quarta-feira, 2 de julho de 2014

Raízes do Brasil (#1) - Fronteiras da Europa



Sobre o Portugal, vou falar sobre um dos livros considerados fundamentais para a compreensão da história brasileira, Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda, publicado em 1936. As raízes da qual o título são as raízes ibéricas, a herança da colonização portuguesa que chegam até os dias de hoje e que, segundo o autor, é uma das razões do atraso brasileiro. A gameplay desse vídeo e dos próximos dois é do Civilizations V, usando o Brasil como civilização.

Nesse vídeo, vou falar sobre os dois primeiros capítulos, o primeiro deles intitulado “Fronteiras da Europa” e vou ainda fazer dois vídeos sobre esse livro para essa série. Nesse capítulo inicial, o autor considera o brasileiro um desterrado em sua própria terra, com a transplantação de formas de convívio, instituições e ideias em um ambiente diferente.

A colonização brasileira veio de um país ibérico, que o autor considera ser um território-ponte pelos quais a Europa se comunica com outras partes do mundo, Espanha e Portugal sendo uma ponte com a África além das Américas. Os dois países ibéricos, até por conta da dominação muçulmana por tanto tempo, acabou se desenvolvendo meio que à margem dos seus pares continentais. Os descobrimentos acabaram por inserir Portugal e Espanha no cenário europeu e até coloca-los acima dos demais por algum tempo.

Logo, para entender o Brasil, primeiro é necessário entender seu colonizador. No começo do livro, o autor analisa os países ibéricos em conjunto, para só depois diferencia-los. Um dos traços em comum dos ibéricos que se manifestou na colonização foi a cultura da personalidade, que diz respeito à importância que os ibéricos atribuem ao valor próprio da pessoa humana e à autonomia. O valor de uma pessoa se daria pela extensão em que não precise depender de outros, em que se baste.

Disso, surge a fraqueza das formas de organização, de qualquer associação que implique solidariedade e ordenação entre os povos. Solidariedade e associação existem, mas principalmente quando há alguma vinculação de sentimentos acima de interesses em comum. Exemplos de obras em conjunto por motivos emotivos são obras de igreja e mutirões de ajuda. Nas relações entre os brasileiros coloniais, o objetivo material comum era secundário, e o que importava mais era o benefício ou o dano que uma parte pode fazer a outra. Nas palavras do autor: “O peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente energética do afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras”. A isso se deve a frouxidão da estrutura social e a falta de hierarquia organizada que o autor notava em sua época e que persiste hoje em dia.

Em comum aos ibéricos e aos seus colonizados, está a invencível repulsa a toda moral fundada no culto ao trabalho, nas palavras do autor, em contraste com os países protestantes. As virtudes prezadas pelos ibéricos, como a inteireza, o ser, a gravidade, o termo honrado, o proceder sisudo, são virtudes inativas, pelas quais o indivíduo se reflete sobre si mesmo. A ação sobre as coisas significa se submeter a um objeto exterior e busca a perfeição desse objeto à perfeição da pessoa, o que é estranho ao personalismo ibérico. É um ponto de vista parecido com o da antiguidade, onde o ócio está acima do negócio e a contemplação acima da atividade produtora.

No segundo capítulo “Trabalho & Aventura”, o autor distingue duas mentalidades diferentes, a do trabalhador e a do aventureiro. O aventureiro está mais focado no objetivo final, seu ideal sendo colher os frutos sem plantar a árvore. Ignora fronteiras e sabe transformar obstáculos em trampolins. O trabalhador, ao contrário, enxerga primeiro a dificuldade a ser superado e então o triunfo a alcançar. Está disposto a empreender esforços lentos, pouco compensadores na margem e persistentes. A ética do aventureiro enaltece os esforços empreendidos para uma recompensa imediata, enquanto a ética do trabalho enaltece os esforços que visam a estabilidade sem perspectiva de ganho rápido. Certamente que esses são tipos ideais, e não uma classificação rígida de indivíduos reais, mas essa é uma tipificação que ajuda a entender melhor as pessoas que participaram da colonização.

Na Conquista das Américas pelos ibéricos, o trabalhador teve um papel limitado, a obra e o ambiente sendo mais propício para os aventureiros. O colonizador ibérico ansiava por prosperidade sem custo, títulos honoríficos, posições e riquezas fáceis. Esse espírito de aventura motivou a exploração do Novo Mundo e era um “elemento orquestrador por excelência”, na expressão do autor.

O português veio ao Brasil atrás de riquezas que custavam ousadia, e não trabalho. Isso se manifestava na busca por atividades de lucro rápido, o uso de mão de obra importada da África, já que os índios não estavam adaptados ao trabalho sedentário, entre outras restrições, e também na utilização de técnicas rudimentares de agricultura. O ibérico não tinha uma relação com a terra que utilizava, a lógica sendo a de extrair do solo sem grandes sacrifícios.

Uma característica dos portugueses é a falta de orgulho racial, uma vez que o país já era miscigenado antes mesmo de virem ao Brasil. Havia uma distância social entre dominados e dominadores relativamente baixa em relação a outros países, o que fez com que os escravos tivessem uma influência grande na sociedade colonial. Os índios tinham uma estima até que grande entre os portugueses, já que compartilhavam algumas características, como a de não gostar de muito trabalho braçal. O estigma social dos escravos e de seus descendentes vinha justamente de sua associação com trabalhos manuais.

E uma consequência da forma de organização da atividade no Brasil, com uso de trabalho escravo, grandes propriedades e monocultura, foi a falta de cooperação com as demais atividades produtivas na colônia, manifestada na fraqueza das agremiações profissionais, diferente do que ocorria nas colônias espanholas. E havia uma série de impedimentos ao surgimento de trabalhos que necessitavam de uma vocação decidida de longo prazo, como a ânsia por ganhos rápidos também nos meios urbanos, a canalização da mão de obra escrava para o campo e o uso de negros de ganho para transferir o trabalho braçal para escravos. As pessoas pulavam de um trabalho para outro que parecesse mais lucrativo, o que reduziu a incidência de gerações de famílias seguindo uma mesma profissão.

No que se refere à fracassada colonização holandesa, o sucesso aparente pelo legado urbano que persiste até hoje acabou não sendo tão sucesso já que os holandeses não conseguiram transferir essa prosperidade para o campo. Poucos holandeses estavam dispostos a trocar a cidade pelo campo, ou mesmo a Holanda pelo trabalho no campo no Brasil e a produção de açúcar acabou ficando nas mãos de portugueses e luso-brasileiros. Os holandeses não conseguiram se adaptar bem ao Brasil e nem os nativos a eles. A língua holandesa era considerada mais difícil de ser assimilada pelos índios e pelos africanos e a religião reformada dos protestante excitava menos a imaginação e sentidos dos nativos. A ausência de orgulho racial era outra vantagem dos portugueses que os holandeses não conseguiram copiar.

Sobre os dois primeiros capítulos do Raízes do Brasil era isso que eu tinha para falar.

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