segunda-feira, 12 de maio de 2014

Contos Folclóricos de Camarões


Sobre Camarões, vou falar sobre alguns contos folclóricos que estão no livro African Myths of Origin organizado por Stephen Belcher. A gameplay é do jogo PHL's Air Flying Game, desenvolvido em Camarões. Não tem tanto a ver com o que eu vou falar, mas é um jogo simpático.

Os Fangs vivem na Floresta Equatorial do Gabão e de Camarões, tendo migrado para lá durante o século XIX. Seu estilo de vida era baseado em procurar por recursos na floresta onde vivem e apenas mais tarde se tornariam sedentários. A língua Bantu os une com outros grupos étnicos de Camarões, como os Bulu e os Beti. Hoje em dia, pouco do estilo de vida deles permanece, assim como floresta onde viviam, e suas práticas religiosas são sincréticas. As histórias a seguir foram coletadas durante o período colonial.

Primeiro, o mito de criação segundo os Fangs. O primeiro ser era Mebege, embora também se diga que a terra foi criada por uma gigantesca aranha que desceu do céu em uma longa teia e colocou o ovo que virar a Terra. Mebege criou os humanos, criando um lagarto de barro e o colocando na água, oito dias depois surgindo o primeiro homem, Nzame. A primeira mulher seria Oyeme-Mam e era irmã de Nzame.

Apesar de irmãos, os dois humanos primordiais tiveram relações. Não, isso não era normal entre os Fangs, e sim a pior corrupção que poderia existir. Como consequência, Mebege deixou a terra e encarregou os dois de continuar o trabalho da criação. Oyeme deu a luz a oito pares que se tornaram ancestrais dos vários grupos Fangs.

Nzame foi até Mebege, talvez em forma de espírito, e retornou com vários conhecimentos como o da agricultura. Apesar de não ter morrido, ou assim, diz a lenda, Nzame deixou o mundo, antes dando as instruções sobre a organização da sociedade. Mas houve brigas entre os herdeiros e o conhecimento não foi disseminado da maneira planejada. E dizem que é por isso que os brancos têm mais riqueza do que os africanos.

A próxima história do livro sobre os Fangs trata da migração. Antigamente, todos os povos viviam ao norte do atual território. O mito diz que eles eram atacados por gigantes vermelhos e migraram para o sul. No caminho, pararam em um rio, já que eles não tinham habilidades para construir navios. Mas eles encontraram um grande crocodilo, que ofereceu ajuda-los ao deitar sobre o rio de forma que eles conseguissem cruzá-lo. Ele ajudou o Gigante Vermelho a atravessar o rio, mas depois afundou nas águas, afogando o gigante.

Tendo atravessado o rio, chegaram em uma floresta e tiveram o caminho barrado por uma enorme árvore. Enquanto discutiam sobre como passar pela árvore, três pigmeus apareceram, que mostraram o caminho para passar pela árvore por uma estreita passagem. Porém, houve uma briga sobre qual grupo deveria liderar o caminho, se os jovens ou os anciões, então assim que passaram pela árvore, eles se dividiram em dois grupos e cada um tomou seu caminho próprio.

O livro conta ainda histórias dos Duala, um povo costal de Camarões que vive basicamente como intermediários entre os europeus e povos do interior. A história de Jeki La Njambe foi preservada até os dias de hoje. O mundo de Jeki é povoado por caçadores e pescadores vivendo ao longo da costa de Camarões. Os Duala hoje admitem que não entendem bem a história de Jeki, mas eles continuam a apresenta-la ritualisticamente.

Havia um homem chamado Inono Njambe. Ele tinha muitas esposas e filhos, mas se entregou ao estudo da feitiçaria e sacrificou muito de seus filhos e esposas para ganhar poder. Até que só sobou uma criança, chamada de Njambe Inono, e o povo da vila pensou que ele foi longe demais (mas só agora?!). Eles se reuniram e invadiram a casa de Inono Njambe, o amarrando, o espancaram com frondes de palmas e jogaram nozes de palma até que ele prometesse desistir da feitiçaria e deixasse o filho viver. Então, ele foi solto e não viveria muito mais, passando o seu conhecimento para o filho. Njambe Inono casou e teve filhos e depois de um tempo seria tentado pelo conhecimento de seu pai e pessoas começaram a desaparecer em sua família. Vendo isso, os vizinhos intercederam novamente, mas, ao invés de mata-lo, colocaram Njambe Inono em uma canoa e o despacharam junto com a esposa.

Em uma nova terra, Njambe plantou uma palmeira, que cresceu enormemente, e em seu topo colocou uma ave. Nas águas lançou um crocodilo e no meio de sua morada colocou um baú com um leopardo. Essas criaturas davam proteção mágica para a sua morada.

Njambe e sua esposa, Ngrijo, tiveram uma filha. Ngrijo ia com a filha trabalhar nos campos e um dia um chimpanzé apareceu enquanto a criança estava engatinhando na sombra das árvores. Os dois começaram a brincar e a mãe ficou preocupada de início, mas o chimpanzé reassegurou a mãe e a brincadeira se tornou recorrente. Quando a garota ficou núbil, o chimpanzé a levou. Ngrijo procurou, procurou, procurou e por fim voltou para casa para dar as notícias para Njambe, que imediatamente foi até a floresta e convocou o chimpanzé.

“Onde está minha filha?”, perguntou Njambe.

O chimpanzé confessou que a levou, mas disse que ele ajudou Njambe e Ngrijo a encontrar comida e nunca foi recompensado por isso, então ele a levou para viver com os espíritos da floresta. Depois dessas palavras, o chimpanzé sumiu.

Njambe teria outras esposas e teria vários filhos, menos de Ngrijo, apesar de seu ventre mostrar sinais de inchaço. Por não dar à luz a filhos, Njambe expulsaria Ngrijo de sua morada para uma cabana nas margens do rio. Os anos se passaram, os filhos de Njambe cresceram, mas nada de Ngrijo dar à luz, apesar do ventre inchado, que passou a atrapalhar as suas tarefas.

Até que um dia, enquanto cortava lenha, Ngrijo ouviu uma voz. “Mãe, me deixe sair e eu te ajudarei”. Então, Ngrijo deu à luz a uma criança do tamanho de um adulto. Então, ele ajudou a sua mãe com a lenha e depois voltaria para o ventre. A criança só voltaria a sair quando Ngrijo estava na praia coletando camarões junto com outras esposas de Njambe e a criança pediu para sair, preocupada com as águas que estavam recuando. A criança pediu para ser deixada nas águas, mas Ngrijo se recusou. Ele insistiu até que Ngrijo o deixou sair, para espanto das outras esposas, que fugiram de medo, deixando cair as suas cestas de camarões.

A criança salvou a mãe das ondas. Quando Ngrijo acordou, se viu em uma cabana cercada por cestas cheias de camarões. E, para surpresa geral, as outras esposas também se viram com as cestas que tinham deixado cair. Logo após isso, Jeki, a criança de Ngrijo, anunciaria que chegou a hora de nascer. Mas, antes de Jeki sair, Ngrijo deu à luz a uma série de bens, como tecidos, lingotes de metal, instrumentos de metal, Ngalo, o amuleto que Jeki usaria em suas aventuras e uma canoa que usaria para viajar pelas águas. Só então saiu Jeki.

A hostilidade de Njambe com Ngrijo se transportou para Jeki, agravado pelos relatos de seu estranho nascimento, e essa seria a razão de suas primeiras aventuras. E essa hostilidade se manifestou um dia quando Njambe convocou Jeki para um desafio. Ele deveria adivinhar o que estava dentro de um baú. Se errasse, ele seria espancado pelas outras crianças.

Primeiro, Jeki sugeriu que fosse tecido. Errou e seus meio irmãos bateram nele. Depois, disse que eram lingotes de cobre, errou novamente, e apanhou novamente até ficar quase inconsciente. Ele viu ao redor e percebeu que os seus meio irmãos estavam prontos para bater nele até matar. Chegou a hora, então, de encerrar esse jogo.

“Eu vou dizer a vocês como eu deveria ter feito de início”. A intenção de Jeki era averiguar quanto era odiado na família. Ele respondeu que o baú continha um piolho que Njambe tirou da cabeça. Piolho fêmea, a propósito. Todos ficaram em silêncio e Jeki ganhou desta vez.

Mas essa falha não parou Njambe. Os dois irmãos mais velhos foram chamar Jeki em sua cabana. Ngrijo não queria que ele fosse, mas, muito confiante de que Njambe não poderia machuca-lo, ele foi. Njambe pediu para que Jeki lustrasse um baú que seria vendido. Se vocês lembrarem bem, havia um baú com um leopardo, e adivinha se não é esse o baú que Njambe pediu para ser lustrado! Jeki ergue o amuleto Ngalo, pedindo por orientação, e ele lhe orientou a levar o baú até a água e assim ele fez, seguido secretamente pelos irmãos que queriam ver a sua morte.

Jeki levou o baú até a água bater em sua cintura e depois o emergiu sentando em cima dele. Em seguida, o abriu e encontrou o leopardo e filhotes afogados (não se sabe como eles sobreviviam no baú). Depois, Jeki limpou o interior e levou o baú até Njambe, que então pediu para que Jeki trouxesse o grande crocodilo que vivia nas águas.

Jeki pegou a sua canoa e seguiu viagem. Ele perguntaria ao amuleto Ngalo o que essa missão significava, e ele confirmaria que é mais uma tentativa de mata-lo, mas que ele poderia sobreviver se fosse educado. Jeki encontrou o enorme crocodilo e disse que seu pai, Njambe, queria reunir um conselho e que precisava da sabedoria do crocodilo. Ele concordou e seguiu Jeki de volta até a vila. Jeki, junto com o amuleto Ngalo, cantou uma canção de poder de forma que as ondas que batiam no crocodilo jogassem uma magia que o encantou e o trouxe para controle de Jeki, que levou o crocodilo até o centro da vila. Não sem destruir algumas casas e engolir cabras e esposas de Njambe.

“Pronto, trouxe o crocodilo, pai. O que faremos agora?”, perguntou Jeki, possivelmente com uma boa dose de cinismo.

“Leve de volta!”, pediu/implorou Njambe. Jeki invocou uma onda que levantou e levou embora o crocodilo, o segundo dos animais que Njambe trouxe para a ilha. Se vocês lembram bem, o terceiro animal trazido à ilha foi um pássaro posto no topo de uma altíssima palmeira.

Era de se esperar que Njambe tivesse aprendido a lição e resolvesse não mexer com Jeki. Pois é, não foi isso que aconteceu. Novamente, os irmãos o chamaram com mais uma tarefa de Njambe. Ele pediu para que Jeki subisse a palmeira e coletasse as frutas da palmeira. Dessa vez, Jeki sabia o que o esperava, no topo estando Kambo, a ave que atacaria quem tentasse pegar as frutas. Mas, novamente sabendo do perigo, Jeki aceitou o desafio.

Jeki chamou os seus irmãos para coletar as frutas lá em cima. Disseram que o pai deles tinha ordenado que Jeki fizesse sozinho e ele respondeu que ele ordenava que os irmãos o ajudassem, mostrando o amuleto Ngalo. Ninguém ousou desafiá-lo.

O mais velho dos irmãos foi primeiro. Quando estava chegando perto do topo, foi atacado pela ave, caiu da palmeira e morreu.

“Esse não sabia escalar”, vaticinou Jeki, enquanto jogava o corpo para trás da cabana mais próxima. Em seguida, iria o segundo irmão mais velho, que também terminaria na parte de trás da cabana mais próxima. Depois, iriam os irmãos que bateram nele e depois aqueles cujas mães eram preferidas à Ngrijo.

Quando todos os desafetos tentaram, foi a vez de Jeki ir. Ele jogou uma poção no tronco da árvore e subiu, batendo o amuleto Ngalo na casca de vez em quando. E o bater do amuleto incomodou a ave Kambo, que viu a aproximação de Jeki, mas ficou preocupado. Chegando ao topo, pegou o machado e cortou as frutas, que caíram na vila abaixo quase cobrindo algumas casas com as frutas.

“Vou pegar o pássaro também”, disse Jeki, que subiu ao topo da palmeira. Mas, antes de chegar, Kambo já tinha fugido. Porém, não estava longe, e Jeki pegou uma vinha, um dos instrumentos mágicos recebidos em seu nascimento, e pegou Kambo, que caiu no topo da palmeira. Jeki empurrou a ave para baixo e depois desceu.

Lá embaixo, a ave estava coberta por óleo de palma e Jeki tacou fogo em Kambo, que rapidamente virou cinzas. Jeki comeu parte das cinzas e guardou o resto em sua bolsa de instrumentos mágicos. Então, apareceu Njambe, que viu a sua casa ser coberta pelos frutos da palma, viu o corpo de seus filhos empilhado e viu o último símbolo de seu poder consumido por sua cria e desfaleceu.

Jeki então foi para a floresta, reuniu algumas ervas e preparou uma poção. Depois, jogaria essa poção nos corpos dos seus irmãos e um a um eles foram restaurados. Kambo também ressurgiria das partes que Jeki engolira.

Desde então, agora sim, Njambe e seus filhos deixariam de tentar matar Jeki, mas não perderiam oportunidades de menosprezar Jeki, apesar de seu manifesto poder. Uma dessas oportunidades foi quando descobriram que ele não era o primeiro filho de Ngrijo e que a primeira foi raptada por um chimpanzé.

O próprio Jeki não sabia nada sobre isso. Perguntou à mãe, que não contou a verdade e disse para que ele ignorasse as outras crianças. Insatisfeito, Jeki foi até o pai, que contou o que aconteceu com a sua irmã mais velha. Jeki então foi atrás de sua irmã, retornando para casa antes para coletar itens que pudessem ajuda-lo em sua busca.

Guiado pelo amuleto Ngalo, Jeki se infiltrou nas florestas, até chegar a um enorme portão de metal que marcava a entrada para o reino dos bedimo, os chimpanzés que levaram a sua irmã. Ele abriu o portão e entrou, encontrando nada além de escuridão. Ngalo diz que humanos não podem enxergar os espíritos, apenas cheirá-los, e o aconselha a se tornar invisível e se dar o cheiro dos espíritos. Ele engoliu um pó para se tornar invisível e esfregou uma goma para tomar o cheiro dos espíritos, e então entrou. Conforme caminhava pelo reino, os espíritos o cumprimentavam como se fosse um deles.

Ngalo o orientou pelo seu caminho e o levou até uma cabana, indicando que sua irmã estava lá dentro. Porém, entrando, ele não viu uma garota, e sim uma dúzia de belas garotas.

“Eu vim atrás de minha irmã”, disse Jeki. “Leve-me”, responderam todas, com uma voz musical.

Jeki então soprou um chifre de antipole e abelhas voaram dele e se reuniram até uma das garotas.

“Você é a minha irmã” disse Jeki à garota cercada pelas abelhas. “Você quer voltar comigo?”.

A garota aceitou a oferta de Jeki, que deu a mesma goma para ela passar no corpo e adquirir o cheiro dos espíritos. Os dois seguiram o caminho de volta e chegaram ao portão de metal e depois de volta à vila.


Basicamente, eram essas as histórias do livro African Myths of Origin, havendo outras que por questão de tempo eu prefiro não abordar.

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