terça-feira, 8 de julho de 2014

Guerras da Iugoslávia (#2) - Independência




Nesse vídeo, vou continuar falando sobre as Guerras da Iugoslávia, indo para o capítulo 3 do livro The Fall of Yugoslavia, de Mischa Glenny. A gameplay novamente é do jogo Tactics Ogre, conforme eu expliquei no vídeo anterior.

Em junho de 1991, a Iugoslávia vivia um momento de grande tensão entre sérvios e os separatistas croatas e eslovenos. Na Sérvia, Milosevic já tinha poder total e a oposição estava enfraquecida. A imprensa, controlada pelo governo, alimentou ainda mais a tensão denunciando os separatistas da Croácia e chamando a atenção para os indefesos sérvios que moravam na Croácia e tinham que se defender dos genocidas croatas. Na Croácia, a imprensa não deixou por menos, de forma que muitos consideram as principais redes de TV, a, HTV croata e a RTV Belgrado como as principais criminosas de guerra.

Antes de seguir para os eventos que levariam à independência da Croácia e da Eslovênia, o autor fala sobre outras partes da Iugoslávia. Kosovo, com maioria albanesa, era controlada politicamente pelos sérvios, que exerciam o poder com mão de ferro. Kosovo era praticamente uma colônia da Sérvia e o desarmamento da população inviabilizava qualquer reação armada, de forma que Kosovo seria a última a obter a sua independência na última das Guerras da Iugoslávia. A minoria sérvia que estava em Kosovo vivia em permanente estado de paranoia contra os “terroristas albaneses”, sentimento que era alimentado pela Sérvia para manter um estado repressivo em Kosovo.

A Macedônia conseguiria a sua independência em 1991 de maneira relativamente pacífica, embora a vida após a independência não fosse fácil. O país estava cercado por inimigos de todos os lados, Sérvia, Bulgária e Grécia. A Albânia não era exatamente um inimigo, mas tinha interesses no país por conta da minoria albanesa na Macedônia. A questão era o reconhecimento da Macedônia como um estado e como uma nação. A Sérvia estava disposta a reconhecer os dois, a Bulgária apenas como um estado e a Grécia como nenhum dos dois, por entender que eles têm direitos territoriais sobre a Macedônia. Bulgária e Grécia não reconheciam as minorias macedônicas em seus países, não admitindo que eles se chamassem de outra coisa além de búlgaros ou gregos.

Outro fato a ser mencionado antes de voltar a falar sobre o conflito propriamente dito são as relações históricas entre os dois países. Na Segunda Guerra Mundial, a Croácia foi ocupada pelo Eixo e o governo dos ustaše (ou ustasha, como está no livro) foi colocado no poder e adotaria políticas fascistas. Durante esse regime, milhares de sérvios, judeus e ciganos foram mortos em campos de concentração. Por sua vez, na Iugoslávia comunista após a Segunda Guerra Mundial, milhares de croatas foram mortos. O presidente da Croácia, Franjo Tudman, como um gesto de boa vontade, se desculparia pelos crimes dos ustaše, mas esse foi um gesto infrutífero, já que Milosevic não fez o mesmo pelos crimes cometidos pelos comunistas. Ustaše então seria um xingamento utilizado pelos sérvios contra os croatas.

Fechando os parênteses, podemos dizer que a guerra começou em primeiro de maio no incidente de Borovo Selo, onde doze policiais croatas e três sérvios foram mortos em um assentamento na Croácia. O pior dessa história é que nenhum dos lados está com a razão. Os sérvios em Borovo Selo eram hostis aos croatas e ao novo governo e um acordo foi feito entre Sérvia e Croácia de que nenhum policial entraria em Borovo Selo sem a permissão de um representante dos sérvios.

Porém, no dia primeiro de maio de 1991 policiais croatas entrariam em Borovo Selo e seriam atacados pelos sérvios. No dia seguinte, os croatas invadiriam Borovo Selo em busca dos policiais. Recuperaram os corpos, que estavam mutilados. Os croatas se aproveitaram disso, expondo os corpos para o público como uma forma de jogar a população contra os sérvios. A ordem da primeira entrada em Borovo Selo foi dada pelo chefe de polícia, que devia saber muito bem que não deveria fazer isso. (7)

Muitos interpretam esse incidente como uma tentativa dos croatas de justificarem maior repressão aos sérvios na Croácia e expulsão deles do país. O fato é que esse incidente apenas subiu a já elevada temperatura, com o governo sérvio infiltrando grupos paramilitares na Croácia e os suprindo com armas e com militantes do partido governista croata, o HDZ, atacando os sérvios na Croácia. Por força de uma política governamental deliberada, sérvios eram demitidos de seus trabalhos apenas por conta de sua nacionalidade, no setor público, mas também no setor privado. Crimes eram cometidos contra cidadãos da outra nacionalidade tanto na Sérvia quanto na Croácia. Casas e estabelecimentos comerciais de sérvios eram marcados com os dizeres “Chetniks”, que é o nome de uma organização paramilitar que lutou pela sérvia na Segunda Guerra Mundial, o nome sendo utilizado também nas Guerras da Iugoslávia. Chetnik era uma forma de um croata xingar um sérvio, assim como ustaše para a situação oposta. Borovo Selo não criaria a tensão, mas a aumentaria exponencialmente.

Dias antes da declaração de independência, Croácia e Sérvia já pareciam países diferentes, e não membros de uma única federação. Embora algumas pessoas se considerassem iugoslavas, o sentimento nacionalista aumentou nos dois países. A população da Croácia sentia-se cada vez mais otimista com a iminente independência, apesar dos conflitos que já estouravam aqui e ali. Bandeiras croatas se espalharam por Zagreb, capital da Croácia.

A Eslovênia desempenharia um papel essencial, embora indireto, na independência da Croácia. A própria Eslovênia já vinha buscando se separar da Iugoslávia e um referendo popular em 1990 daria apoio a essa ideia. A questão para a Eslovênia era mais econômica do que política ou étnica. Na negociação entre as seis repúblicas iugoslavas, a Sérvia se mostrava inflexível em atender as aspirações nacionais das demais repúblicas. A Croácia não estava totalmente decidida à independência, podendo aceitar fazer parte da Iugoslávia desde que tivesse mais autonomia, mas a saída unilateral da Eslovênia incitaria a Croácia a seguir o mesmo caminho. Isso ocorreria também porque a Croácia esperava encontrar na Eslovênia um aliado em caso de guerra, mas as alianças nos Balcãs não são sempre tão simples assim e a independência das duas repúblicas são casos completamente diferentes. A Croácia tinha que resolver o que fazer com a minoria sérvia em seu país e isso complicaria todo o processo da independência como não ocorria na Eslovênia.

A independência da Eslovênia estava marcada para o dia 26 de junho de 1991. O primeiro-ministro da Iugoslávia, o croata Ante Markovic, tentou de tudo para dissuadir os separatistas da Croácia e da Eslovênia, até ameaçando o uso da força, mas foi ignorado. Os croatas se anteciparam aos eslovenos e, apoiados por um referendo, o congresso aprovou a independência um dia antes da Eslovênia.

Logo após a independência, os conflitos começariam. Os Marticevci, um grupo paramilitar sérvio, lançaria um ataque contra Gilna, uma vila próxima de Zagreb. Uma peculiaridade do conflito é que ele se daria prioritariamente em áreas onde os partisans, tropas irregulares que enfrentaram os nazistas na Sérvia na Segunda Guerra Mundial, enfrentaram os ustaše. Outra questão nessa guerra eram os casamentos mistos de sérvios e croatas. Com a guerra, esses casais se separaram em muitos casos, de forma que um soldado poderia atirar na própria esposa se essa se juntasse ao conflito armado do outro lado.

A causa da guerra era o nacionalismo, mas os dois lados tentariam dar outras justificativas. Para a Croácia, a guerra era entre o bolchevismo de Milosevic e as políticas de livre mercado que Tudman queria implementar na Croácia. Para os sérvios, além do suposto genocídio de sérvios, havia uma ofensiva fascista nos Balcãs por parte dos croatas, fomentada pelos mestres da Croácia, a Alemanha.

A Eslovênia, por sua vez, não tinha motivo algum para entrar em guerra com quem quer que seja. O único motivo seria um confronto com a Iugoslávia, que considerou inicialmente a separação como ilegal. E haveria realmente um conflito entre Iugoslávia e a recém-criada Eslovênia, mas seria uma guerra de curta duração conhecida como Guerra dos Dez Dias. Mas a Iugoslávia não demoraria a deixar a Eslovênia ir sem maiores contestações.

O reconhecimento da Eslovênia teria consequências para a Croácia. Já não fazia mais sentido falar em uma guerra entre Iugoslávia e Croácia, uma vez que a Iugoslávia já tinha reconhecido a independência de uma de suas repúblicas. O que restava agora era um conflito entre sérvios e croatas e a única solução encontrada para as tensões acumuladas entre os dois só poderia resultar em uma guerra, que duraria ainda quatro anos.

Relação com Tactics Ogre
Vou falar ainda sobre a relação entre o jogo Tactics Ogre e as Guerras da Iugoslávia, ampliando o que falei muito brevemente no vídeo anterior. Em uma entrevista para a Dengeki, o diretor do jogo, o Yasumi Matsuno, diria que se inspirou nos eventos da Iugoslávia para criar o enredo do jogo. Diz que ficou pensando nas coisas terríveis que estavam acontecendo e isso moldaria o enredo sombrio e complexo do jogo. O jogo foi lançado em 1995 para SNES, mesmo ano do fim da guerra entre Iugoslávia e Croácia e era a continuação de outro jogo, o Ogre Battle.

O principal das Guerras da Iugoslávia, a questão étnica, está presente no jogo e se eu fizer mais vídeos sobre o Tactics Ogre eu explico mais sobre isso, já que nem apareceu muito bem aqui e eu não me lembro muito bem da vez que eu joguei.

E a inspiração nesses eventos trouxe uma ambiguidade moral ao jogo. Você pode seguir o caminho da legalidade ou do caos, o da legalidade sendo o caminho ruim, já que você está seguindo as ordens de um déspota. Para seguir o caminho da lei, você precisa tomar decisões desumanas, que era a situação vivida pelos soldados na guerra. Uma coisa a se notar nessa situação toda é que não tinha santo na história, todos os lados, Sérvia, Croácia, Bósnia, tinham sujeira.

Falando sobre o jogo, ele foi desenvolvido pela Quest, que depois seria incorporada pela Square, mas não haveria mais jogos da série fora esse remake para PSP. Eles aproveitariam a ideia para o Final Fantasy Tactics e para os Tactics para GBA, mas não evoluíram para nada além disso. Quem sabe um dia isso possa ser feito, porém, o Matsuno saiu da Square, então acho improvável. Tem o jogo que o Matsuno está desenvolvendo, o Unsung Story, mas me parecia bem diferente.

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