quinta-feira, 15 de maio de 2014

Dia dos Mortos Mexicano


Sobre o México, falarei sobre o Dia dos Mortos, uma série de festividades que ocorrem entre os dias 31 de outubro e 2 de novembro. Utilizarei como fonte de informação o livro Day of the Dead de Kitty Williams e Stevie Mack, um livro curtinho, mas com bastante informações. A gameplay será do jogo Grim Fandango, que é baseado no Dia dos Mortos Mexicano.

A introdução do livro conta com uma citação do livro “Labirinto da Solidão” do escritor mexicano Octávio Paz, que mostra as diferenças de percepção da morte entre os mexicanos e outras culturas. Enquanto que em outros lugares a palavra nunca é pronunciada porque queima os lábios, nas palavras de Paz, os mexicanos zombam, acariciam, dormem com ela, a entretém.

O Dia dos Mortos é uma das principais festas populares no México, parecido com o Halloween, até por caírem em datas próximas, mas com algumas diferenças. O Dia dos Mortos é uma ocasião mais familiar do que o Haloween, com as famílias se reunindo nessa época do ano. Me pareceu uma mistura de Halloween com Dia de Ação de Graças e Carnaval, por mais estranha que essa combinação possa parecer.

O Dia dos Mortos têm raízes tanto em tradições europeias quanto do Novo Mundo pré-hispânico. Como em outras culturas, os povos nativos misturavam o culto aos mortos com festividades da colheita e várias imagens encontradas em sítios arqueológicos mostram essa dualidade vida-morte. A ideia é a de que a vida nasce da morte. Na mitologia asteca, o quinto mundo começou quando Quezacolt (sim, a GF do Final Fantasy VIII) derramou sangue nos ossos de seu ancestral, Mictlán, e criou a raça humana. Essa crença infelizmente incluía sacrifícios humanos como oferenda aos deuses para uma boa colheita. Assim como o preço da vida era a morte, o preço da morte era a vida.

Os astecas temiam mais as incertezas da vida do que a morte. A morte era vista como uma libertação dos fardos terrenos e era determinada não pela maneira como se vivia, mas como se morreu. A crença asteca era que o além tinha treze níveis de céus e nove de inferno e o destino era determinado pela forma como se morria, guerreiros caídos em batalha e mulheres dando a luz indo para os níveis superiores. Acreditava-se que a viagem para o mundo dos mortos durava quatro anos de grandes perigos para superar, por isso que rituais eram executados nos quatro anos seguintes à morte de uma pessoa.

Anualmente, os astecas participavam de festivais dedicados aos mortos, com elementos em comum com o Dia dos Mortos, como flores, comida e dança. Acreditava-se que os mortos voltavam para a casa onde residiram, e para recebê-los, os astecas ofereciam uma variedade de comidas aos mortos. Os residentes mantinham vigília durante a noite e não ousavam levantar os olhos, temendo serem punidos pelas almas por sua falta de respeito.

Com a chegada dos espanhóis, incorporaram elementos cristãos aos rituais. É uma mistura das tradições nativas com o Dia de Todos os Santos e o Dia de Finados. Os espanhóis foram ao “Novo Mundo” não apenas para conquistar territórios e pilhar ouro, mas também, como objetivo secundário, catequizar os nativos. O conquistador Hernán Cortés se aproximou do líder asteca Montezuma II na tentativa de converter o governante ao cristianismo. Um fato auxiliou os espanhóis: a imagem de Quezacolt era geralmente associada com uma serpente alada, mas também como um homem barbudo de pele branca, que velejou pelo Golfo do México prometendo retornar. Os frades descobriram crenças e rituais parecidos entre as duas culturas e usaram essa similaridade para facilitar a conversão. Deuses pagãos acabaram se misturando com santos católicos e eventualmente substituídos. Quezacolt virou São Tomás, por exemplo.

Outras culturas também celebravam cultos parecidos mais ou menos na mesma época do ano, que fica entre o equinócio do inverno e o solstício de verão, considerada uma época poderosa de magia e comunhão com os espíritos. O véu entre os mundos dos mortos e dos vivos era considerado mais fraco nessa época, o que possibilitaria a vinda dos mortos.

A crença mais comum é a de que as almas das crianças (los angelitos) retornam para a terra primeiro, seguidas pelas almas dos adultos. Em alguns lugares, outros dias são reservados para determinadas categorias de mortos, como aqueles que não deixaram herdeiros e os que morreram de maneiras violentas. A participação das festividades, especialmente entre os nativos, é reforçada pela crendice de que pessoas adoecem ou morrem por não participarem do Dia dos Mortos e não terem cumprido suas obrigações com os mortos.

Nos dias anteriores ao Dia dos Mortos, o movimento é intenso no comércio. São vendidos doces em formas de caixões e crânios, com nomes escritos nas testas. Jovens e adultos compram esses doces para presentear amigos e namorados ou namoradas, significando uma amizade ou amor duradouros que continuam após a morte até a próxima vida. Velas de tudo quanto é tamanho e formatos também são muito vendidas, assim como incenso, principalmente de copaíba. Flores são vendidas como em nenhuma outra época do ano e os mercados se enchem de pessoas para comprar os últimos preparativos para um grande jantar – frango ou peru, chile, chocolate, enchiladas etc. Também há muitos trabalhos artísticos, como crânios sorridentes e esqueletos dançantes.

O Dia dos Mortos é uma ocasião alegre, diferente do nosso Dia de Finados, uma celebração de boas-vindas aos espíritos dos mortos que voltam por um período de 24 horas para aproveitar os prazeres que tiveram em vida, o que inclui boa comida. As almas que retornam não são temidas, e sim bem-recebidas. É um misto de reverência aos mortos com folia para fazê-los feliz, com um toque de zombaria da morte.

Os membros da família falecidos são recebidos com comida e bebida em um altar (ofrenda). A ofrenda é um dos principais elementos do Dia dos Mortos, geralmente uma mesa colocada próxima à parede, podendo haver vários níveis como pirâmides do período pré-hispânico. A forma varia bastante, mas há os quatro elementos nas ofrendas. Os vivos colocam água, porque os espíritos devem estar com sede depois da longa viagem. Fogo é representado por velas, uma para cada espírito sendo honrado. Frutas e vegetais representam a terra. E o papel picado, parecido com bandeiras de São João, com crânios ou esqueletos ”picados” na bandeira, representa o vento.

O papel picado é uma tradição das festividades mexicanas e as cores variam de ocasião. Para o Dia dos Mortos, geralmente se usa laranja, roxo e rosa. Um pouco de sal em um prato purifica o ar. Além de comidas, os vivos atraem os mortos com flores, principalmente a malmequer (cempasúchil) com seu aroma forte, que são colocadas nos altares ou nos túmulos. Fotografias e bens pessoais dos falecidos, imagens religiosas e crânios (com nome de falecidos na testa) ou esqueletos de açúcar ou de chocolate e velas completam as ofrenda. Relevos em areia à frente das ofrendas também são feitos em algumas regiões, como Oaxaca. Pétalas de flores levando à porta de saída são usadas para guiar os espíritos.

Há a possibilidade de altares coletivo, por assim dizer, em praças ou igrejas para aqueles que não tem quem os honre ou para problemas específicos como AIDS e drogas. Outra decoração coletiva são relevos de areia nas praças (zócalo) em áreas geralmente de 12 por 15 pés onde diversas pessoas trabalham em temas de Dia dos Mortos.

O aspecto artístico é levado muito em conta pelos mexicanos na hora de preparar as ofrendas. Um aspecto interessante de vários dos elementos das festividades de Dia Dos Mortos é o caráter efêmero (doces de açúcar, areia, pétalas de flores etc.), a pretensão sendo que durem apenas até o final desse período mostrando a fragilidade e impermanência da vida.

Outra tradição do dia dos mortos é o pan de muertos, pão dos mortos, usado para decorar as ofrendas e que tem sabor de laranja ou anis feito em formato de crânios, ossos ou esqueletos. Geralmente, tem formato redondo, representando o ciclo da vida.

Na parte da decoração das casas e ruas, muitos crânios e esqueletos (chamados de calacas), mas não em uma forma assustadora ou bruta, e sim com aparência risonha e cheia de cores. Esses esqueletos estão trajados como pessoas comuns e há muitos noivos também, simbolizando um amor que vai além da vida. São feitos de papel, madeira, papel marchê, barro, de tudo quanto é maneira limitado apenas pela criatividade dos artistas. Uma variação especial desses bonecos é o mono de calendas, marionetes gigantes de papel marchê com 15 pés (4,5 metros mais ou menos) que lembram um boneco de Olinda. Monos de calendas possuem formas humanas, não de esqueletos ou mortos. Uma pessoa entra dentro desse boneco e dança ao som da banda.

Após a recepção dos mortos em casa, os vivos seguem em vigília aos túmulos, podendo haver noites especiais para alguns tipos de mortos, como crianças ou aqueles que tiveram uma morte violenta. Os cemitérios se enchem de velas e incensos de malmequer e copaíba. Como a maioria dos cemitérios não tem uma boa manutenção, os familiares aproveitam para cuidar dos túmulos de seus familiares. Como no resto do Dia dos Mortos, a vigília dos túmulos também é festiva, com música, muita conversa, inclusive sobre os mortos, fogos de artifício e muita comida, até compartilhada entre familiares, amigos e até desconhecidos. Essa é uma hora de aproveitar a companhia dos mortos, mas também de socializar com os vivos.

Em algumas áreas, especialmente Oaxaca, há os chamados comparsas, pessoas fantasiadas e mascaradas que dançam pelas ruas e encorajam o retorno de almas que podem estar ainda vagando. Eles são acompanhados por uma banda e menestréis.

O ilustrador mexicano José Guadalupe Posada, que viveu entre 1852 e 1913, tem vários trabalhos com o tema do Dia dos Mortos. Costumava fazer ilustrações de políticos e ricos como esqueletos, lembrando que a morte iguala tudo, como na expressão latina. Posada viveu na mesma época que o ditador Porfírio Diaz e, por conta de sua atividade política, viveu na pobreza e era periodicamente preso. Uma de suas mais famosas imagens é de Catrina, uma mulher-esqueleto bem vestida com um chapelão, que se tornou uma figura bem popular no Dia dos Mortos. Em espanhol, catrín é um dândi e Catrina seria o equivalente feminino.

No final do livro, os autores dão receitas de como preparar os vários elementos da celebração do Dia dos Mortos, da ofrenda ao pan de muerto.


Em suma, o Dia dos Mortos é uma ocasião festiva que tem os mortos como convidados de honra. É um convite para aceitar a morte e zombá-la.

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