terça-feira, 8 de julho de 2014

Guerras da Iugoslávia (#1) - Milosevic



Sobre Croácia e Bósnia, vou falar sobre as Guerras da Iugoslávia, uma série de guerras de independência na antiga Iugoslávia, que era formada por seis repúblicas socialistas: Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Croácia, Macedônia, Montenegro e Eslovênia. A Sérvia, por sua vez, tinha duas províncias autônomas: Kosovo e Voivodina. A fonte de informações é o livro The Fall of Yugoslávia, de Misha Glenny, um relato contemporâneo da situação na Iugoslávia, o que tem a vantagem de ser bem detalhado e a desvantagem de não contar com fatos ocorridos depois da escrita do livro e interpretações mais atuais. Mischa Glenny é um jornalista britânico que estava cobrindo a Iugoslávia durante a guerra para a BBC.

A gameplay é do jogo Tactics Ogre: Let us cling together, para PSP. A escolha pode parecer não fazer sentido, mas o enredo foi baseado nas Guerras da Iugoslávia segundo o diretor do jogo, o Yasumi Matsuno. A alternativa seria usar o Iron Warrior: T-72 Tank Command, que é um jogo medonho, os 84 centavos mais mal gastos da minha vida, até fiz vídeo disso. Então, vamos de Tactics Ogre.

Vou começar pelo segundo capítulo do livro, o primeiro parecendo mais um relato pessoal do autor do que um relato histórico. Ele começa o capítulo comparando a Sérvia no começo de 1991 com Mordor, do Senhor dos Anéis, na verdade, relatando a comparação que era feita na época. Em dezembro de 1990, Slobodan Milosevic seria eleito presidente da Sérvia, que foi um ditador paradoxal. Ele não era carismático, não tinha nenhum verdadeiro nacionalismo e nunca mostrou nenhum afeto para com as massas.

O começo da ascensão política de Milosevic foi em 1987, no Comitê Central Comunista da Liga Sérvia, quando ele denunciaria o tratamento dispensado às minorias sérvias e montenegrinas em Kosovo, que era de maioria albanesa. Isso lançou uma demanda nacionalista sérvia e  colocou os demais estados iugoslavos em um dilema: ou aceitavam as minorias sérvias ao longo da Iugoslávia e a dominação delas na república ou lançavam suas próprias demandas nacionalistas.

A Eslovênia seria a primeira a se levantar contra a Sérvia, expondo as diferenças étnicas que ficaram esquecidas por 40 anos. Em 1989, o nacionalismo dentro da Iugoslávia estava crescendo, em parte em resposta à tentativa da Sérvia de ganhar mais poder e em parte pelo fortalecimento de forças regionais e nacionalistas no Leste Europeu.

Exceto por Montenegro, todo mundo odiava Milosevic e nem mesmo comunidades sérvias em outros estados tinham grande simpatia por Milosevic. Dentro da Sérvia, ele ganhou apoio ao levantar a bandeira da causa sérvia em Kosovo. Milosevic estimularia ainda mais esse nacionalismo sérvio promovendo uma série de demonstrações de apoio na Sérvia e fora, conseguindo desestabilizar os governos de Voivodina e Montenegro. O ápice dessas demonstrações foi a comemoração dos 600 anos da Batalha de Kosovo, quando a Sérvia foi derrotada pelo Império Otomano. Por que eles comemoram isso? Vai saber...

O discurso de Gazimestan em Kosovo seria decisivo para acirrar as tensões étnicas na Iugoslávia. Ele falaria sobre a Batalha de Kosovo, mas também mandaria recados indiretos para croatas, albaneses e macedônios, falando sobre batalhas que estão ocorrendo e exaltando a sua capacidade de mobilizar os sérvios. Como era um evento iugoslavo, contava com a presença do presidente da Iugoslávia, o esloveno Janez Drnovšek, o primeiro-ministro, o croata Ante Markovic, e o ministro do exterior, o croata Budimir Loncar. Eles tinham que ficar do lado de Milosevic, ouvindo a sua exortação do nacionalismo sérvio sem poderem fazer nada.

Milosevic pessoalmente não era uma pessoa muito amigável com ninguém e não tinha um discurso muito empolgante, mas era a pessoa mais poderosa da Sérvia e não hesitava em usar as ferramentas mais eficazes da política dos Balcãs: engano, corrupção, chantagem, demagogia e violência. Ele procurava dar um jeito de não ser pessoalmente ligado a nenhuma política mais polêmica, embora fosse centralizador. (8)

As reuniões entre os seis presidentes das repúblicas iugoslavas foram os principais fóruns de discussão, que resultariam na guerra civil. Milosevic se oporia a qualquer mudança que enfraquecesse a ideia de estado unitário sob o comando dos sérvios. Ele insistiria no direito dos sérvios de viverem em um único estado e usaria isso toda vez que alguma das repúblicas pedisse por independência. Milosevic diria que eles poderiam ir, desde que deixasse a parte dos territórios ocupadas predominantemente por sérvios para trás, criando um impasse.

A Croácia era a república que mais estava em busca de independência para realizar o milenar sonho de ter um estado próprio. Para evitar uma guerra, Milosevic teria que abrir mão de manter a Iugoslávia unida e o novo presidente da Croácia, eleito em 1990, Franjo Tuđman, teria que aceitar negociar com a minoria sérvia. Nenhum dos dois se dispôs a ceder.

Antes de qualquer coisa, Milosevic teria que lidar com eleições na Sérvia, marcadas para dezembro de 1990 e que ele já não consiga mais evitar. Havia uma série de grupos com fervor nacionalista mais forte do que Milosevic, que usava a bandeira nacionalista para ganhar e reter o poder. Havia, por exemplo, o Partido Radical da Sérvia, o Renovação Nacional da Sérvia e o Movimento Renovador Sérvio. Esses grupos defendiam a criação de uma Grande Sérvia e a expulsão dos não-sérvios do país, ou seja, defendiam uma limpeza étnica. Eram grupos militarizados e se envolveriam nas guerras da Iugoslávia cometendo diversos crimes contra a humanidade. Mais moderado, havia o Partido Democrático, que tinha uma bandeira nacionalista imposta pelo clima gerado por Milosevic, mas não tinha ideias tão radicais quanto os outros movimentos.

O Partido Socialista de Milosevic tinha imensas vantagens sobre os seus rivais, em termos de dinheiro para campanha e acesso à mídia. O Partido encheu as ruas com cartazes com o lema “Conosco não há insegurança”, prometendo não só segurança física, mas política e econômica, já que o povo estava incerto sobre as mudanças propostas pelos outros partidos. Mesmo com tudo isso, o partido de Milosevic receberia 48% dos votos, o que é baixo considerando as suas enormes vantagens sobre os oponentes.

Reeleito, Milosevic continuaria intransigente sobre a unidade da Iugoslávia, sob protestos principalmente de Croácia e Eslovênia. O fervor nacionalista sérvio afetou o dia a dia nas cidades, o alfabeto cirílico substituindo totalmente o alfabeto latino e todos os que escreviam em alfabeto latino sendo alvos de violência. Grupos nacionalistas radicais vendiam camisetas com os seus lemas nas ruas de Belgrado.

Após as eleições, Milosevic continuaria em campanha para desacreditar os seus adversários políticos dentro da Sérvia, utilizando a mídia, em especial a televisão, para isso. A rede Dnevnik II foi a principal arma política de Milosevic, que em 16 de fevereiro de 1991 divulgou uma reportagem denunciando Vuk Draskovic, do Movimento Renovador Sérvio, de ter contatos secretos com a Croácia. Em resposta, Draskovic chamaria uma revolta para o dia 9 de março contra a Dnevnik II, chamando de bastilha da TV.

Draskovic conseguiria arregimentar o apoio de vários membros da oposição à Milosevic. A crise foi se aproximando, e Milosevic decidiu-se por não agir para evitar o confronto. Na data marcada, a polícia de Belgrado ocuparia as entradas da cidade para conter o protesto. Carros foram revistados, pessoas com armas foram presas, algumas com armas plantadas para efetuar a prisão, e a cidade parecia que estava em lei marcial. (15)

Às 10:30 do dia 9 de março, uma multidão tomou a Praça da República em Belgrado. A polícia cercou a praça e também pontos estratégicos, como a estação de TV que era considerada a bastilha. A política estava equipada com máscara de gás, cassetete, escudo antiprotestos e canhões de água.

Houve confrontos por toda a cidade, com os manifestantes jogando pedras na polícia, que respondia com canhão de água e gás lacrimogênio. O mais irônico de tudo é que as guerras na Iugoslávia começariam com um confronto entre sérvios. Os manifestantes conseguiram fazer com que a polícia recuasse. Essa foi uma vitória dos revoltosos, mas seria apenas o começo.

Precisamente ao meio-dia, Draskovic apareceria na sacada do Teatro Nacional, sendo recebido pela multidão que se reuniu sob sua convocação. Após algum tempo de discurso de Draskovic, a polícia retornaria e atacaria os manifestantes, que revidariam com a mesma força e levaria Belgrado a ter dois dias de violência.

Em dado momento, a polícia começou a atirar com balas de verdade. A primeira vítima foi o estudante Branivoje Milinovic, que não tinha nada a ver com os protestos. Dessa forma, a primeira vítima do terror político de que Milosevic tanto falava não seria morta por croatas ou por outra etnia, e sim por um sérvio a serviço de Milosevic. Para completar, tanques do Exército Popular da Iugoslávia começaram a agir contra os protestos.

Centenas de pessoas foram feridas e presas, incluindo Vuk Draskovic. Redes de televisão e de rádio independentes que não eram controladas pelo governo foram tiradas do ar. Por toda Belgrado, um rastro de destruição que não se via desde a Segunda Guerra Mundial.

Outra manifestação, agora de estudantes na fonte de Terazije, ganhou corpo e arregimentaria o apoio de muita gente. Os estudantes formulariam oito demandas para acabarem com a revolta: 1) O fim das medidas repressivas do estado de emergência inconstitucional; 2) Libertação de todos os presos nas manifestações; 3) A investigação dos responsáveis pela repressão; 4) A demissão dos barões da mídia de Milosevic; 5) Fim do monopólio dos meios de comunicação e a garantia da independência das TVs e rádios independentes; 6) Acesso do independente Studio B às instalações da RTV Belgrado; 7) A demissão do Ministro da Polícia; 8) A convocação de uma reunião extraordinária do parlamento sérvio.

As manifestações ganharam força e as demandas começaram a ser realizadas. Primeiro, o parlamento sérvio foi convocado. Nessa sessão, transmitida ao vivo sem cortes, os parlamentares da oposição se mostraram despreparados e o do partido de Milosevic acusaram os estudantes de serem anti-patrióticos. No fim, duas das demandas foram atendidas, a investigação da repressão e o acesso do Studio B às instalações da RTV Belgrado, além de garantias à independência das TVs e rádios. Por fim, vários dos líderes dos protestos, incluindo Vuk Draskovic, foram libertados.

A resposta de Milosevic aos protestos foi a organização de uma manifestação pró-governo. Ao contrário dos protestos contra Milosevic, essa manifestação tinha uma idade média acima de 50 anos, composta por pessoas com saudades dos velhos tempos da Iugoslávia comunista. A situação dos sérvios na Croácia voltaria a ser evocada pelos simpatizantes de Milosevic.

Milosevic sabia que a sua situação política não era confortável, mas não pretendia sumir da vida política totalmente. Ele voltaria a um pronunciamento no parlamento, onde voltaria a falar sobre o risco da desunião dos sérvios. Milosevic sairia bem dos protestos, conseguindo não ser o foco das manifestações e tendo a quem jogar para os leões para se eximir da culpa. Além do mais, ele sempre podia se eximir de responsabilidade, dizendo que as demandas populares não dependiam dele, o presidente, e sim do parlamento. Na verdade, os manifestantes não tinham de forma geral oposição à Milosevic, alguns até procuravam blindá-lo dos protestos. (24)

Milosevic procuraria aumentar as ligações com o Exército Popular da Iugoslávia e seu alvo, até para efeitos de diversão de atenção, seria a Croácia. Milosevic só precisava de um pretexto para a guerra, e ele viria logo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário