quarta-feira, 2 de julho de 2014

Guerra das Rosas (#1) - Ricardo II



Sobre a Inglaterra, vou falar sobre a Guerra das Rosas. Na verdade, vou falar sobre eventos que ocorreram antes desse importante evento da história inglesa, ficando para vídeos futuros falar sobre o restante. A fonte de informação é o livro Lancaster Against York de Trevor Royle. A gameplay será do jogo War of the Roses.

A Guerra das Rosas teve início com um conflito dentro da família Plantageneta, que governava a Inglaterra desde 1154. Ricardo II subiu ao trono em 1377 aos 10 anos e teve a sua coroa ameaçada por Henrique de Bolingbroke, neto de Eduardo III da Dinastia Plantageneta, que se tornaria rei em 1399, colocando a Casa de Lencastre no trono inglês, se tornando Henrique IV. Mas a Casa de Lencastre não era a única interessada no trono inglês, a Casa de York também exigindo o trono para si. As duas Casas têm origem em filhos de Eduardo III da Casa Plantageneta, João de Gante, que formou a Casa de Lencastre, e Edmundo de Langley, fundador da casa de York. No reinado do inepto Henrique VI da Casa de Lencastre, o conflito entre as duas casas de acirrou, resultando em uma disputa de poder.

A origem do termo é um pouco incerta. Historiadores discutem se esse é o nome mais adequado para o conflito, mas o fato é que o nome pegou. Foram feitas várias referências a duas rosas ao longo do tempo. David Hume, em sua História da Inglaterra em 1726, se referiu à “guerra das duas rosas”. Walter Scott, em seu “Anne of Geierstein”, citava o conflito entre as Rosas Brancas e Vermelhas. Shakespeare, na primeira parte do Henrique VI, coloca uma cena onde a retirada de rosas brancas e vermelhas indica a oposição entre as duas casas. O Ricardo III, dos Tudors (o vencedor final da Guerra das Rosas), em peça de Shakespeare também declararia o desejo de unir rosas brancas e vermelhas. No século XIX, o termo já era bastante disseminado para nomear o conflito. Além do termo não ter sido usado na época, não se tem evidência de que os dois lados lutaram com esses símbolos.

Como um conflito militar, a Guerra das Rosas começou em 22 de maio de 1455 com a Primeira Batalha de St. Albans, mas para entender a razão do conflito devemos voltar para 1399. Nesse ano, Ricardo II, neto de Eduardo III, rei cujos filhos dariam origem às duas casas envolvidas no conflito, foi forçado a abdicar ao trono.

Ricardo II subiu ao trono em 1377 aos 10 anos e, por conta da idade, obviamente não conseguiria governar sozinho. Como seu avô, Eduardo III, teve 13 filhos, 5 deles homens, candidato para regente e para futuro usurpador não faltava. O segundo na linha, Lionel, Duque de Clarence, morreu em 1368 e estava fora, mas sua filha, Philipa, tinha casado com Roger Mortimer, de uma poderosa família, descendente de Ralph Mortimer, que invadiu a Inglaterra junto com Guilherme o Conquistador. João de Gante, primeiro duque de Lencastre, terceiro na linha de sucessão, era um poderoso homem por suas posses e terras, suas habilidades diplomáticas e de guerra. Suspeitava-se que ele tramava contra Ricardo II, embora não esteja claro se os rumores eram verdadeiros. O próximo na linha de sucessão era Edmundo de Langley, conde de Cambridge e futuro Duque de York e fundador da Casa de York. Depois, vinha Thomas de Woodstock, Conde de Buckingham e futuro Duque de Gloucester.

Com tantos candidatos poderosos no páreo, ficou claro que nenhum dos tios de Ricardo II poderia ser nomeado regente sem começar um banho de sangue. A solução foi criar um conselho para decidir as políticas e aconselhar o rei, mas essa solução criou uma paralisia política em um péssimo momento interno e externo. Na época, a Inglaterra estava em guerra com a França na Guerra dos Cem Anos, que criou volumosos custos para a coroa inglesa, aumentando as tensões internas.

Vários reis ingleses governaram através de conselhos e com dois cargos de importância na administração do reino. O chanceler, guardião do Grande Selo, e o tesoureiro, guardião do exchequer (erário público), o ministro da economia da Inglaterra sendo chamado hoje em dia como Chancellor of the Exchequer. Em níveis nacional e local, há uma série de juízes e xerifes. O rei era uma figura de arbitro supremo e tinha que manter uma aparência de verdadeiro governante do reino, no que Ricardo II foi bem-sucedido.

Na minoridade, o mais próximo do rei era seu tutor Simon de Burley, e nessa época desenvolveu-se a sensação de que a corte real tinha poder e privilégios em excesso em detrimento dos conselhos que efetivamente governavam o país. O nível crescente de tributação e os gastos exorbitantes da corte real, em especial roupas para o rei Ricardo II, aumentaram a insatisfação política na Inglaterra. Os gastos com a manutenção do vasto reino e com as guerras com a França também foram fatores que colocaram em pressão as contas públicas inglesas.

Revoltas Camponesas
O aumento na chamada poll tax, um imposto pago per capita, em 1380 foi a gota d’água e resultou na Revolta Camponesa de 1381, que coincidiu com insatisfação com as condições de trabalho no campo. A Peste Negra deu mais poder de barganha aos camponeses, ao reduzir o número de trabalhadores, e a rígida estrutura feudal foi desafiada por esse fator que deu mobilidade social aos camponeses. A revolta começou com o assassinato de coletores de impostos e a recusa de pagamento de impostos, que levou à prisão de quem não pagava o tributo. Em junho de 1381, uma multidão marchou até o Castelo de Rochester em Kent para exigir a libertação dos presos. Na Cantuária, os revoltosos ameaçaram matar o arcebispo, que era um dos conselheiros do rei e, portanto, um dos responsáveis pelo aumento de impostos.

Wat Tyler emergiu como um líder da revolta, que também teria o nome de Rebelião de Wat Tyler no futuro. Na verdade, foram várias revoltas simultâneas que convergiram para Londres. John Ball, clérigo que havia entrado em conflito com o Arcebispo da Cantuária por suas denúncias contra a corrupção do clero, também teve papel proeminente na revolta. Os líderes tentaram posicionar a revolta não contra o rei, e sim contra os seus maus conselheiros. Em Londres, os revoltosos atacaram propriedades de seus alegados inimigos, em especial João de Gante. O rei, inicialmente em Windsor, foi para a Torre de Londres que podia ser melhor defendida. Mesmo com 14 anos, os relatos dão conta que Ricardo II agiu com coragem e convicção ao aceitar conversar com os rebeldes.

Ricardo II se encontrou com os rebeldes acompanhado apenas pelo prefeito de Londres, William Walworth, em Mile End. Os rebeldes deixaram claro que não queriam depor o rei e reivindicaram a abolição da servidão, a abertura do mercado de trabalho e a fixação de aluguéis para propriedades rurais. O rei concordou com as reivindicações, prometendo enviar depois cartas com o Grande Selo permitindo que voltassem para casa com o perdão real.

Essa seria uma vitória para o rei, que acabou com a revolta ao mesmo tempo em que mostrou a sua autoridade real. Porém, enquanto ele estava fora, rebeldes de Wat Tyler conseguiram entrar na Torre de Londres e sumariamente executaram o Arcebispo da Cantuária e Robert Hales, o tesoureiro, responsabilizado pelo aumento de impostos.

Em nova negociação com revoltosos, Ricardo II encontrou-se com Wat Tyler, que não mostrou a mesma subserviência dos rebeles na negociação anterior e tratava o rei como um semelhante, inclusive o chamando de “irmão”. Ele chegou com novas reivindicações, como a abolição dos títulos seculares e religiosos e o confisco de terras da Igreja. Ricardo II parecia inclinado a ignorar o comportamento petulante de Tyler e aceitar as reivindicações, mas, segundo os relatos, o prefeito de Londres com seus seguidores atacaram Tyler e o mataram.

As coisas poderiam ficar bem ruins nesse momento, após o assassinato do líder dos revoltosos. Mostrando grande coragem para seus 14 anos, Ricardo II se dirigiu à multidão e ordenou que eles os seguissem. A chegada de tropas e a grande estima que os rebeldes tinham pelo rei, aliado com seu comportamento corajoso, resolveram a questão e os rebeldes dispersaram. Esse evento acabou sendo um grande marco para Ricardo II em sua juventude, mas também acentuou uma presunção sua de que era um escolhido por Deus, que era diferente de todos os outros, que seria visto como a solução para todos os problemas e de que a sua majestade era inviolável.

No final das contas, o rei não manteve a sua promessa com os rebeldes. Outro líder, John Ball, foi preso e executado, mas não chegou a haver um grande banho de sangue. Acabou sendo uma amostra da autoridade real e provavelmente um desincentivo para que novas revoltas ocorram, como ainda estavam ocorrendo em certas áreas da Inglaterra.

Michael de la Pole
Após a Revolta Camponesa, o rei passou a buscar uma esposa. A melhor combinação em termos políticos era o casamento com Ana da Boêmia, filha do imperador do Sacro-império Romano, Carlos IV, o que adicionaria prestígio à Inglaterra na disputa com a França. Apesar de ser um casamento arranjado, Ricardo II se afeiçoou com a sua esposa, principalmente depois da morte da mãe em 1385. Ana teve uma “presença estimulante” na corte e estimulou o marido em interesses culturais.

O resultado das revoltas, o casamento e a diminuição do sentimento contrário ao Sacro Império Romano decorrente do casamento, criaram a sensação de paz e que o rei produziria uma família para estabelecer uma linha de sucessão.

O parlamento escolheria Michael de la Pole, apoiador de João de Gante, e o Conde de Arundel como conselheiros do rei. A intenção era colocar um limite ao comportamento errático do rei, mas Ricardo II usou dessa oportunidade para sua vantagem. O chanceler Richard Scrope criticaria o rei por estar beneficiando aqueles mais próximos dele, o que acabou servindo apenas para tirá-lo do cargo. No seu lugar, o rei nomearia Michael de la Pole, que depois receberia o título de Conde de Suffolk. De la Pole não vem de uma família nobre, seu pai tendo ascendido na corte graças à vultuosos empréstimos cedidos à coroa. Uma influência mais perniciosa era a de Robert de Vere, 9º Conde de Oxford, que tinha um comportamento mal visto na corte. Ele ganharia os títulos de Marquês de Dublin e Duque da Irlanda, títulos excessivos para alguém que pouco contribuiria para o reino e era incompatível com seus talentos, mas que tinha uma boa relação com o rei. Aliás, boa até demais, segundo alguns boatos, que não se sabe se eram fundamentados.

Esses episódios mostraram a vontade de Ricardo II em impor a sua vontade e também certo desleixo ao promover uma figura como de Vere. Tios e outros conselheiros ficaram insatisfeitos com essa decisão em um momento em que estavam pressionando o rei a adotar uma política externa mais agressiva, em especial contra a França. Ganhos militares contra a França seriam uma boa oportunidade de Ricardo II mostrar-se um bom soldado e para os que estavam ao seu redor de obter benefícios de eventuais vitórias.

Guerras externas
Em 1383, uma revolta em Gante, nos Países Baixos, criou a oportunidade perfeita para uma campanha contra a França. Esse episódio interrompeu o comércio de lã da Inglaterra para Flandres, que era uma grande fonte de renda dos ingleses. Essa foi uma boa oportunidade para os ingleses ganharem glórias militares ao mesmo tempo em que defendiam os seus interesses comerciais em uma literal cruzada, como o líder da campanha, Bispo Henry Despenser, conseguiu classificar junto ao Papa Urbano VI, inclusive com a concessão de indulgências (remissão dos pecados no Purgatório, um dos grandes abusos da Igreja que teriam consequências séculos depois).

Porém, não saiu exatamente como eles estavam planejando. Liderando um exército despreparado e inexperiente, Despenser foi obrigado a recuar após a chegada de tropas francesas superiores lideradas por Filipe, Duque da Borgonha. Além de não ter conseguido a glória militar pretendida, a campanha foi uma humilhação e um desperdício de dinheiro, fora não ter conseguido tirar os franceses de Flandres. Após essa derrota, aumentou o temor de um ataque francês e os escoceses aproveitaram a oportunidade para atacar do norte.

A prioridade era lidar com os escoceses, que tinham recebido reforço dos franceses. Para isso, Ricardo II foi pessoalmente liderar o ataque, com a companhia de João de Gante. A campanha foi bem sucedida, apesar de inconclusiva. Os ingleses penetraram no território escocês, mas falharam em forçar uma rendição. No fim, Ricardo II conseguiu a glória militar que buscava e dois de seus tios receberam títulos, Edmundo Langley como Duque de York e Thomas de Woodstock como Duque de Gloucester, porém, nenhum ganho para o reino.

Após a campanha da Escócia, João de Gante passou a cogitar se tornar rei de Castela, ele tendo razões legítimas para isso devido ao seu casamento com Constança, filha de Pedro I de Castela. Gante percebeu que a situação interna na Inglaterra ia mal com um líder cabeça dura como Ricardo II e foi buscar outros ares.

Crises Internas
Em outubro de 1386, o parlamento se reuniu para discutir a necessidade de um aumento nos impostos para financiar a defesa das costas, das fronteiras com a Escócia e a campanha de João de Gante em Castela. Alguém tinha que pagar por isso e o escolhido foi o chanceler Michael de la Pole. A Câmara dos Comuns exigiu a deposição do chanceler, mas o rei não acatou em mais uma demonstração de imprudência. Por essa decisão, Ricardo II foi confrontado pelo bispo de Ely e o Duque de Gloucester (Thomas de Woodstock, tio do rei), Ricardo II perguntaria se eles se rebelariam contra ele, a resposta sendo que a contrariedade deles era contra as políticas do rei e seus conselheiros, novamente preservando a figura real.

Ricardo II elevaria as apostas dizendo que procuraria a ajuda do rei da França. Gloucester então lembrou ao sobrinho que o rei podia ser deposto se negligenciasse seus deveres, como ocorreu com Eduardo II. Ricardo II entendeu o recado, dispensou de La Pole, o tesoureiro e uma série de outros oficiais. De La Pole foi preso, para depois ser perdoado e continuar buscando favores do rei. Isso enfureceu os inimigos do rei, que criaram uma comissão para revisar os gastos do rei, que Ricardo II teve que acatar, apesar da comissão existir por apenas um ano.

Em 1387, Ricardo II faria um giro pelo país durante os trabalhos dessa comissão. Tendo a sua majestade questionada e já se sentindo ameaçado, esse movimento fez parte do planejamento de seus próximos passos e a busca por apoio país afora. Enquanto isso, de Vere arregimentava tropas para apoiar o rei e sir Robert Tresilian, responsável por lidar com os resultados jurídicos da Revolta Camponesa, aconselhou o rei na questão da legalidade da comissão de finanças, procurando por uma possibilidade de acusar os responsáveis por traição contra a coroa.

Gloucester e Arundel sabiam que o rei tinha conseguido julgamentos contrários a eles e passaram a angariar apoio entre os descontentes com o rei. O próximo passo foi indiciar De la Pole, de Vere, Tresilian e outros por traição. Para surpresa deles, Ricardo II aceitou as acusações. A promessa do rei, que ele não pretendia manter, era convocar o parlamento para reunião em fevereiro de 1388. Quatro dos acusados se esconderam ou se exilaram, mas de Vere foi ao norte convocar o exército arregimentado para o rei. Por sua vez, Gloucester e Arundel também começaram a reunir suas forças, contando com a ajuda de Henrique Bolingbroke, filho de João de Gante e Duque de Derby, e Thomas Mowbray, afilhado de Arundel e Duque de Nottingham. A Inglaterra estava à beira de uma guerra civil.

O primeiro movimento foi de de Vere, que se dirigiu à Londres para mostrar oferecer proteção ao rei, mas o avanço foi barrado por tropas dos Lordes Apelantes, como Gloucester e Arundel ficaram conhecidos, que se dirigiram à Londres, forçando Ricardo II a se refugiar na Torre de Londres. De Vere fugiria, sendo dado como morto, e se exilou na França onde morreria cinco anos depois.

Isso não chegou a ser uma guerra civil, mas foi a primeira vez que ingleses enfrentaram ingleses por mais ou menos meio século desde a deposição de Eduardo II. E os Lordes Apelantes até cogitaram depor o rei, mas preferiram mantê-lo e negociar, tendo todas as cartas na mesa após a vitória militar. O rei concordou em convocar parlamento, em prender os cinco acusados, com alguns acréscimos à lista como Simon Burley, o tutor de Ricardo II (ou ex-tutor, já que ele já atingiu a maioridade) e os juízes que tinham condenado os Lordes Apelantes anteriormente.

Parlamento sem misericórdia
O parlamento, que seria chamado de Parlamento Sem Misericórdia, foi chamado na data acordada e o rei teve que ouvir as reclamações dos Lordes Apelantes. Não só isso, os presos foram julgados e condenados ao exílio ou, mais comumente, morte em julgamentos não muito justos. De la Pole e de Vere estão fugitivos, mas Simon Burley não teve a mesma sorte e acabou sendo executado acusado de ter se aproveitado dos favores do rei desde mais jovem. Porém, tentativa de tirar Ricardo II do poder não teve, apenas a faxina em seu corpo de conselheiros e uma limitação em seu poder.

Depois, Ricardo II nomearia novo chanceler, William de Wykeham, que havia servido Eduardo III. Outros conselheiros foram escolhidos, equilibrando independência de espírito com cuidado de não ofender os Lordes Apelantes, apesar de eles terem saído da vida pública após os últimos episódios. Um conselheiro importante foi João de Gante, que retornou de Castela sem o trono pretendido.

Os próximos cinco anos foram de relativa paz tanto no âmbito interno, quanto no externo, sem grandes conflitos internos ou guerras. Nesse período de calma, Ricardo II dedicou-se às artes. Como já se fazia, Ricardo II patronizava poetas e escritores na corte, com a diferença dele exigir que os poemas fossem escritos em inglês. Na época, nas cortes se falava mais o francês e gradualmente o inglês foi mais aceito na corte. Um dos escritores apoiados já de longa data era Geoffrey Chaucer, autor de “Os contos da Cantuária”, que é também um bom retrato da Inglaterra da época de Ricardo II. Chaucer esteve sobre pressão durante o Parlamento Sem Misericórdia, onde foi examinado, mas nada aconteceu com ele e Chaucer inclusive ganharia um cargo importante na corte. Nessa época, Ricardo II pediu um retrato seu, que pode ser visto hoje na Abadia de Westminster.

Dois incidentes mancharam esse período pacífico. Ricardo II pediu um empréstimo para Londres, que, apesar de ser uma cidade amigável à Coroa, recusou o pedido. Em resposta, Ricardo II impôs uma multa e outras punições como a demissão do prefeito, a transferência de cortes de justiça e da chancelaria. A situação logo se acertaria com a concessão do empréstimo e a volta das instituições para Londres, mas as relações entre Ricardo II e a cidade nunca mais seriam as mesmas.

O segundo incidente foi a morte de sua esposa, Ana, aos 27 anos. Ricardo II ficou extremamente abalado, mas o incidente não foi exatamente esse. No funeral, o Conde de Arundel não apenas chegou atrasado, mas também pediu para sair cedo. Como resposta, em mais uma amostra de comportamento destrutivo, Ricardo II bateu nele. Além disso, ele mandou destruir uma mansão real, onde tinha passado bons momentos com Ana e agora não tolerava ver. Ricardo II certamente não sabia lidar calmamente com problemas. Porém, logo viriam problemas bem maiores para ele.

Durante seu luto prolongado, duas questões urgentes surgiram: França e Irlanda. O custo das campanhas militares contra a França já estava em níveis insuportáveis e só traria problemas internos elevar impostos para financiar essas guerras. Para a França, esse custo e a restrição ao comércio de algodão nos Países Baixos também preocupavam. Os dois lados passariam a buscar uma trégua honrosa sem perdedores ou ganhadores. O principal ponto de conflito era Aquitânia, posse inglesa em território francês. A solução proposta era a Inglaterra pagar uma homenagem à França, mas o Parlamento inglês vetou essa proposta. Em 1396, os reis da Inglaterra e da França concordaram em trabalhar em uma solução para o Grande Cisma da Igreja e no casamento de Ricardo II com Isabel de Vallois, então com seis anos, resultando em uma trégua entre os dois reinos.

O casamento com uma criança não é uma boa ideia, e, infelizmente, não pelos motivos óbvios de hoje. Ou não diretamente, e sim pela demora da nova rainha em produzir um herdeiro. Mas ao menos, além da paz com a França, Isabel trouxe com ela um bom dote e perspectiva de paz em prazos maiores.

Tendo se acertado com a França, Ricardo II pode voltar as suas atenções para a Irlanda. A Inglaterra tinha alguns territórios na Irlanda, mas vinha recebendo ataques nos últimos anos liderados por Art McMurrough, rei de Leinster e auto-declarado “chefe da nação”. Em 1379, Edmundo Mortimer, 3º conde de March, foi apontado como governador da Irlanda, mas dois anos depois morreu e deixou o cargo para o filho de sete anos. Desde então, a autoridade inglesa na Irlanda ficou enfraquecida e foi contestada como há muito não ocorria.

Tendo cidades inglesas em território irlandês sob ataque, Ricardo II montou uma expedição com 8 mil homens. A campanha foi fácil e logo Ricardo II estava em Dublin, mas ao invés de uma vitória militar decisiva, preferiu o apaziguamento. Em troca da lealdade dos líderes irlandeses e a devolução dos territórios ocupados, prometeu arbitrar problemas dos irlandeses com os ingleses e ajuda financeira.

Tudo parece bem até esse ponto, mas não estava. O acordo com a França não foi tão bem recebido internamente, visto como uma subserviência à França. O parlamento rejeitaria uma proposta de mandar tropas em apoio a Carlos VI na Itália, onde o rei francês cortejava territórios do duque de Milão.

Enquanto isso, os gastos públicos continuavam ascendentes. Mesmo sem guerras contra a França, Ricardo II continuava gastando de maneira descontrolada com algumas loucuras como colocar um trono em seu quarto. Além de gastar dinheiro, essas atitudes prejudicavam e prejudicariam ainda mais Ricardo II ao mostrar um comportamento descuidado e vaidoso.

Ricardo II decidiria se vingar dos Lordes Apelantes, e esse foi o começo de seu fim. Em julho de 1397, ele convocou para um banquete Gloucster, Arundel e Thomas de Beauchamp, Conde de Warwick, apenas esse último aceitando o convite, só para ser preso na Torre de Londres. Arundel foi o próximo a ser preso no Castelo de Carisbroke. Gloucester, tio de Ricardo II, foi preso e mandado para Calais, França. Com isso, Ricardo II queria se vingar do Parlamento Sem Misericórdia e da posição de inferioridade a que foi submetido depois, violando o que ele pensava ser seu direito real. Ricardo II participava novamente de um Parlamento Sem Misericórdia, dessa vez do lado acusador.

O primeiro acusado foi Arundel. Ele se defendeu alegando que tinha sido perdoado no Parlamento Sem Misericórdia e recebido uma promessa pessoal de segurança do rei. A apelação não teve efeito e ele foi condenado à pena reservado aos traidores: enforcamento até ficar quase inconsciente, esquadrinhado e depois esquartejado. Para sorte e intervenção do rei, Arundel foi apenas decapitado. O próximo seria Gloucester, porém, ele foi encontrado morto em Calais, provavelmente sob ordens do rei para salvá-lo da indignidade e para não se indispor com outro tio, João de Gante. Por fim, Warwick foi julgado, se declarou culpado e implorou por perdão de todas as maneiras possíveis. Terminou condenado à morte, pena posteriormente revertida para banimento na Ilha de Man.

Após as maldades com os inimigos, bondades com os amigos, com farta distribuição de ducados para aliados e meio irmãos. Ricardo II tentou colocar seus aliados no congresso e partiu para cima daqueles que apoiaram os Lordes Apelantes, cobrando multas em troca de perdão. A próxima convocação do parlamento em 1398 não seria em Londres, e sim em Shrewsbury, perto do centro de seu poder militar em Cheshire e na fronteira com Gales. De la Pole voltou à condição de Conde de Suffolk e todos os atos passados pelos Lordes Apelantes foram repelidos. Nessa época, Ricardo II passou de excêntrico para tirânico.

Um incidente seria decisivo para os eventos futuros. Henrique Bolingbroke relatou uma conversa que teve com Thomas Mowbray, onde este teria afirmado que havia um plano de mata-los pelos incidentes da miniguerra civil que consagrou os Lordes Apelantes. Isso gerou um desentendimento entre os dois, resultando na destituição de Mowbray de alguns cargos e no começo de um duelo entre os dois, uma maneira cavalheiresca de resolver pendências entre dois homens de mesma classe social, uma luta até a morte ou muito perto disso.

Estava tudo armado para o julgamento por batalha, mas na hora H o rei cancelou o duelo e declarou que ele ia arbitrar as diferenças, condenando Mowbray para um exílio perpétuo e Bolingbroke recebendo 10 anos de exílio, para grande insatisfação da multidão que foi para Coventry para ver um dois duques lutando até a morte. Não se sabe exatamente porque Ricardo II interviu, mas provavelmente foi porque nenhum resultado o favoreceria e apenas reforçaria as acusações iniciais e poderia fortalecer o vencedor. A pena menor para Bolingbroke se deveu ao seu relacionamento com João de Gante, e não com maior proximidade com Bolingbroke. O exílio dos dois acabou sendo a melhor solução para Ricardo II.

João de Gante não estava bem de saúde e a situação de seu filho (Bolingbroke) agravou ainda mais seu estado. Para aliviar a dor de Gante, Ricardo II concedeu dinheiro para Bolingbroke em seu exílio em Paris e deu permissão para que ele concorra à herança de Gante caso ele morresse, como de fato ocorreu seis meses após o exílio do filho. Após a morte de Gante, Ricardo II mudou totalmente seu posicionamento quanto à Bolingbroke, não apenas impedindo que ele fosse ao funeral do pai, mas também revocando a permissão de reivindicar herança do pai e estendendo o exílio para sempre. Ricardo II não queria dar chance para um possível reivindicante ao trono e acreditava que os franceses ficariam de olho nele, para não arriscar a trégua. Nesse ponto, Ricardo II estava mortalmente errado.

Pensando que o cenário interno estava controlado, Ricardo II voltou-se para a Irlanda, que não manteve as suas promessas de submissão. Novos conflitos surgiram e o Conde de March foi morto tentando restaurar a ordem. Ricardo II foi para a Irlanda com 5 mil homens e o desejo de restaurar a ordem nos territórios ingleses na Irlanda, punir Art McMurrough e vingar o Conde de March, que era o segundo na linha de sucessão.

Na França, uma mudança política selaria o destino de Ricardo II. O rei Carlos VI tinha momentos de loucura que iam da amnésia até a crença de que ele era feito de vidro. A França era governada por um regente, que era o Duque da Borgonha, mas o Duque de Orleans, irmão do rei, também cortejava o cargo e entraria em conflito por ele. O Duque de Orleans se aliou a Henrique Bolingbroke, que usaria a ocasião da ida de Ricardo II para a Irlanda para retornar à Inglaterra e reivindicar a sua herança em 1399.
                                                                                   
Quatro semanas de Ricardo II ter ido à Irlanda, Bolingbroke desembarcou na Inglaterra e recebeu apoio dos mais diversos, como do Conde de Northumberland, Henry Hotspur e o Conde de Westmorland. Talvez Bolingbroke tivesse ido para a Inglaterra apenas para reivindicar a sua herança, mas a velocidade com que angariou apoio talvez o tenha convencido de suas chances de lutar pelo trono. Auxiliou a inépcia do Duque de York, deixado como encarregado dos assuntos internos enquanto o rei estava fora. Demorou para ele alertar o rei sobre as movimentações de Bolingbroke e demorou ainda mais para que Ricardo II pudesse voltar para a Inglaterra. A esse ponto, Bolingbroke já tinha avançado e executado três conselheiros do rei.

Vendo-se em desvantagem na volta à Inglaterra, Ricardo II procurou negociar. Northumberland intermediaria as conversas entre Ricardo II e Bolingbroke, conseguindo uma promessa de que Ricardo II tiraria Bolingbroke do exílio e restauraria as propriedades de Bolingbroke, em troca de Ricardo II não ter a coroa contestada. Ricardo II foi levado ao Castelo de Flint, onde Bolingbroke o esperava trajando uma armadura completa, como que mostrando seu poder. De lá, foram para Londres, onde Bolingbroke aprisionaria Ricardo II na Torre de Londres.

Esse já era o fim de Ricardo II, sem apoio nenhum para continuar como rei e com um usurpador com muito mais prestígio. Restava agora criar um racional para a destituição. A primeira ideia era manter Ricardo II como rei nominal e nomear um regente, ideia descartada por Bolingbroke, que via que podia muito mais do que isso. Bolingbroke insistiu que era necessário resgatar a Inglaterra de seu governo autocrático e seus conselheiros que buscavam apenas os seus interesses.

Ricardo II passou a ser investigado e não faltaram acusações a serem feitas que resultariam na perda da coroa. Os seguidores de Bolingbroke encontraram evidências de perjúrio, atos sodomitas, disposição de seus súditos, redução do povo à servidão, falta de razão ou capacidade para governar, quebrando o juramento feito durante a coroação.

No final, Bolingbroke e seus seguidores pressionaram Ricardo II a renunciar. Os relatos dizem que ele o fez com “uma expressão alegre”, mas é difícil acreditar nisso. Shakespeare, em seu Ricardo II, mostraria o rei entregando suas posses (cetro, coroa etc.) em um misto de loucura e frustração.

Henrique Bolingbroke tinha ainda um problema, não sendo ele o segundo na sucessão natural, e sim Edmundo Mortimer, Conde de March, então com sete anos. Bolingbroke enfatizaria que vem de descendência direta masculina de Eduardo III, enquanto Mortimer descende de parte de avó. Além do mais, ele tinha todas as condições políticas de assumir o trono e ninguém se levantou nem por Ricardo II nem por Edmundo Mortimer. No parlamento de 30 de setembro de 1399, Bolingbroke seria aclamado rei e Ricardo II deposto. Esse não era exatamente o procedimento, pois exigia a presença do rei deposto, mas essa não era a hora de sutilezas políticas.

Bolingbroke, agora Henrique IV, declarou que queria esquecer o passado e começar um novo futuro, e os apoiadores mais próximos de Ricardo II apenas perderam seus títulos.

Henrique IV honraria a sua promessa, talvez lembrando de seu exílio e perda patrimonial pelo impedimento à herança imposto por Ricardo II. O problema era o que fazer com o antigo rei, problema resolvido em 1400 quando Ricardo II morreria por razões desconhecidas. A versão oficial foi inanição, não se sabe se de forma voluntária ou forçada. Seu corpo foi levado para Kings Langley, contrariando seu desejo em vida de ser enterrado na Abadia de Westminster junto com sua esposa Ana. Só em 1413, no reinado de Henrique V, o desejo de Ricardo II seria cumprido.

A sombra de Ricardo II pairou sobre o século XV. Bem ou mal, ele foi um rei usurpado de maneira ilegal e ainda por cima morto em circunstâncias suspeitas e um fim amargo para Ricardo II, que se acreditava ungido por Deus. Maus julgamentos e sua incapacidade de criar relacionamentos com os poderosos da época selaram o seu destino. O que o levou a tomar essas decisões errôneas ainda é objeto de debate. Alguns alegam que ele era clinicamente insano, outros que tinha uma vontade fraca e tendia a tomar as decisões baseado no que ele queria que fosse verdade ao invés dos fatos reais. Ao alijar pessoas que poderiam lhe ser úteis, Ricardo II realmente se comportou de maneira irracional e emotiva nos últimos anos, talvez movido por sua ilusão de grandeza. O ataque contra os Lordes Apelantes, onde ele não tinha nada a ganhar a não ser a gratificação da desforra contra desafetos, foi uma mostra desse comportamento. Alijar aliados e se aliar a pessoas que poderiam prejudica-lo também foram decisões ruins.

Não que Ricardo II tenha sido um desastre completo ao longo de seu reinado. Tomou decisões bem sensatas na Revolta Camponesa e nas campanhas da Escócia e na primeira ida à Irlanda. Talvez a perda da esposa tenha tido um efeito mais devastador em seu juízo do que era de se imaginar. E teve ainda o mérito de conseguir a paz com a França. O patrocínio às artes e a insistência no uso do inglês na corte também foram pontos positivos do reinado de Ricardo II.

Bom, essa é a história de Ricardo II, um prelúdio para o prelúdio da Guerra das Rosas. O restante da história da Guerra das Rosas em vídeos futuros.

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