quarta-feira, 2 de julho de 2014

Outras Histórias dos Akans



Sobre Costa do Marfim, vou falar mais sobre contos folclóricos dos Akans, grupo étnico de maioria também na Costa do Marfim além de Gana. A fonte de informação é de novo o livro African Myths of Origin, mas também vou usar outro livro que cito mais para frente. A gameplay é do jogo awale+ para iPad. Awale, ou oware, dependendo da região da África, é um jogo popular do continente. Uso esse jogo primeiro por falta de opção segundo porque é citado em uma das estórias.

Basicamente, jogo é disputado em um tabuleiro com seis buracos em cada lado com quatro pedras em cada um no início. O jogador escolhe um dos buracos de seu lado e coloca uma pedra em cada um dos buracos ao lado deste, inclusive do adversário, até acabar as sementes desse buraco. Se na última casa houver duas ou três pedras após colocar a sua, o jogador captura essas pedras, desde que essa casa seja do adversário. Se além disso a casa anterior tiver duas ou três pedras, captura essas também.

A música que está tocando não é do jogo. Eu baixei essa música da biblioteca do You Tube, se chama Kula, de Topher Mohr e Alex Elena.

Ao oeste de Togo, a costa da África é marcada por uma densa floresta equatorial. Antes dos europeus, não havia relatos de um estado organizado e a região era habitada por caçadores e coletores que falavam línguas da família Akan. Após o contato com os europeus, o comércio de mercadorias fez com que comerciantes se estabelecessem na região. As principais mercadorias eram a noz-de-cola e o marfim. No século XV, ouro foi descoberto na costa que passou a ser conhecida como Costa do Ouro. O reino Ashanti se desenvolveu para regular o comércio.

Muitos povos viveram na região que hoje é Gana e Costa do Marfim. Alguns alegam que seus ancestrais surgiram de baixo da terra, outros dizem descender da aranha Anansi e outros dizem que vieram da floresta. Ao longo da costa, as pessoas dizem que vieram do mar, liderados por dois gigantes, Amamfi e Kwegia. Depois de chegarem à costa, o povo de Kwegia permaneceu na costa e se tornaram pescadores. O povo de Amanfi foi mais para o interior e se tornaram agricultores.

Muitos reinos se sucederam na floresta. Os Denkyira estabeleceram um dos primeiros reinos, na parte mais ao sul das rotas de comércio, mas o mais famoso foi o reino dos Ashanti, cuja cidade de origem era a perdida Asantemanso.

Na cidade de Akwammu, havia um conflito quanto à sucessão do rei. Sua irmã, a rainha-mãe Nkansa tinha dois filhos e o mais velho foi escolhido rei. Para evitar conflitos, Nkansa deixou o país com Obiri Yeboa junto com alguns seguidores. Eles tiveram uma viagem árdua até o Rei de Bono garantir a eles algumas terras para se estabelecerem. Essa se tornou a cidade de Asantemanso e Obiri Yeboa seria o rei. Logo apareceu uma princesa Denkyira procurando por residência. Ela também tinha perdido uma eleição e sua irmã virou rainha-mãe.

A cidade prosperou por um tempo, mas cinquenta, sessenta anos depois uma disputa entre vários grupos resultou em uma guerra civil que destruiu a cidade, seus cidadãos se espalhando pelas regiões adjacentes. Um príncipe da família de Obiri Yeboa permaneceu para cuidar dos túmulos da família. Os Denkyira logo exerceriam o seu poder e passariam a cobrar tributos da cidade.

A irmã de Obiri Yeboa casou com um rei Ashanti e o casal permaneceu sem filhos por muito tempo até falar com um adivinhador, que encontrou uma maneira de garantir um filho, que veio e eles chamaram de Osei Tutu. (9)

Um dia, o rei de Denkyira convocou Tutu para a sua corte de forma a servir de refém. Tutu aproveitou a situação para se infiltrar na corte, aprendendo o máximo possível sobre a administração do reino e as maneiras de manutenção do poder e ele se mostrou tão eficiente que foi feito soldado real.

Essa nova função o levou para o círculo interno da corte. Lá ele se apaixonou pela princesa Abena, irmã do rei. O que não foi muito prudente, já que ela já era casada com um ancião. Piorou quando ela engravidou e todo mundo sabia que não poderia ter sido do ancião.

Em sendo assim, Tutu resolveu fugir. Não voltou para casa, já que isso seria levar morte à sua família. Viajou para terras desconhecidas, continuando a estudar o modo de vida de outros povos. Ele foi para Akwammu, cidade de origem do adivinho que o ajudou a nascer. Lá, ele encontrou outro adivinho, Anokye, que era um parente distante. Os dois se afeiçoaram e em uma ocasião Tutu intercedeu junto ao rei para evitar uma punição à Anokye.

Eventualmente, chegou a notícia de que seu tio, Obiri Yeboa, foi morto em um conflito com os Domaa e que ele foi convocado a assumir o trono. Ele levou Anokye junto com ele. Tutu se tornou rei e Anokye seu adivinho.

O primeiro desafio do novo rei era resolver a guerra que havia vitimado Yeboa. Com a ajuda de Anokye, Tutu rapidamente lidou com essa situação. Ele unificaria o reino que até então estava fragmentado e na onda da grande vitória militar dominaria os vizinhos para criar o grande estado Ashanti que governaria a zona da floresta por 300 anos.

A princesa Abena daria à luz ao filho de Tutu, que se tornaria rei de Denkyira. Ele se chamava Ntim Gyakari e coube a ele enfrentar a crescente ameaça do reino Ashanti governador por Tutu. O assunto se tornou urgente quando Denkyira exigiu um tributo em ouro dos Ashanti, que recusaram pagar. Eles mandaram o mensageiro de volta com uma orelha a menos e com o receptáculo de bronze cheio de pedras, e não de ouro.

Percebendo o que fizeram, recorreram ao adivinho Anokye. Ele pediu para que a guerra fosse adiada para que ele preparasse as defesas mágicas do reino. Pediu ainda voluntários que correriam para morte (conforme a expressão utilizada no livro) para defender o reino. Muitos voluntários apareceram e, como recompensa, ficou estabelecido que seus descendentes não poderiam ser executados.

O rei de Denkyira também tinha um adivinho, Kyenekye, que o mantinha informado sobre os passos de Anokye. Ntim Gyakari ordenaria que ele fizesse o que fosse necessário para anular a magia de Anokye e ficaram os dois duelando. Anokye desafiou o inimigo a desfazer o nó das presas de um elefante. Ao mesmo tempo, os exército de Denkyira e dos Ashanti avançavam, de acordo com as instruções dos adivinhos.

O ponto de virada viria quando os Denkyira chegaram em Kumasi. Anokye adivinhara que eles nunca chegariam lá, e estava certo. Os Adansi, povo com quem os Denkyira tinham travado guerra recentemente, tramaram para matar Kyenekye e tiveram êxito. Isso deu ânimo para o exército ashanti, que atacou os Denkyira. Um grupo de soldados encontrou Ntim Gyakari jogando Oware com uma concubina e o matou. (18)

Osei Tutu morreria em batalha algum tempo depois, mas teve sucesso em estabelecer o reino Ashanti, sendo o primeiro chefe supremo do povo Ashanti.

Após a morte de Tutu, começaria uma disputa pelo poder para determinar a sucessão. Os principais candidatos eram seus sobrinhos, Opoku Ware, que se tornaria o novo rei, e Daken, cuja irmã era Pokou. Depois da escolha de Opoku, Pokou decidira liderar seus seguidores para fora das terras ashanti porque ela temia as represálias do novo rei.

O povo assabu viajaria para o oeste, para o que é hoje a Costa do Marfim, até chegarem no rio Comoe.  Lá eles pararam por não terem barcos para atravessar o rio. Mas eles não podiam esperar muito, já que sabiam que os homens do rei os estavam seguindo para puni-los pela tentativa fracassada de Pokou de conseguir o poder e pela fuga deles. Pokou tinha um adivinho chamado Nansi, a quem ela pediu ajuda. Após os rituais, Nansi veio com a resposta. Ela deveria fazer um sacrifício para o rio, abrindo mão daquilo que ela tinha de mais querido. Ela então pensou na charada, imaginando o que seria mais caro para ela. Após pensar, concluiria que era seu filho. Triste, ela entregou o filho ao rio, que solenemente o pegou e o levou para águas profundas.

Então, o rio mudou, as águas recuaram, as árvores se curvaram e um caminho se abriu. Eles atravessaram o rio e os últimos viram atrás deles as águas voltando, as árvores se erguendo e tudo voltando ao normal.

Esse povo seria conhecido como Baule. Pokou morreria logo e caberia à sua sobrinha, Akwa Boni, estabelecer o estado Baule. (22)

Além das histórias dos Ashanti, vou falar sobre histórias dos Agnis, um povo ashanti que fala a língua Anyi. São histórias breves que constam do livro “A Dictionary of African Mythology: The Mythmaker as Storyteller”.

A primeira é de Adoudoua e a Alma Errante. O alto deus, Adoudoua, criou Nyame, deus dos céus e símbolo de virilidade, e Assie, a deusa da terra e símbolo de fertilidade. Ele então se retirou. A alma humana, imortal e indestrutível, dá forma à vida da pessoa e determina seu comportamento. Quando uma pessoa morre, sua alma vai para o reino dos mortos, residir com os seus ancestrais e os deuses dos céus. Se uma pessoa não obedecer as regras de sua alma, há vezes em que, após a morte, a alma não ascende ao reino dos mortos e permanece na terra, lá vagando procurando por outro corpo que permita que ele descubra a pureza que escapou em sua vida anterior.

Outra história é a da luta de Tano contra a morte. O rio deus de Gana e de parte da Costa do Marfim é Tano, ou Ta Kora. Kora significa o “imersivo” e Ta deriva de uma palavra que significa “pai”. Tano é um deus da natureza com atributos heroicos, invocado como deus da guerra em horas de necessidade. Ele era o segundo filho de Nyame, deus do céu, e enganou o irmão mais velho, Bia, da herança, recebendo terras férteis enquanto o irmão ficou com terras áridas. Dizem que Tano enganou Bia e depois fugiu para o oeste, enquanto outras histórias dizem que Tano lutou com a Morte, depois fazendo um acordo e quando Tano fosse visitar o mundo como um homem, a morte iria junto. Outras histórias dizem que eles estavam em um concurso de canto onde ninguém conseguia ganhar do outro e por isso fizeram o acordo e outras de que o acordo era sobre quem chegaria primeiro em uma pessoa doente ou ferida, se Tano chegasse primeiro a pessoa viveria, do contrário morreria. (25)

Outra história, agora dos Kyama, era a de Aruan e o Sino preso a seu Peito. Dois filhos do Rei Ozolua nasceram no mesmo dia de esposas diferentes e aquele que chorasse primeiro seria o herdeiro. Aruan, nascido de manhã, era um bebê perfeito, mas silencioso e não chorou. Egisie, nascido de noite, era frágil e acabou por chorar primeiro. Aruan cresceu forte, mas não muito inteligente, situação oposta à de Egisie. Egisie era o herdeiro real, mas o rei deu à Aruan o pedante real e uma espada mágica. O lugar onde ele cravasse a espada seria o centro do novo reino. Egisie, invejoso, fez com que Aruan cravasse e espada em um lugar indesejado. O rei diria a Aruan que, quando morresse, ele deveria enterrar o corpo onde a nova capital seria erguida. Aruan vivia em Udo e Egisie em Benin. Quando o rei morreu, Egisie enfureceu Aruan ao pegar o corpo do rei e enterrá-lo em Benin.

Ugbeghe, um escravo, mostrou a Aruan um grande fosso na floresta e disse que prepararia para ele uma morada eterna. Quando Aruan retornou três dias depois, havia um lago mágico formado pelas lágrimas do escravo. Aruan jogou um rochedo no meio do lago e ouviu um enorme barulho de trovão quando a pedra atingiu a água. Aruan depois diria que queria ser enterrado nesse lago.

Egisie, agora rei, exigiu o pedante real de Aruan, que se recusou e iniciou uma guerra entre os dois. Aruan foi à guerra amarrando um sino ao seu peito. Se ele fosse derrotado, iria tocar o sino e todas as suas posses, escravos e esposas deveriam ser jogados no lago. Enquanto ele marchava, o sino se soltou e caiu no chão, produzindo um barulho estrondoso, ouvido por seus servos, que cumpriram seu desejo. Dá para ver agora porque ele era o irmão burro! Quando Aruan descobriu, ele ficou angustiado e se preparou para morrer.

Enterrando a espada, ele amaldiçoou o local, proibindo que qualquer um se aproximasse. E então se jogou no lago. Na lua cheia, a empunhadura da espada podia ser vista acima do solo. Aruan vagava grunhindo pela cidade de Udo toda quinta noite e então voltava para o lago. Poderosos espíritos vivem no lago e, se alguém se aproximasse, um raio abateria essa pessoa.

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