quarta-feira, 2 de julho de 2014

Raízes do Brasil (#2) - Herança Rural




Nesse segundo vídeo sobre o livro Raízes do Brasil, vou falar sobre o terceiro capítulo, Herança Rural. Novamente, a gameplay é do jogo Civilizations V.

Nos capítulos anteriores, o autor falou sobre as raízes ibéricas do Brasil vinda dos portugueses. O terceiro capítulo fala sobre as raízes rurais, a herança deixada pela forma como o Brasil foi colonizado e povoado. Toda a estrutura da sociedade colonial teve sua base no campo, fora dos centros urbanos. A vida na colônia se concentrava nas propriedades rurais e as cidades viveriam na dependência do campo até a Abolição da Escravidão em 1888 na opinião de Sérgio Buarque de Holanda.

Já antes, com a Lei Eusébio de Queirós de 1850, que proibia o comércio interatlântico de escravos, o Brasil já registrava alguns surtos modernizadores, com a criação de sociedades anônimas, a refundação do Banco do Brasil, a inauguração da primeira linha telegráfica no Rio de Janeiro e a inauguração da primeira linha férrea entre o Porto de Mauá e a estação do Fragoso. Após o primeiro passo para Abolição, houve um florescimento dos negócios que não estavam relacionados com o campo.

A Lei Eusébio de Queirós foi criada cinco anos depois Lei Aberdeen promulgada na Inglaterra, que autorizava os ingleses a aprisionar navios negreiros. No Brasil, houve uma resistência grande contra a lei por parte daqueles que queriam manter o status quo. Além de isso representar o fim de um negócio lucrativo, havia a preocupação com a mão-de-obra em um país mal povoado como era o Brasil. Por outro lado, o fato das grandes fortunas criadas pelo tráfico serem portuguesas, e não brasileiras, pesou em favor da abolição do comércio de escravos.

E esse capital que estava empregado no comércio de escravos tinha que ir para algum lugar e houve ainda um grande aumento na concessão de crédito que criava fortunas rapidamente e colocava de lado os fazendeiros. Um dos beneficiados desse movimento foi o barão de Mauá, grande industrial brasileiro de ascensão meteórica e igualmente espetacular queda. O comércio exterior foi bastante afetado, as importações aumentando após a supressão do tráfico.

Esse foi um choque grande entre duas culturas, a urbana e a rural, e apesar do duro golpe dado pela Lei Eusébio Queirós, o meio rural ainda tinha influência e tomaria atitudes contra essas novas ideias e práticas. Uma delas foi a Tarifa Silva Ferraz de 1860 isentando de imposto de importação uma série de bens de capital, o que acabou representando a ruína do Barão de Mauá. Mauá já vinha sofrendo pressões de todos os lados dos que buscavam manter a antiga ordem agrária e essa tarifa foi um golpe fatal para o empresário.

Mauá seria execrado por Gaspar Silveira Martins por seu apoio ao visconde de Rio Branco, apesar de pertencer a outro partido. E esse episódio mostraria bem a mentalidade da época, a de que uma pessoa filiada a um partido tinha um dever de fidelidade com a instituição. O partido e outras instituições seriam constituídas de maneira parecida com a família, onde vínculos biológicos e afetivos teriam preponderância sobre todas as demais considerações. A associação entre as pessoas seria por conta de sentimentos e deveres, não por interesses ou ideias. Ou seja, mesmo em um momento modernizador as velhas raízes rurais se manifestariam.

Esse tipo de mentalidade teve origem nos domínios rurais, como os engenhos, onde o proprietário de terra tinha autoridade absoluta e inconteste. O engenho era um organismo completo, possuindo tudo o que era necessário para sua sobrevivência, de comida à capela para missa. Por toda a colonização e até depois da independência predominava esse tipo de propriedade rural autossuficiente. O Brasil é classificado como patriarcal por conta dessa organização social em torno do círculo familiar capitaneado pelo pater-familias tendo seu núcleo expandido com escravos e agregados. Era um grupo imerso em si mesmo que resistia às pressões externas e que desprezava qualquer princípio superior que pudesse afetá-lo.

Essa mentalidade afetou os relacionamentos fora da família, de forma que a entidade privada sempre tinha precedência sobre a entidade pública e prevaleciam as preferências fundadas em laços afetivos. Por conta disso, predominou na vida social sentimentos próprios à comunidade doméstica, resultando na invasão do público pelo privado, invasão do Estado pela família.

A urbanização precipitada pela vinda da família real ao Brasil e depois pela independência não deixou de sofrer com essas influências, já que as pessoas que migraram para as cidades acabaram levando essa mentalidade com eles. Parte dessas mentalidades era que o trabalho manual é pouco dignificante e que o chamado trabalho mental, própria dos senhores de escravos, é que era o mais importante. Não que as pessoas apreciassem o pensamento especulativo, e sim que tinham “amor à frase sonora, ao verbo espontâneo e abundante, à erudição ostentosa, à expressão rara”, nas palavras do autor.

Ou seja, era mais ornamento e prenda do que instrumento de conhecimento e de ação. Isso derivava da necessidade de se distinguir dos semelhantes em uma sociedade personalista por alguma virtude que parece ser congênita e intransferível, na ausência de nobreza de sangue. Essa inteligência não se prestava ao aumento da produtividade da economia, diferente do que ocorria em outros lugares, porque esse era um tipo de inteligência muito impessoal.

A concepção que se criou de um estado ideal é que o soberano do país deveria considerar-se um chefe da família e amparar a todos como seus filhos. Na sociedade patriarcal e personalista, o governo deveria ter esse caráter paternal para ser considerado justo e poderoso, assim pensavam na época e talvez até hoje. Dessa forma, a sociedade patriarcal foi o modelo da vida política e da relação entre governantes e governados. Ou seja, o Brasil estava na contramão da Revolução Industrial na economia e da Revolução Francesa e Americana na política.

O Brasil teve um desenvolvimento peculiar, onde não era a cidade que se valia do campo, e sim o contrário. Como a urbanização era feita por indivíduos vindo dos meios rurais, toda a administração do Império e até da República tinha elementos do velho sistema senhorial. Dessa forma, as práticas que eram próprias dos meios rurais passaram para os meios urbanos. O meio rural tinha tanto prestígio que, diferente de outros lugares, no Brasil o dono das terras residia nessas terras, e não em uma propriedade urbana.

E a última observação desse capítulo é que tudo isso se processou intencionalmente, não era de maneira alguma uma imposição do meio, não havia nenhum fator especial que afastasse a aristocracia da cidade.

Alguns desses temas reaparecerão nos próximos dois capítulos, que serão discutidos no próximo vídeo.

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