Nesse vídeo, vou falar sobre os capítulos 4 e 5 do
livro Raízes
do Brasil, basicamente sobre quatro conceitos. Novamente, a gameplay é do
jogo Civilizations
V.
No capítulo 4, O Semeador e o Ladrilheiro, Sérgio
Buarque de Holanda procura diferenciar as colonizações espanhola e portuguesa.
Até então, vinha se referindo à colonização ibérica e à herança ibérica, mas há
grandes diferenças entre os modos como Portugal e Espanha realizaram as suas
colonizações. E se o capítulo 3 era um contraste entre rural e urbano, o
capítulo 4 é entre esses dois modus operandi, o do semeador e do ladrilheiro.
O ladrilhador é a Espanha, que procurou mais do que
Portugal estabelecer cidades no Novo Mundo. A urbanização é uma atitude anti
natural e que envolvia planejamento e pensamento de longo prazo. A urbanização
era uma empresa da razão, um ato da vontade humana para dominar o ambiente
totalmente desfavorável que eles encontraram. Foi o triunfo da aspiração de
dominar o mundo conquistado. A ideia era que o homem podia intervir na natureza
e alterar o curso da história ao invés de segui-lo. Como exatamente isso se
expressa está em maiores detalhes no livro.
A Espanha procurou assegurar o predomínio militar,
econômico e político sobre as terras conquistadas e fez isso criando núcleos de
povoação estáveis e bem ordenados. A colonização espanhola começou como uma
aventura, com os conquistadores tendo a liberdade de agir como achavam melhor e
depois prestar tributos para a Coroa, mas depois a Espanha passou a controlar
as suas colônias no Novo Mundo.
Portugal, o semeador, por outro lado, não procurou
tanto construir ou plantar alicerces na colônia e estava mais preocupado em
feitorizar uma riqueza fácil no Brasil. O caráter de exploração comercial
predominou no Brasil, ao contrário da América Espanhola, onde os espanhóis
procuraram fazer uma extensão da metrópole, ao menos no começo. Prova disso
foram as universidades fundadas na América Espanhola ainda no século XVI, a
primeira universidade do Brasil só aparecendo no século XX (pelo que pesquisei,
o autor não cita esse dado). Faltou aos portugueses a vontade criadora dos
espanhóis, mesmo que nem sempre as melhores intenções prevaleciam entre os
dominadores.
O clima mais temperado nas regiões dominadas pelos
espanhóis ajudou os conquistadores a se sentirem mais em casa. A colonização
espanhola foi mais no interior e em maiores altitudes, enquanto a portuguesa
foi mais tropical e litorânea. Os espanhóis toleravam a colonização na costa
caso fosse possível construir bons portos, enquanto que os portugueses
procuravam restringir a colonização do interior. A própria exploração do
interior, já muito tardia, viria de pessoas que não estavam a mando da coroa e
que tinham pouco contato com os portugueses. Porém, mesmo a exploração do
interior brasileiro foi mais uma aventura e uma exploração do que um obra
colonizadora.
Com a descoberta de ouro mais para o interior do
Brasil, Portugal demonstrou um interesse renovado no Brasil e procurou colocar
ordem em sua possessão ultramarina, mas ainda assim dirigido pela lógica
exploradora e comercial. Não fosse isso, é provável que Portugal insistisse na
obtenção de lucros fáceis mais próximo do litoral. É inconcebível que um
português fizesse o que fizeram Cortés e Pizarro de destruir seus navios para
reaproveitar a madeira.
Por isso que o autor é da opinião de que dominação
portuguesa teve mais característica de feitorização do que de colonização. Não
era intenção dos portugueses fazer qualquer obra que não trouxesse benefícios
de curto prazo. Portugal queria que a colônia complementasse a metrópole e
proibia que houvesse a produção de artigos que competissem com produtos
portugueses.
De certa forma, a colonização portuguesa era mais
liberal do que a espanhola. Isso se manifestou na permissão concedida a
estrangeiros de explorar o litoral, desde que compartilhassem seus lucros com
Portugal. E também se manifestou nas cidades, que tiveram um desenvolvimento
desordenado, ao contrário do planejamento espanhol. A isso contribuiu a aversão
à ordenação impessoal que já foi mencionado e que voltará ao tema daqui a
pouco. A urbanização não foi um produto mental, uma contradição com a natureza.
A palavra que usam é desleixo e uma “íntima convicção de que não vale a
pena...”.
Assim, o português foi um semeador no Brasil,
jogando as sementes de maneira desleixada e esperando que brotassem. Não
demonstrou maior preocupação em se fixar na terra e a sua própria proximidade
com o litoral indicava que eles estavam aqui temporariamente. O ladrilhador
espanhol teve uma preocupação maior em exercer seu domínio e fez um trabalho
sistemático de ocupação do território.
E por que isso ocorreu? O autor fornece algumas
explicações, como a unificação política precoce de Portugal. A Espanha
permaneceu muito tempo fragmentada e por isso surgiu no país uma ânsia
centralizadora, codificadora, uniformizadora que não existia em Portugal. A
falta de problemas parecia facilitar a atitude de “deixar estar” dos
portugueses e isso se refletiu na colonização brasileira.
Agora vamos para o capítulo cinco, o que eu
considero o melhor capítulo do livro, o que fala do homem cordial. Em grande
parte do mundo, o Estado é uma descontinuidade e até uma oposição ao círculo
familiar e o sistema industrial, em oposição às antigas corporações de ofício,
é um sistema impessoal e profissional. As relações passam a ser fundadas em
princípios abstratos e substituem os laços afetivos e de sangue.
Mas essas ideias encontram resistência em locais
onde é muito forte a ideia de família, principalmente a de tipo patriarcal, e é
difícil o florescimento de virtudes antifamiliares como iniciativa pessoal e
concorrência. Mesmo com a urbanização e a ida de filhos das famílias ricas para
institutos de ensino superior não romperam com essa mentalidade que foi-se
desenvolvendo conforme foi mostrado nos últimos capítulos.
Por essa razão, os detentores de posições públicas
criados por essa cultura tinham a dificuldade de distinguir o público do
privado e surge aqui o primeiro conceito chave do capítulo, o patrimonialismo.
Nas palavras do autor, “para o funcionário patrimonial, a própria gestão
política apresenta-se como assunto de interesse particular; as funções, os
empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário
e não a interesses objetivos”. A escolha das pessoas para exercer as funções
públicas se dá menos por mérito e por habilidade e mais por confiança pessoal.
Predomina as vontades particulares, que encontram seu ambiente próprio em
círculos fechados, como a família e as relações domésticas foram modelo das
relações sociais.
E vamos para o segundo conceito, aquele que dá nome
ao capítulo. A cordialidade brasileira, entendida na concepção de Sérgio
Buarque de Holanda, não tem nada a ver com bondade, gentileza, amabilidade,
hospitalidade ou qualquer outra virtude semelhante. Cordialidade aqui vem de
coração e se refere à propensão dos brasileiros de encarar tudo com um fundo
emotivo, como já foi mencionado anteriormente. Junto com essa cordialidade, vem
à aversão às relações impessoais, que são necessárias para o bom funcionamento
das instituições públicas e até privadas.
Isso se manifesta também na aversão a ritualismos
sociais e a dificuldade do brasileiro em mostrar reverência prolongada diante
de um superior. A reverência pode até existir, desde que não suprima o desejo
de estabelecer intimidade. É também manifestação dessa tendência de atribuir a
tudo um fundo emotivo o amplo uso de diminutivos e também de se referir às
pessoas com o primeiro nome e não com o prenome mesmo sem maior intimidade.
Dessa forma, é um traço marcante do brasileiro a
dificuldade em estabelecer formas de convívio que não sejam ditadas por um
fundo emotivo, traço que é de difícil compreensão para os estrangeiros. A questão
é que esse traço se difunde para contextos em que relações mais impessoais
deveriam prevalecer, como os negócios e principalmente a gestão pública.
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