Sobre a Inglaterra, vou falar sobre a Guerra
das Rosas. Na verdade, vou falar sobre eventos que ocorreram antes desse
importante evento da história inglesa, ficando para vídeos futuros falar sobre
o restante. A fonte de informação é o livro Lancaster Against York de Trevor Royle. A gameplay será do jogo War of
the Roses.
A Guerra das Rosas teve início com um conflito
dentro da família Plantageneta, que governava a Inglaterra desde 1154. Ricardo
II subiu ao trono em 1377 aos 10 anos e teve a sua coroa ameaçada por Henrique
de Bolingbroke, neto de Eduardo III da Dinastia Plantageneta, que se tornaria
rei em 1399, colocando a Casa de Lencastre no trono inglês, se tornando
Henrique IV. Mas a Casa de Lencastre não era a única interessada no trono
inglês, a Casa de York também exigindo o trono para si. As duas Casas têm
origem em filhos de Eduardo III da Casa Plantageneta, João de Gante, que formou
a Casa de Lencastre, e Edmundo de Langley, fundador da casa de York. No reinado
do inepto Henrique VI da Casa de Lencastre, o conflito entre as duas casas de
acirrou, resultando em uma disputa de poder.
A origem do termo é um pouco incerta. Historiadores
discutem se esse é o nome mais adequado para o conflito, mas o fato é que o
nome pegou. Foram feitas várias referências a duas rosas ao longo do tempo. David
Hume, em sua História da Inglaterra em 1726, se referiu à “guerra das duas
rosas”. Walter Scott, em seu “Anne of Geierstein”, citava o conflito entre as
Rosas Brancas e Vermelhas. Shakespeare, na primeira parte do Henrique VI,
coloca uma cena onde a retirada de rosas brancas e vermelhas indica a oposição
entre as duas casas. O Ricardo III, dos Tudors (o vencedor final da Guerra das
Rosas), em peça de Shakespeare também declararia o desejo de unir rosas brancas
e vermelhas. No século XIX, o termo já era bastante disseminado para nomear o
conflito. Além do termo não ter sido usado na época, não se tem evidência de
que os dois lados lutaram com esses símbolos.
Como um conflito militar, a Guerra das Rosas
começou em 22 de maio de 1455 com a Primeira Batalha de St. Albans, mas para
entender a razão do conflito devemos voltar para 1399. Nesse ano, Ricardo II,
neto de Eduardo III, rei cujos filhos dariam origem às duas casas envolvidas no
conflito, foi forçado a abdicar ao trono.
Ricardo II subiu ao trono em 1377 aos 10 anos
e, por conta da idade, obviamente não conseguiria governar sozinho. Como seu
avô, Eduardo III, teve 13 filhos, 5 deles homens, candidato para regente e para
futuro usurpador não faltava. O segundo na linha, Lionel, Duque de Clarence,
morreu em 1368 e estava fora, mas sua filha, Philipa, tinha casado com Roger
Mortimer, de uma poderosa família, descendente de Ralph Mortimer, que invadiu a
Inglaterra junto com Guilherme o Conquistador. João de Gante, primeiro duque de
Lencastre, terceiro na linha de sucessão, era um poderoso homem por suas posses
e terras, suas habilidades diplomáticas e de guerra. Suspeitava-se que ele
tramava contra Ricardo II, embora não esteja claro se os rumores eram
verdadeiros. O próximo na linha de sucessão era Edmundo de Langley, conde de
Cambridge e futuro Duque de York e fundador da Casa de York. Depois, vinha
Thomas de Woodstock, Conde de Buckingham e futuro Duque de Gloucester.
Com tantos candidatos poderosos no páreo, ficou
claro que nenhum dos tios de Ricardo II poderia ser nomeado regente sem começar
um banho de sangue. A solução foi criar um conselho para decidir as políticas e
aconselhar o rei, mas essa solução criou uma paralisia política em um péssimo
momento interno e externo. Na época, a Inglaterra estava em guerra com a França
na Guerra dos Cem Anos, que criou volumosos custos para a coroa inglesa,
aumentando as tensões internas.
Vários reis ingleses governaram através de
conselhos e com dois cargos de importância na administração do reino. O
chanceler, guardião do Grande Selo, e o tesoureiro, guardião do exchequer
(erário público), o ministro da economia da Inglaterra sendo chamado hoje em
dia como Chancellor of the Exchequer. Em níveis nacional e local, há uma série
de juízes e xerifes. O rei era uma figura de arbitro supremo e tinha que manter
uma aparência de verdadeiro governante do reino, no que Ricardo II foi
bem-sucedido.
Na minoridade, o mais próximo do rei era seu
tutor Simon de Burley, e nessa época desenvolveu-se a sensação de que a corte
real tinha poder e privilégios em excesso em detrimento dos conselhos que
efetivamente governavam o país. O nível crescente de tributação e os gastos
exorbitantes da corte real, em especial roupas para o rei Ricardo II,
aumentaram a insatisfação política na Inglaterra. Os gastos com a manutenção do
vasto reino e com as guerras com a França também foram fatores que colocaram em
pressão as contas públicas inglesas.
Revoltas Camponesas
O aumento na chamada poll tax, um
imposto pago per capita, em 1380 foi a gota d’água e resultou na Revolta
Camponesa de 1381, que coincidiu com insatisfação com as condições de trabalho
no campo. A Peste Negra deu mais poder de barganha aos camponeses, ao reduzir o
número de trabalhadores, e a rígida estrutura feudal foi desafiada por esse
fator que deu mobilidade social aos camponeses. A revolta começou com o
assassinato de coletores de impostos e a recusa de pagamento de impostos, que
levou à prisão de quem não pagava o tributo. Em junho de 1381, uma multidão
marchou até o Castelo de Rochester em Kent para exigir a libertação dos presos.
Na Cantuária, os revoltosos ameaçaram matar o arcebispo, que era um dos
conselheiros do rei e, portanto, um dos responsáveis pelo aumento de impostos.
Wat Tyler emergiu como um líder da
revolta, que também teria o nome de Rebelião de Wat Tyler no futuro. Na
verdade, foram várias revoltas simultâneas que convergiram para Londres. John
Ball, clérigo que havia entrado em conflito com o Arcebispo da Cantuária por
suas denúncias contra a corrupção do clero, também teve papel proeminente na
revolta. Os líderes tentaram posicionar a revolta não contra o rei, e sim
contra os seus maus conselheiros. Em Londres, os revoltosos atacaram
propriedades de seus alegados inimigos, em especial João de Gante. O rei,
inicialmente em Windsor, foi para a Torre de Londres que podia ser melhor
defendida. Mesmo com 14 anos, os relatos dão conta que Ricardo II agiu com
coragem e convicção ao aceitar conversar com os rebeldes.
Ricardo II se encontrou com os
rebeldes acompanhado apenas pelo prefeito de Londres, William Walworth, em Mile
End. Os rebeldes deixaram claro que não queriam depor o rei e reivindicaram a
abolição da servidão, a abertura do mercado de trabalho e a fixação de aluguéis
para propriedades rurais. O rei concordou com as reivindicações, prometendo
enviar depois cartas com o Grande Selo permitindo que voltassem para casa com o
perdão real.
Essa seria uma vitória para o rei,
que acabou com a revolta ao mesmo tempo em que mostrou a sua autoridade real.
Porém, enquanto ele estava fora, rebeldes de Wat Tyler conseguiram entrar na
Torre de Londres e sumariamente executaram o Arcebispo da Cantuária e Robert
Hales, o tesoureiro, responsabilizado pelo aumento de impostos.
Em nova negociação com revoltosos,
Ricardo II encontrou-se com Wat Tyler, que não mostrou a mesma subserviência
dos rebeles na negociação anterior e tratava o rei como um semelhante,
inclusive o chamando de “irmão”. Ele chegou com novas reivindicações, como a
abolição dos títulos seculares e religiosos e o confisco de terras da Igreja.
Ricardo II parecia inclinado a ignorar o comportamento petulante de Tyler e
aceitar as reivindicações, mas, segundo os relatos, o prefeito de Londres com
seus seguidores atacaram Tyler e o mataram.
As coisas poderiam ficar bem ruins
nesse momento, após o assassinato do líder dos revoltosos. Mostrando grande
coragem para seus 14 anos, Ricardo II se dirigiu à multidão e ordenou que eles
os seguissem. A chegada de tropas e a grande estima que os rebeldes tinham pelo
rei, aliado com seu comportamento corajoso, resolveram a questão e os rebeldes
dispersaram. Esse evento acabou sendo um grande marco para Ricardo II em sua
juventude, mas também acentuou uma presunção sua de que era um escolhido por
Deus, que era diferente de todos os outros, que seria visto como a solução para
todos os problemas e de que a sua majestade era inviolável.
No final das contas, o rei não
manteve a sua promessa com os rebeldes. Outro líder, John Ball, foi preso e
executado, mas não chegou a haver um grande banho de sangue. Acabou sendo uma
amostra da autoridade real e provavelmente um desincentivo para que novas
revoltas ocorram, como ainda estavam ocorrendo em certas áreas da Inglaterra.
Michael de la Pole
Após a Revolta Camponesa, o rei passou a buscar
uma esposa. A melhor combinação em termos políticos era o casamento com Ana da
Boêmia, filha do imperador do Sacro-império Romano, Carlos IV, o que
adicionaria prestígio à Inglaterra na disputa com a França. Apesar de ser um
casamento arranjado, Ricardo II se afeiçoou com a sua esposa, principalmente
depois da morte da mãe em 1385. Ana teve uma “presença estimulante” na corte e
estimulou o marido em interesses culturais.
O resultado das revoltas, o casamento e a
diminuição do sentimento contrário ao Sacro Império Romano decorrente do
casamento, criaram a sensação de paz e que o rei produziria uma família para
estabelecer uma linha de sucessão.
O parlamento escolheria Michael de la Pole,
apoiador de João de Gante, e o Conde de Arundel como conselheiros do rei. A
intenção era colocar um limite ao comportamento errático do rei, mas Ricardo II
usou dessa oportunidade para sua vantagem. O chanceler Richard Scrope
criticaria o rei por estar beneficiando aqueles mais próximos dele, o que
acabou servindo apenas para tirá-lo do cargo. No seu lugar, o rei nomearia
Michael de la Pole, que depois receberia o título de Conde de Suffolk. De la
Pole não vem de uma família nobre, seu pai tendo ascendido na corte graças à vultuosos
empréstimos cedidos à coroa. Uma influência mais perniciosa era a de Robert de
Vere, 9º Conde de Oxford, que tinha um comportamento mal visto na corte. Ele
ganharia os títulos de Marquês de Dublin e Duque da Irlanda, títulos excessivos
para alguém que pouco contribuiria para o reino e era incompatível com seus
talentos, mas que tinha uma boa relação com o rei. Aliás, boa até demais,
segundo alguns boatos, que não se sabe se eram fundamentados.
Esses episódios mostraram a vontade
de Ricardo II em impor a sua vontade e também certo desleixo ao promover uma
figura como de Vere. Tios e outros conselheiros ficaram insatisfeitos com essa
decisão em um momento em que estavam pressionando o rei a adotar uma política
externa mais agressiva, em especial contra a França. Ganhos militares contra a
França seriam uma boa oportunidade de Ricardo II mostrar-se um bom soldado e
para os que estavam ao seu redor de obter benefícios de eventuais vitórias.
Guerras
externas
Em 1383, uma revolta em Gante, nos Países
Baixos, criou a oportunidade perfeita para uma campanha contra a França. Esse
episódio interrompeu o comércio de lã da Inglaterra para Flandres, que era uma
grande fonte de renda dos ingleses. Essa foi uma boa oportunidade para os
ingleses ganharem glórias militares ao mesmo tempo em que defendiam os seus
interesses comerciais em uma literal cruzada, como o líder da campanha, Bispo
Henry Despenser, conseguiu classificar junto ao Papa Urbano VI, inclusive com a
concessão de indulgências (remissão dos pecados no Purgatório, um dos grandes
abusos da Igreja que teriam consequências séculos depois).
Porém, não saiu exatamente como eles estavam
planejando. Liderando um exército despreparado e inexperiente, Despenser foi
obrigado a recuar após a chegada de tropas francesas superiores lideradas por Filipe,
Duque da Borgonha. Além de não ter conseguido a glória militar pretendida, a
campanha foi uma humilhação e um desperdício de dinheiro, fora não ter
conseguido tirar os franceses de Flandres. Após essa derrota, aumentou o temor
de um ataque francês e os escoceses aproveitaram a oportunidade para atacar do
norte.
A prioridade era lidar com os escoceses, que
tinham recebido reforço dos franceses. Para isso, Ricardo II foi pessoalmente
liderar o ataque, com a companhia de João de Gante. A campanha foi bem
sucedida, apesar de inconclusiva. Os ingleses penetraram no território escocês,
mas falharam em forçar uma rendição. No fim, Ricardo II conseguiu a glória
militar que buscava e dois de seus tios receberam títulos, Edmundo Langley como
Duque de York e Thomas de Woodstock como Duque de Gloucester, porém, nenhum
ganho para o reino.
Após a campanha da Escócia, João de Gante
passou a cogitar se tornar rei de Castela, ele tendo razões legítimas para isso
devido ao seu casamento com Constança, filha de Pedro I de Castela. Gante
percebeu que a situação interna na Inglaterra ia mal com um líder cabeça dura
como Ricardo II e foi buscar outros ares.
Crises
Internas
Em outubro de 1386, o parlamento se reuniu para
discutir a necessidade de um aumento nos impostos para financiar a defesa das
costas, das fronteiras com a Escócia e a campanha de João de Gante em Castela.
Alguém tinha que pagar por isso e o escolhido foi o chanceler Michael de la
Pole. A Câmara dos Comuns exigiu a deposição do chanceler, mas o rei não acatou
em mais uma demonstração de imprudência. Por essa decisão, Ricardo II foi
confrontado pelo bispo de Ely e o Duque de Gloucester (Thomas de Woodstock, tio
do rei), Ricardo II perguntaria se eles se rebelariam contra ele, a resposta
sendo que a contrariedade deles era contra as políticas do rei e seus
conselheiros, novamente preservando a figura real.
Ricardo II elevaria as apostas dizendo que
procuraria a ajuda do rei da França. Gloucester então lembrou ao sobrinho que o
rei podia ser deposto se negligenciasse seus deveres, como ocorreu com Eduardo
II. Ricardo II entendeu o recado, dispensou de La Pole, o tesoureiro e uma
série de outros oficiais. De La Pole foi preso, para depois ser perdoado e
continuar buscando favores do rei. Isso enfureceu os inimigos do rei, que
criaram uma comissão para revisar os gastos do rei, que Ricardo II teve que
acatar, apesar da comissão existir por apenas um ano.
Em 1387, Ricardo II faria um giro pelo país
durante os trabalhos dessa comissão. Tendo a sua majestade questionada e já se
sentindo ameaçado, esse movimento fez parte do planejamento de seus próximos
passos e a busca por apoio país afora. Enquanto isso, de Vere arregimentava
tropas para apoiar o rei e sir Robert Tresilian, responsável por lidar com os
resultados jurídicos da Revolta Camponesa, aconselhou o rei na questão da
legalidade da comissão de finanças, procurando por uma possibilidade de acusar
os responsáveis por traição contra a coroa.
Gloucester e Arundel sabiam que o rei tinha
conseguido julgamentos contrários a eles e passaram a angariar apoio entre os
descontentes com o rei. O próximo passo foi indiciar De la Pole, de Vere,
Tresilian e outros por traição. Para surpresa deles, Ricardo II aceitou as
acusações. A promessa do rei, que ele não pretendia manter, era convocar o
parlamento para reunião em fevereiro de 1388. Quatro dos acusados se esconderam
ou se exilaram, mas de Vere foi ao norte convocar o exército arregimentado para
o rei. Por sua vez, Gloucester e Arundel também começaram a reunir suas forças,
contando com a ajuda de Henrique Bolingbroke, filho de João de Gante e Duque de
Derby, e Thomas Mowbray, afilhado de Arundel e Duque de Nottingham. A
Inglaterra estava à beira de uma guerra civil.
O primeiro movimento foi de de Vere, que se
dirigiu à Londres para mostrar oferecer proteção ao rei, mas o avanço foi
barrado por tropas dos Lordes Apelantes, como Gloucester e Arundel ficaram
conhecidos, que se dirigiram à Londres, forçando Ricardo II a se refugiar na
Torre de Londres. De Vere fugiria, sendo dado como morto, e se exilou na França
onde morreria cinco anos depois.
Isso não chegou a ser uma guerra civil, mas foi
a primeira vez que ingleses enfrentaram ingleses por mais ou menos meio século
desde a deposição de Eduardo II. E os Lordes Apelantes até cogitaram depor o
rei, mas preferiram mantê-lo e negociar, tendo todas as cartas na mesa após a vitória
militar. O rei concordou em convocar parlamento, em prender os cinco acusados,
com alguns acréscimos à lista como Simon Burley, o tutor de Ricardo II (ou
ex-tutor, já que ele já atingiu a maioridade) e os juízes que tinham condenado
os Lordes Apelantes anteriormente.
Parlamento
sem misericórdia
O parlamento, que seria chamado de Parlamento
Sem Misericórdia, foi chamado na data acordada e o rei teve que ouvir as
reclamações dos Lordes Apelantes. Não só isso, os presos foram julgados e
condenados ao exílio ou, mais comumente, morte em julgamentos não muito justos.
De la Pole e de Vere estão fugitivos, mas Simon Burley não teve a mesma sorte e
acabou sendo executado acusado de ter se aproveitado dos favores do rei desde
mais jovem. Porém, tentativa de tirar Ricardo II do poder não teve, apenas a
faxina em seu corpo de conselheiros e uma limitação em seu poder.
Depois, Ricardo II nomearia novo chanceler,
William de Wykeham, que havia servido Eduardo III. Outros conselheiros foram escolhidos,
equilibrando independência de espírito com cuidado de não ofender os Lordes
Apelantes, apesar de eles terem saído da vida pública após os últimos
episódios. Um conselheiro importante foi João de Gante, que retornou de Castela
sem o trono pretendido.
Os próximos cinco anos foram de relativa paz
tanto no âmbito interno, quanto no externo, sem grandes conflitos internos ou
guerras. Nesse período de calma, Ricardo II dedicou-se às artes. Como já se
fazia, Ricardo II patronizava poetas e escritores na corte, com a diferença
dele exigir que os poemas fossem escritos em inglês. Na época, nas cortes se
falava mais o francês e gradualmente o inglês foi mais aceito na corte. Um dos
escritores apoiados já de longa data era Geoffrey Chaucer, autor de “Os contos
da Cantuária”, que é também um bom retrato da Inglaterra da época de Ricardo
II. Chaucer esteve sobre pressão durante o Parlamento Sem Misericórdia, onde
foi examinado, mas nada aconteceu com ele e Chaucer inclusive ganharia um cargo
importante na corte. Nessa época, Ricardo II pediu um retrato seu, que pode ser
visto hoje na Abadia de Westminster.
Dois incidentes mancharam esse período
pacífico. Ricardo II pediu um empréstimo para Londres, que, apesar de ser uma
cidade amigável à Coroa, recusou o pedido. Em resposta, Ricardo II impôs uma
multa e outras punições como a demissão do prefeito, a transferência de cortes
de justiça e da chancelaria. A situação logo se acertaria com a concessão do
empréstimo e a volta das instituições para Londres, mas as relações entre
Ricardo II e a cidade nunca mais seriam as mesmas.
O segundo incidente foi a morte de sua esposa,
Ana, aos 27 anos. Ricardo II ficou extremamente abalado, mas o incidente não
foi exatamente esse. No funeral, o Conde de Arundel não apenas chegou atrasado,
mas também pediu para sair cedo. Como resposta, em mais uma amostra de
comportamento destrutivo, Ricardo II bateu nele. Além disso, ele mandou
destruir uma mansão real, onde tinha passado bons momentos com Ana e agora não
tolerava ver. Ricardo II certamente não sabia lidar calmamente com problemas.
Porém, logo viriam problemas bem maiores para ele.
Durante seu luto prolongado, duas questões
urgentes surgiram: França e Irlanda. O custo das campanhas militares contra a
França já estava em níveis insuportáveis e só traria problemas internos elevar
impostos para financiar essas guerras. Para a França, esse custo e a restrição
ao comércio de algodão nos Países Baixos também preocupavam. Os dois lados
passariam a buscar uma trégua honrosa sem perdedores ou ganhadores. O principal
ponto de conflito era Aquitânia, posse inglesa em território francês. A solução
proposta era a Inglaterra pagar uma homenagem à França, mas o Parlamento inglês
vetou essa proposta. Em 1396, os reis da Inglaterra e da França concordaram em
trabalhar em uma solução para o Grande Cisma da Igreja e no casamento de
Ricardo II com Isabel de Vallois, então com seis anos, resultando em uma trégua
entre os dois reinos.
O casamento com uma criança não é uma boa
ideia, e, infelizmente, não pelos motivos óbvios de hoje. Ou não diretamente, e
sim pela demora da nova rainha em produzir um herdeiro. Mas ao menos, além da
paz com a França, Isabel trouxe com ela um bom dote e perspectiva de paz em
prazos maiores.
Tendo se acertado com a França, Ricardo II pode
voltar as suas atenções para a Irlanda. A Inglaterra tinha alguns territórios
na Irlanda, mas vinha recebendo ataques nos últimos anos liderados por Art
McMurrough, rei de Leinster e auto-declarado “chefe da nação”. Em 1379, Edmundo
Mortimer, 3º conde de March, foi apontado como governador da Irlanda, mas dois
anos depois morreu e deixou o cargo para o filho de sete anos. Desde então, a
autoridade inglesa na Irlanda ficou enfraquecida e foi contestada como há muito
não ocorria.
Tendo cidades inglesas em território irlandês
sob ataque, Ricardo II montou uma expedição com 8 mil homens. A campanha foi
fácil e logo Ricardo II estava em Dublin, mas ao invés de uma vitória militar
decisiva, preferiu o apaziguamento. Em troca da lealdade dos líderes irlandeses
e a devolução dos territórios ocupados, prometeu arbitrar problemas dos
irlandeses com os ingleses e ajuda financeira.
Tudo parece bem até esse ponto, mas não estava.
O acordo com a França não foi tão bem recebido internamente, visto como uma
subserviência à França. O parlamento rejeitaria uma proposta de mandar tropas
em apoio a Carlos VI na Itália, onde o rei francês cortejava territórios do
duque de Milão.
Enquanto isso, os gastos públicos continuavam
ascendentes. Mesmo sem guerras contra a França, Ricardo II continuava gastando
de maneira descontrolada com algumas loucuras como colocar um trono em seu
quarto. Além de gastar dinheiro, essas atitudes prejudicavam e prejudicariam
ainda mais Ricardo II ao mostrar um comportamento descuidado e vaidoso.
Ricardo II decidiria se vingar dos Lordes
Apelantes, e esse foi o começo de seu fim. Em julho de 1397, ele convocou para
um banquete Gloucster, Arundel e Thomas de Beauchamp, Conde de Warwick, apenas
esse último aceitando o convite, só para ser preso na Torre de Londres. Arundel
foi o próximo a ser preso no Castelo de Carisbroke. Gloucester, tio de Ricardo
II, foi preso e mandado para Calais, França. Com isso, Ricardo II queria se
vingar do Parlamento Sem Misericórdia e da posição de inferioridade a que foi
submetido depois, violando o que ele pensava ser seu direito real. Ricardo II
participava novamente de um Parlamento Sem Misericórdia, dessa vez do lado
acusador.
O primeiro acusado foi Arundel. Ele se defendeu
alegando que tinha sido perdoado no Parlamento Sem Misericórdia e recebido uma
promessa pessoal de segurança do rei. A apelação não teve efeito e ele foi
condenado à pena reservado aos traidores: enforcamento até ficar quase
inconsciente, esquadrinhado e depois esquartejado. Para sorte e intervenção do
rei, Arundel foi apenas decapitado. O próximo seria Gloucester, porém, ele foi
encontrado morto em Calais, provavelmente sob ordens do rei para salvá-lo da
indignidade e para não se indispor com outro tio, João de Gante. Por fim,
Warwick foi julgado, se declarou culpado e implorou por perdão de todas as
maneiras possíveis. Terminou condenado à morte, pena posteriormente revertida
para banimento na Ilha de Man.
Após as maldades com os inimigos, bondades com
os amigos, com farta distribuição de ducados para aliados e meio irmãos.
Ricardo II tentou colocar seus aliados no congresso e partiu para cima daqueles
que apoiaram os Lordes Apelantes, cobrando multas em troca de perdão. A próxima
convocação do parlamento em 1398 não seria em Londres, e sim em Shrewsbury,
perto do centro de seu poder militar em Cheshire e na fronteira com Gales. De
la Pole voltou à condição de Conde de Suffolk e todos os atos passados pelos
Lordes Apelantes foram repelidos. Nessa época, Ricardo II passou de excêntrico
para tirânico.
Um incidente seria decisivo para os eventos
futuros. Henrique Bolingbroke relatou uma conversa que teve com Thomas Mowbray,
onde este teria afirmado que havia um plano de mata-los pelos incidentes da
miniguerra civil que consagrou os Lordes Apelantes. Isso gerou um
desentendimento entre os dois, resultando na destituição de Mowbray de alguns
cargos e no começo de um duelo entre os dois, uma maneira cavalheiresca de
resolver pendências entre dois homens de mesma classe social, uma luta até a
morte ou muito perto disso.
Estava tudo armado para o julgamento por
batalha, mas na hora H o rei cancelou o duelo e declarou que ele ia arbitrar as
diferenças, condenando Mowbray para um exílio perpétuo e Bolingbroke recebendo
10 anos de exílio, para grande insatisfação da multidão que foi para Coventry
para ver um dois duques lutando até a morte. Não se sabe exatamente porque
Ricardo II interviu, mas provavelmente foi porque nenhum resultado o
favoreceria e apenas reforçaria as acusações iniciais e poderia fortalecer o
vencedor. A pena menor para Bolingbroke se deveu ao seu relacionamento com João
de Gante, e não com maior proximidade com Bolingbroke. O exílio dos dois acabou
sendo a melhor solução para Ricardo II.
João de Gante não estava bem de saúde e a
situação de seu filho (Bolingbroke) agravou ainda mais seu estado. Para aliviar
a dor de Gante, Ricardo II concedeu dinheiro para Bolingbroke em seu exílio em
Paris e deu permissão para que ele concorra à herança de Gante caso ele
morresse, como de fato ocorreu seis meses após o exílio do filho. Após a morte
de Gante, Ricardo II mudou totalmente seu posicionamento quanto à Bolingbroke,
não apenas impedindo que ele fosse ao funeral do pai, mas também revocando a
permissão de reivindicar herança do pai e estendendo o exílio para sempre.
Ricardo II não queria dar chance para um possível reivindicante ao trono e
acreditava que os franceses ficariam de olho nele, para não arriscar a trégua.
Nesse ponto, Ricardo II estava mortalmente errado.
Pensando que o cenário interno estava
controlado, Ricardo II voltou-se para a Irlanda, que não manteve as suas
promessas de submissão. Novos conflitos surgiram e o Conde de March foi morto
tentando restaurar a ordem. Ricardo II foi para a Irlanda com 5 mil homens e o
desejo de restaurar a ordem nos territórios ingleses na Irlanda, punir Art
McMurrough e vingar o Conde de March, que era o segundo na linha de sucessão.
Na França, uma mudança política selaria o
destino de Ricardo II. O rei Carlos VI tinha momentos de loucura que iam da
amnésia até a crença de que ele era feito de vidro. A França era governada por
um regente, que era o Duque da Borgonha, mas o Duque de Orleans, irmão do rei,
também cortejava o cargo e entraria em conflito por ele. O Duque de Orleans se
aliou a Henrique Bolingbroke, que usaria a ocasião da ida de Ricardo II para a
Irlanda para retornar à Inglaterra e reivindicar a sua herança em 1399.
Quatro semanas de Ricardo II ter ido à Irlanda,
Bolingbroke desembarcou na Inglaterra e recebeu apoio dos mais diversos, como
do Conde de Northumberland, Henry Hotspur e o Conde de Westmorland. Talvez
Bolingbroke tivesse ido para a Inglaterra apenas para reivindicar a sua
herança, mas a velocidade com que angariou apoio talvez o tenha convencido de
suas chances de lutar pelo trono. Auxiliou a inépcia do Duque de York, deixado
como encarregado dos assuntos internos enquanto o rei estava fora. Demorou para
ele alertar o rei sobre as movimentações de Bolingbroke e demorou ainda mais
para que Ricardo II pudesse voltar para a Inglaterra. A esse ponto, Bolingbroke
já tinha avançado e executado três conselheiros do rei.
Vendo-se em desvantagem na volta à Inglaterra,
Ricardo II procurou negociar. Northumberland intermediaria as conversas entre
Ricardo II e Bolingbroke, conseguindo uma promessa de que Ricardo II tiraria
Bolingbroke do exílio e restauraria as propriedades de Bolingbroke, em troca de
Ricardo II não ter a coroa contestada. Ricardo II foi levado ao Castelo de
Flint, onde Bolingbroke o esperava trajando uma armadura completa, como que
mostrando seu poder. De lá, foram para Londres, onde Bolingbroke aprisionaria
Ricardo II na Torre de Londres.
Esse já era o fim de Ricardo II, sem apoio
nenhum para continuar como rei e com um usurpador com muito mais prestígio.
Restava agora criar um racional para a destituição. A primeira ideia era manter
Ricardo II como rei nominal e nomear um regente, ideia descartada por
Bolingbroke, que via que podia muito mais do que isso. Bolingbroke insistiu que
era necessário resgatar a Inglaterra de seu governo autocrático e seus
conselheiros que buscavam apenas os seus interesses.
Ricardo II passou a ser investigado e não
faltaram acusações a serem feitas que resultariam na perda da coroa. Os
seguidores de Bolingbroke encontraram evidências de perjúrio, atos sodomitas,
disposição de seus súditos, redução do povo à servidão, falta de razão ou
capacidade para governar, quebrando o juramento feito durante a coroação.
No final, Bolingbroke e seus seguidores
pressionaram Ricardo II a renunciar. Os relatos dizem que ele o fez com “uma
expressão alegre”, mas é difícil acreditar nisso. Shakespeare, em seu Ricardo
II, mostraria o rei entregando suas posses (cetro, coroa etc.) em um misto de
loucura e frustração.
Henrique Bolingbroke tinha ainda um problema,
não sendo ele o segundo na sucessão natural, e sim Edmundo Mortimer, Conde de
March, então com sete anos. Bolingbroke enfatizaria que vem de descendência
direta masculina de Eduardo III, enquanto Mortimer descende de parte de avó.
Além do mais, ele tinha todas as condições políticas de assumir o trono e
ninguém se levantou nem por Ricardo II nem por Edmundo Mortimer. No parlamento
de 30 de setembro de 1399, Bolingbroke seria aclamado rei e Ricardo II deposto.
Esse não era exatamente o procedimento, pois exigia a presença do rei deposto,
mas essa não era a hora de sutilezas políticas.
Bolingbroke, agora Henrique IV, declarou que
queria esquecer o passado e começar um novo futuro, e os apoiadores mais
próximos de Ricardo II apenas perderam seus títulos.
Henrique IV honraria a sua promessa, talvez
lembrando de seu exílio e perda patrimonial pelo impedimento à herança imposto
por Ricardo II. O problema era o que fazer com o antigo rei, problema resolvido
em 1400 quando Ricardo II morreria por razões desconhecidas. A versão oficial
foi inanição, não se sabe se de forma voluntária ou forçada. Seu corpo foi
levado para Kings Langley, contrariando seu desejo em vida de ser enterrado na
Abadia de Westminster junto com sua esposa Ana. Só em 1413, no reinado de
Henrique V, o desejo de Ricardo II seria cumprido.
A sombra de Ricardo II pairou sobre o século
XV. Bem ou mal, ele foi um rei usurpado de maneira ilegal e ainda por cima
morto em circunstâncias suspeitas e um fim amargo para Ricardo II, que se
acreditava ungido por Deus. Maus julgamentos e sua incapacidade de criar
relacionamentos com os poderosos da época selaram o seu destino. O que o levou
a tomar essas decisões errôneas ainda é objeto de debate. Alguns alegam que ele
era clinicamente insano, outros que tinha uma vontade fraca e tendia a tomar as
decisões baseado no que ele queria que fosse verdade ao invés dos fatos reais.
Ao alijar pessoas que poderiam lhe ser úteis, Ricardo II realmente se comportou
de maneira irracional e emotiva nos últimos anos, talvez movido por sua ilusão
de grandeza. O ataque contra os Lordes Apelantes, onde ele não tinha nada a
ganhar a não ser a gratificação da desforra contra desafetos, foi uma mostra
desse comportamento. Alijar aliados e se aliar a pessoas que poderiam
prejudica-lo também foram decisões ruins.
Não que Ricardo II tenha sido um desastre
completo ao longo de seu reinado. Tomou decisões bem sensatas na Revolta
Camponesa e nas campanhas da Escócia e na primeira ida à Irlanda. Talvez a
perda da esposa tenha tido um efeito mais devastador em seu juízo do que era de
se imaginar. E teve ainda o mérito de conseguir a paz com a França. O
patrocínio às artes e a insistência no uso do inglês na corte também foram
pontos positivos do reinado de Ricardo II.
Bom, essa é a história de Ricardo II, um
prelúdio para o prelúdio da Guerra das Rosas. O restante da história da Guerra
das Rosas em vídeos futuros.
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