as Nações
Unidas interrompiam seus ataques. Novamente, nenhum avanço nas negociações e o
campo de batalha ficou ainda mais parecido com a Primeira Guerra. Como
resposta, as Nações Unidas passariam a bombardear alvos logísticos na Coreia do
Norte, sem, no entanto, invadir a parte norte da península.
Em 1952, os comunistas passariam a considerar
mais seriamente um acordo de paz. Um ponto concreto de impasse era sobre o que
fazer com os prisioneiros que não queriam ser mandados para o outro lado,
desnecessário dizer quem não gostaria de ser devolvido e permanecer do outro
lado. A repatriação forçada de prisioneiros soviéticos de volta para a União Soviética
já tinha acontecido no final da Segunda Guerra e não terminou bem para os
prisioneiros que não queriam voltar.
Em 1953 as
negociações se tornariam mais frequentes, mas a questão dos prisioneiros
permanecia. Pior, a Coreia do Sul insistia na guerra para unificar a Coreia,
mesmo que sem a ajuda das Nações Unidas caso um acordo de paz fosse selado. Do
lado militar, continuava havendo guerra, mas permanecia o duelo de artilharias
e ataques a trincheiras. O apoio à guerra tinha diminuído no Ocidente e as
pessoas apenas queriam que isso acabasse logo.
Agora com
Eisenhower como presidente, os Estados Unidos estavam dispostos a encerrar a
guerra rapidamente. Ao mesmo tempo, investiu no fortalecimento do exército sul
coreano e passou a bombardear pontos estratégicos da economia norte coreana.
Eisenhower ameaçaria a China de usar bombas atômicas caso eles não se
empenhassem a encontrar uma solução para o impasse. As negociações enfim
começaram a avançar até que o armistício fosse assinado em 27 de julho de 1953,
encerrando o conflito militar na Coreia.
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