Sobre Croácia e Bósnia, vou falar sobre as Guerras
da Iugoslávia, uma série de guerras de independência na antiga Iugoslávia, que
era formada por seis repúblicas socialistas: Sérvia, Bósnia-Herzegovina,
Croácia, Macedônia, Montenegro e Eslovênia. A Sérvia, por sua vez, tinha duas
províncias autônomas: Kosovo e Voivodina. A fonte de informações é o livro The
Fall of Yugoslávia, de Misha Glenny, um relato contemporâneo da
situação na Iugoslávia, o que tem a vantagem de ser bem detalhado e a
desvantagem de não contar com fatos ocorridos depois da escrita do livro e
interpretações mais atuais. Mischa Glenny é um jornalista britânico que estava
cobrindo a Iugoslávia durante a guerra para a BBC.
A gameplay é do jogo Tactics Ogre: Let us cling together, para PSP. A escolha pode
parecer não fazer sentido, mas o enredo foi baseado nas Guerras da Iugoslávia
segundo o diretor do jogo, o Yasumi Matsuno. A alternativa seria usar o Iron
Warrior: T-72 Tank Command, que é um jogo medonho, os 84 centavos mais mal
gastos da minha vida, até fiz vídeo disso. Então, vamos de Tactics Ogre.
Vou começar pelo segundo capítulo do livro, o
primeiro parecendo mais um relato pessoal do autor do que um relato histórico.
Ele começa o capítulo comparando a Sérvia no começo de 1991 com Mordor, do
Senhor dos Anéis, na verdade, relatando a comparação que era feita na época. Em
dezembro de 1990, Slobodan Milosevic seria eleito presidente da Sérvia, que foi
um ditador paradoxal. Ele não era carismático, não tinha nenhum verdadeiro
nacionalismo e nunca mostrou nenhum afeto para com as massas.
O começo da ascensão política de Milosevic foi em
1987, no Comitê Central Comunista da Liga Sérvia, quando ele denunciaria o
tratamento dispensado às minorias sérvias e montenegrinas em Kosovo, que era de
maioria albanesa. Isso lançou uma demanda nacionalista sérvia e colocou os demais estados iugoslavos em um
dilema: ou aceitavam as minorias sérvias ao longo da Iugoslávia e a dominação
delas na república ou lançavam suas próprias demandas nacionalistas.
A Eslovênia seria a primeira a se levantar contra a
Sérvia, expondo as diferenças étnicas que ficaram esquecidas por 40 anos. Em
1989, o nacionalismo dentro da Iugoslávia estava crescendo, em parte em
resposta à tentativa da Sérvia de ganhar mais poder e em parte pelo
fortalecimento de forças regionais e nacionalistas no Leste Europeu.
Exceto por Montenegro, todo mundo odiava Milosevic
e nem mesmo comunidades sérvias em outros estados tinham grande simpatia por
Milosevic. Dentro da Sérvia, ele ganhou apoio ao levantar a bandeira da causa
sérvia em Kosovo. Milosevic estimularia ainda mais esse nacionalismo sérvio
promovendo uma série de demonstrações de apoio na Sérvia e fora, conseguindo
desestabilizar os governos de Voivodina e Montenegro. O ápice dessas demonstrações
foi a comemoração dos 600 anos da Batalha de Kosovo, quando a Sérvia foi
derrotada pelo Império Otomano. Por que eles comemoram isso? Vai saber...
O discurso de Gazimestan em Kosovo seria decisivo
para acirrar as tensões étnicas na Iugoslávia. Ele falaria sobre a Batalha de
Kosovo, mas também mandaria recados indiretos para croatas, albaneses e
macedônios, falando sobre batalhas que estão ocorrendo e exaltando a sua
capacidade de mobilizar os sérvios. Como era um evento iugoslavo, contava com a
presença do presidente da Iugoslávia, o esloveno Janez Drnovšek, o
primeiro-ministro, o croata Ante Markovic, e o ministro do exterior, o croata
Budimir Loncar. Eles tinham que ficar do lado de Milosevic, ouvindo a sua
exortação do nacionalismo sérvio sem poderem fazer nada.
Milosevic pessoalmente não era uma pessoa muito
amigável com ninguém e não tinha um discurso muito empolgante, mas era a pessoa
mais poderosa da Sérvia e não hesitava em usar as ferramentas mais eficazes da
política dos Balcãs: engano, corrupção, chantagem, demagogia e violência. Ele
procurava dar um jeito de não ser pessoalmente ligado a nenhuma política mais
polêmica, embora fosse centralizador. (8)
As reuniões entre os seis presidentes das
repúblicas iugoslavas foram os principais fóruns de discussão, que resultariam
na guerra civil. Milosevic se oporia a qualquer mudança que enfraquecesse a
ideia de estado unitário sob o comando dos sérvios. Ele insistiria no direito
dos sérvios de viverem em um único estado e usaria isso toda vez que alguma das
repúblicas pedisse por independência. Milosevic diria que eles poderiam ir,
desde que deixasse a parte dos territórios ocupadas predominantemente por
sérvios para trás, criando um impasse.
A Croácia era a república que mais estava em busca de
independência para realizar o milenar sonho de ter um estado próprio. Para
evitar uma guerra, Milosevic teria que abrir mão de manter a Iugoslávia unida e
o novo presidente da Croácia, eleito em 1990, Franjo Tuđman, teria que aceitar
negociar com a minoria sérvia. Nenhum dos dois se dispôs a ceder.
Antes de qualquer coisa, Milosevic teria que lidar
com eleições na Sérvia, marcadas para dezembro de 1990 e que ele já não consiga
mais evitar. Havia uma série de grupos com fervor nacionalista mais forte do
que Milosevic, que usava a bandeira nacionalista para ganhar e reter o poder.
Havia, por exemplo, o Partido Radical da Sérvia, o Renovação Nacional da Sérvia
e o Movimento Renovador Sérvio. Esses grupos defendiam a criação de uma Grande
Sérvia e a expulsão dos não-sérvios do país, ou seja, defendiam uma limpeza
étnica. Eram grupos militarizados e se envolveriam nas guerras da Iugoslávia
cometendo diversos crimes contra a humanidade. Mais moderado, havia o Partido
Democrático, que tinha uma bandeira nacionalista imposta pelo clima gerado por
Milosevic, mas não tinha ideias tão radicais quanto os outros movimentos.
O Partido Socialista de Milosevic tinha imensas
vantagens sobre os seus rivais, em termos de dinheiro para campanha e acesso à
mídia. O Partido encheu as ruas com cartazes com o lema “Conosco não há
insegurança”, prometendo não só segurança física, mas política e econômica, já
que o povo estava incerto sobre as mudanças propostas pelos outros partidos.
Mesmo com tudo isso, o partido de Milosevic receberia 48% dos votos, o que é
baixo considerando as suas enormes vantagens sobre os oponentes.
Reeleito, Milosevic continuaria intransigente sobre
a unidade da Iugoslávia, sob protestos principalmente de Croácia e Eslovênia. O
fervor nacionalista sérvio afetou o dia a dia nas cidades, o alfabeto cirílico
substituindo totalmente o alfabeto latino e todos os que escreviam em alfabeto
latino sendo alvos de violência. Grupos nacionalistas radicais vendiam
camisetas com os seus lemas nas ruas de Belgrado.
Após as eleições, Milosevic continuaria em campanha
para desacreditar os seus adversários políticos dentro da Sérvia, utilizando a
mídia, em especial a televisão, para isso. A rede Dnevnik II foi a principal
arma política de Milosevic, que em 16 de fevereiro de 1991 divulgou uma
reportagem denunciando Vuk Draskovic, do Movimento Renovador Sérvio, de ter
contatos secretos com a Croácia. Em resposta, Draskovic chamaria uma revolta
para o dia 9 de março contra a Dnevnik II, chamando de bastilha da TV.
Draskovic conseguiria arregimentar o apoio de
vários membros da oposição à Milosevic. A crise foi se aproximando, e Milosevic
decidiu-se por não agir para evitar o confronto. Na data marcada, a polícia de
Belgrado ocuparia as entradas da cidade para conter o protesto. Carros foram
revistados, pessoas com armas foram presas, algumas com armas plantadas para
efetuar a prisão, e a cidade parecia que estava em lei marcial. (15)
Às 10:30 do dia 9 de março, uma multidão tomou a
Praça da República em Belgrado. A polícia cercou a praça e também pontos
estratégicos, como a estação de TV que era considerada a bastilha. A política
estava equipada com máscara de gás, cassetete, escudo antiprotestos e canhões de
água.
Houve confrontos por toda a cidade, com os
manifestantes jogando pedras na polícia, que respondia com canhão de água e gás
lacrimogênio. O mais irônico de tudo é que as guerras na Iugoslávia começariam
com um confronto entre sérvios. Os manifestantes conseguiram fazer com que a
polícia recuasse. Essa foi uma vitória dos revoltosos, mas seria apenas o
começo.
Precisamente ao meio-dia, Draskovic apareceria na
sacada do Teatro Nacional, sendo recebido pela multidão que se reuniu sob sua
convocação. Após algum tempo de discurso de Draskovic, a polícia retornaria e
atacaria os manifestantes, que revidariam com a mesma força e levaria Belgrado
a ter dois dias de violência.
Em dado momento, a polícia começou a atirar com
balas de verdade. A primeira vítima foi o estudante Branivoje Milinovic, que
não tinha nada a ver com os protestos. Dessa forma, a primeira vítima do terror
político de que Milosevic tanto falava não seria morta por croatas ou por outra
etnia, e sim por um sérvio a serviço de Milosevic. Para completar, tanques do
Exército Popular da Iugoslávia começaram a agir contra os protestos.
Centenas de pessoas foram feridas e presas,
incluindo Vuk Draskovic. Redes de televisão e de rádio independentes que não
eram controladas pelo governo foram tiradas do ar. Por toda Belgrado, um rastro
de destruição que não se via desde a Segunda Guerra Mundial.
Outra manifestação, agora de estudantes na fonte de
Terazije, ganhou corpo e arregimentaria o apoio de muita gente. Os estudantes
formulariam oito demandas para acabarem com a revolta: 1) O fim das medidas
repressivas do estado de emergência inconstitucional; 2) Libertação de todos os
presos nas manifestações; 3) A investigação dos responsáveis pela repressão; 4)
A demissão dos barões da mídia de Milosevic; 5) Fim do monopólio dos meios de
comunicação e a garantia da independência das TVs e rádios independentes; 6)
Acesso do independente Studio B às instalações da RTV Belgrado; 7) A demissão
do Ministro da Polícia; 8) A convocação de uma reunião extraordinária do
parlamento sérvio.
As manifestações ganharam força e as demandas
começaram a ser realizadas. Primeiro, o parlamento sérvio foi convocado. Nessa
sessão, transmitida ao vivo sem cortes, os parlamentares da oposição se
mostraram despreparados e o do partido de Milosevic acusaram os estudantes de
serem anti-patrióticos. No fim, duas das demandas foram atendidas, a
investigação da repressão e o acesso do Studio B às instalações da RTV
Belgrado, além de garantias à independência das TVs e rádios. Por fim, vários
dos líderes dos protestos, incluindo Vuk Draskovic, foram libertados.
A resposta de Milosevic aos protestos foi a
organização de uma manifestação pró-governo. Ao contrário dos protestos contra
Milosevic, essa manifestação tinha uma idade média acima de 50 anos, composta
por pessoas com saudades dos velhos tempos da Iugoslávia comunista. A situação
dos sérvios na Croácia voltaria a ser evocada pelos simpatizantes de Milosevic.
Milosevic sabia que a sua situação política não era
confortável, mas não pretendia sumir da vida política totalmente. Ele voltaria
a um pronunciamento no parlamento, onde voltaria a falar sobre o risco da
desunião dos sérvios. Milosevic sairia bem dos protestos, conseguindo não ser o
foco das manifestações e tendo a quem jogar para os leões para se eximir da
culpa. Além do mais, ele sempre podia se eximir de responsabilidade, dizendo
que as demandas populares não dependiam dele, o presidente, e sim do
parlamento. Na verdade, os manifestantes não tinham de forma geral oposição à
Milosevic, alguns até procuravam blindá-lo dos protestos. (24)
Milosevic procuraria aumentar as ligações com o
Exército Popular da Iugoslávia e seu alvo, até para efeitos de diversão de
atenção, seria a Croácia. Milosevic só precisava de um pretexto para a guerra,
e ele viria logo.
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