quarta-feira, 2 de julho de 2014

Conquista Espanhola (#7) - Administração da colônia


Na última parte da série sobre América Latina, vou falar sobre a administração espanhola da colônia. A fonte de informação é o livro The Penguin History of Latin America. A gameplay é do jogo Expeditions: Conquistador.

A colonização espanhola da América Latina foi operacionalizada por entes privados agindo com autorização da Coroa Espanhola, mas que não tinham direito de propriedade sobre o que descobriam. A colônia espanhola era um estado patrimonial, com todo o poder concentrado no rei da Espanha e as instituições coloniais eram estruturadas de forma a fazer valer a vontade real.

No começo, a administração da colônia era feita por um subcomitê do Conselho de Castela e conforme foi se tornando mais complexo, após a conquista do México, um Conselho próprio foi criado. Como a colônia estava em desordem no México e no Peru, a Espanha estabeleceu um sistema de vice-realeza para afirmar a autoridade real no Novo Mundo. Assim, as Índias seriam um reino distinto da Espanha, ela própria formada por vários reinos (Castela, Aragão, Leão, Navarra) sob um único soberano. Diferente de possessões europeias, que tinham uma série de restrições ao exercício do poder, o monarca poderia exercer poder absoluto sobre as Índias através do vice-rei e da burocracia real.

A colônia era separada em dois vice-reinos. Ao norte do istmo do Panamá, o Vice-Reinado da Nova Espanha com capital na Cidade do México. Na América do Sul, o Vice-Reinado do Peru com sede em Lima. Como o território era vasto, foram criadas unidades administrativas menores ligadas às capitais. A unidade administrativa básica era a província, gerida por um governador, um conquistador importante que ficava responsável pela região, inclusive as comunidades indígenas.

As províncias ficavam sob a jurisdição de uma audiência, uma corte judicial com poderes administrativos e executivos situadas nas capitais das principais províncias. Os territórios administrados por uma audiência eram considerados um reino distinto do vice-reino, como o Reino da Guatemala que compreende Guatemala, Chiapas, Honduras, Costa Rica e outras províncias. De início, o vice-rei era presidente das audiências menores além das audiências das capitais, mas com o tempo essas passaram a ter seus presidentes, embora o vice-rei continuasse como governador militar e responsável último pelas políticas de estado.

Havia algumas províncias tão importantes que, embora sob a jurisdição de um vice-reino, eram responsabilidade de capitães gerais que se reportavam diretamente para o Conselho das Índias na Espanha. Eram quatro as capitanias gerais: Guatemala, Santo Domingo, Nova Granada e Chile. A capitania-geral tinha um status entre a presidência e o vice-reino.

Nessa estrutura, quem tinha o poder no final das contas era a Coroa, que apontava os principais postos e decidia sobre políticas de estado através do Conselho das Índias, apesar de delegar poder administrativo e executivo para esferas inferiores. É como se o presidente da república deixasse os governadores e prefeitos cuidarem de assuntos cotidianos dos estados e municípios, mas decidisse sobre as políticas mais importantes. As deliberações subiam até o Conselho das Índias, que conversava com o rei para depois emitir as ordens que descem de volta para o Novo Mundo. Com exceção dos conselhos municipais (cabildos), não havia cargos eletivos e nem havia um mecanismo de controle das finanças do Estado. A única maneira dos súditos se expressarem era através de súplicas ao monarca ou apelo a ordens judiciais. Dessa forma, a Coroa dominava por completo a vida política na colônia, isso sem que nenhum monarca tenha pisado na colônia.

A principal figura de autoridade na colônia era o vice-rei, responsável por fazer cumprir a vontade do rei. Ele devia executar os decretos reais, cuidar da administração da justiça, supervisionar as finanças e também era responsável pelo bem-estar material e espiritual dos índios. Depois do vice-rei, vinha os juízes das audiências, os oidores. A audiência era a suprema corte de lei em sua esfera de atuação. O vice-rei não podia intervir em uma decisão da audiência, mas podia supervisionar os processos. Além do mais, tinham funções administrativas e executivas cumpridas após consulta com o vice-rei. Os oidores podiam influenciar o vice-rei e, portanto, participavam da administração da colônia e eram responsáveis por supervisionar o comportamento do vice-rei e reporta-lo ao Conselho das Índias se necessário. O mandato dos oidores costumava ser mais longo do que dos vice-reis e por isso eles acabavam se interessante pelas questões locais. (8)

Oficiais do tesouro eram outra figura importante na administração colonial. Em toda expedição ia junto um funcionário real para assegurar que a Coroa recebesse a sua parte da pilhagem. Assim que a cidade era fundada, esse funcionário era responsável pela coleta dos impostos para a Coroa, que depois passava pelo escrutínio da audiência e do vice-rei. A maior parte da receita vinha do quinto, o imposto de 20% sobre os metais preciosos encontrados na colônia. Havia também o almojarifazgo, imposto de importação, a alcabala, imposto sobre vendas, tributos sobre os índios, impostos especiais para financiar guerras contra infiéis e por ai vai. Em emergências, a Coroa pode criar impostos extraordinários e empréstimos compulsórios.

A Coroa nomeava bispos e clérigos na colônia e essa era mais uma maneira da Coroa influenciar a administração da colônia, dada a elevada influência dessas figuras nos assuntos coloniais. Tribunais da Inquisição foram instalados em Lima e na Cidade do México no século XVI, mas isso não foi tão influente já que a ameaça protestante nas Índias era baixa. A atuação ia mais no sentido de punir blasfemadores, adúlteros, clérigos corruptos e censurar livros.

A competição dessas várias instituições – vice-rei, audiências e igreja – criou um sistema de pesos e contrapesos que impedia a concentração de poder na colônia além, é claro, da autoridade real. Além do mais, havia restrições impostas aos altos oficiais em suas relações com os locais, como impedimento de casamento com uma família local ou a compra de terras. A maioria dos altos postos eram preenchidos por espanhóis vindos da Espanha e mesmo quando alguém da colônia era escolhido ele vinha de outro reino. Havia ainda a residência, a auditoria de alguém vindo da Espanha ou de outros reinos sobre algum oficial. Isso era feito para simultaneamente preservar a autonomia das autoridades em relação à sociedade civil que eles governam e preservar a autoridade real na colônia.

Porém, com o crescimento da colônia, a autoridade real passou a ser exercida com menos eficiência. Os éditos reais partiam da Espanha e passavam por várias barreiras e burocracias conforme desciam na hierarquia. Apesar das providências reais, a corrupção era generalizada, com os oficiais considerando-se proprietários dos territórios administrados e os baixos salários incentivando o uso do cargo para ganhos pessoais. As leis que buscavam evitar o envolvimento local dos alto administradores eram sistematicamente desrespeitadas, mas, de resto, os ocupantes de altos cargos eram relativamente honestos. A corrupção grassava nas partes inferiores da hierarquia e isso também afetava a rede de proteção que a Coroa impunha sobre os índios.

A administração local refletia a separação judicial entre indígenas e espanhóis que a Coroa criou para tentar proteger os nativos. Cada raça era alocada em suas próprias municipalidades e cada jurisdição era supervisionada por um administrador real. No setor hispânico, as províncias eram divididas em corrigimientos administrados por um corregedor, que tinha poderes judiciais e executivos limitados, se subordinando ao governador da província e da audiência acima deste. Nos corregimientos, havia o cabildo, o conselho municipal, com membros escolhidos pelo corregedor entre os moradores locais, o corregedor vindo de fora. O cabildo era oligárquico já que o corregedor tendia a escolher os cidadãos mais abastados. O cabildo podia cobrar impostos locais, alocar terra municipal e essas decisões tendiam a servir aos interesses das famílias poderosas.

Os índios viviam à parte dos espanhóis e seguiam em boa parte os costumes locais de antes da colonização, com a liderança sendo exercida de forma hereditária. Mas a Coroa imporia algumas instituições espanholas e as misturaria com as indígenas. Conselhos municipais eram criados de forma parecida com as suas contrapartes espanholas. Esses conselhos também eram oligárquicos, mas o poder das famílias mais poderosas acabou se reduzindo por conta dos deslocamentos promovidos pela Coroa que acabaram diminuindo as lealdades tribais, o que abriu espaço para índios menos favorecidos. Os conselhos municipais acabaram nivelando e aculturando os indígenas.

Com o tempo, haveria a imposição de corregimientos nas áreas indígenas e o corregedor de índios era um espanhol, não um nativo, e ainda por cima um espanhol americano em conluio com os donos de terras da região. Esse corregedor era o oficial real mais próximo dos índios e era seu dever cuidar do bem-estar dos nativos ao mesmo tempo em que coletava tributos e organizava o trabalho dos indígenas. Como o corregedor podia participar do comércio, o salário era baixo e ele tinha um mandato limitado a dois ou três anos, o corregedor aproveitava esses anos para acelerar o trabalho dos índios para explorá-los ao máximo para seu benefício.

Todas essas instituições se basearam em um modelo que funcionou bem na Europa, mas, apesar das adaptações à realidade do Novo Mundo, o modelo não funcionou muito bem. Contribuíram para isso a distância entre Espanha e Novo Mundo e a fraqueza financeira da metrópole, que não permitiu financiar uma administração mais eficiente.

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