quarta-feira, 2 de julho de 2014

Raízes do Brasil (#3) - O Homem Cordial



Nesse vídeo, vou falar sobre os capítulos 4 e 5 do livro Raízes do Brasil, basicamente sobre quatro conceitos. Novamente, a gameplay é do jogo Civilizations V.

No capítulo 4, O Semeador e o Ladrilheiro, Sérgio Buarque de Holanda procura diferenciar as colonizações espanhola e portuguesa. Até então, vinha se referindo à colonização ibérica e à herança ibérica, mas há grandes diferenças entre os modos como Portugal e Espanha realizaram as suas colonizações. E se o capítulo 3 era um contraste entre rural e urbano, o capítulo 4 é entre esses dois modus operandi, o do semeador e do ladrilheiro.

O ladrilhador é a Espanha, que procurou mais do que Portugal estabelecer cidades no Novo Mundo. A urbanização é uma atitude anti natural e que envolvia planejamento e pensamento de longo prazo. A urbanização era uma empresa da razão, um ato da vontade humana para dominar o ambiente totalmente desfavorável que eles encontraram. Foi o triunfo da aspiração de dominar o mundo conquistado. A ideia era que o homem podia intervir na natureza e alterar o curso da história ao invés de segui-lo. Como exatamente isso se expressa está em maiores detalhes no livro.

A Espanha procurou assegurar o predomínio militar, econômico e político sobre as terras conquistadas e fez isso criando núcleos de povoação estáveis e bem ordenados. A colonização espanhola começou como uma aventura, com os conquistadores tendo a liberdade de agir como achavam melhor e depois prestar tributos para a Coroa, mas depois a Espanha passou a controlar as suas colônias no Novo Mundo.

Portugal, o semeador, por outro lado, não procurou tanto construir ou plantar alicerces na colônia e estava mais preocupado em feitorizar uma riqueza fácil no Brasil. O caráter de exploração comercial predominou no Brasil, ao contrário da América Espanhola, onde os espanhóis procuraram fazer uma extensão da metrópole, ao menos no começo. Prova disso foram as universidades fundadas na América Espanhola ainda no século XVI, a primeira universidade do Brasil só aparecendo no século XX (pelo que pesquisei, o autor não cita esse dado). Faltou aos portugueses a vontade criadora dos espanhóis, mesmo que nem sempre as melhores intenções prevaleciam entre os dominadores.

O clima mais temperado nas regiões dominadas pelos espanhóis ajudou os conquistadores a se sentirem mais em casa. A colonização espanhola foi mais no interior e em maiores altitudes, enquanto a portuguesa foi mais tropical e litorânea. Os espanhóis toleravam a colonização na costa caso fosse possível construir bons portos, enquanto que os portugueses procuravam restringir a colonização do interior. A própria exploração do interior, já muito tardia, viria de pessoas que não estavam a mando da coroa e que tinham pouco contato com os portugueses. Porém, mesmo a exploração do interior brasileiro foi mais uma aventura e uma exploração do que um obra colonizadora.

Com a descoberta de ouro mais para o interior do Brasil, Portugal demonstrou um interesse renovado no Brasil e procurou colocar ordem em sua possessão ultramarina, mas ainda assim dirigido pela lógica exploradora e comercial. Não fosse isso, é provável que Portugal insistisse na obtenção de lucros fáceis mais próximo do litoral. É inconcebível que um português fizesse o que fizeram Cortés e Pizarro de destruir seus navios para reaproveitar a madeira.

Por isso que o autor é da opinião de que dominação portuguesa teve mais característica de feitorização do que de colonização. Não era intenção dos portugueses fazer qualquer obra que não trouxesse benefícios de curto prazo. Portugal queria que a colônia complementasse a metrópole e proibia que houvesse a produção de artigos que competissem com produtos portugueses.

De certa forma, a colonização portuguesa era mais liberal do que a espanhola. Isso se manifestou na permissão concedida a estrangeiros de explorar o litoral, desde que compartilhassem seus lucros com Portugal. E também se manifestou nas cidades, que tiveram um desenvolvimento desordenado, ao contrário do planejamento espanhol. A isso contribuiu a aversão à ordenação impessoal que já foi mencionado e que voltará ao tema daqui a pouco. A urbanização não foi um produto mental, uma contradição com a natureza. A palavra que usam é desleixo e uma “íntima convicção de que não vale a pena...”.

Assim, o português foi um semeador no Brasil, jogando as sementes de maneira desleixada e esperando que brotassem. Não demonstrou maior preocupação em se fixar na terra e a sua própria proximidade com o litoral indicava que eles estavam aqui temporariamente. O ladrilhador espanhol teve uma preocupação maior em exercer seu domínio e fez um trabalho sistemático de ocupação do território.

E por que isso ocorreu? O autor fornece algumas explicações, como a unificação política precoce de Portugal. A Espanha permaneceu muito tempo fragmentada e por isso surgiu no país uma ânsia centralizadora, codificadora, uniformizadora que não existia em Portugal. A falta de problemas parecia facilitar a atitude de “deixar estar” dos portugueses e isso se refletiu na colonização brasileira.

Agora vamos para o capítulo cinco, o que eu considero o melhor capítulo do livro, o que fala do homem cordial. Em grande parte do mundo, o Estado é uma descontinuidade e até uma oposição ao círculo familiar e o sistema industrial, em oposição às antigas corporações de ofício, é um sistema impessoal e profissional. As relações passam a ser fundadas em princípios abstratos e substituem os laços afetivos e de sangue.

Mas essas ideias encontram resistência em locais onde é muito forte a ideia de família, principalmente a de tipo patriarcal, e é difícil o florescimento de virtudes antifamiliares como iniciativa pessoal e concorrência. Mesmo com a urbanização e a ida de filhos das famílias ricas para institutos de ensino superior não romperam com essa mentalidade que foi-se desenvolvendo conforme foi mostrado nos últimos capítulos.

Por essa razão, os detentores de posições públicas criados por essa cultura tinham a dificuldade de distinguir o público do privado e surge aqui o primeiro conceito chave do capítulo, o patrimonialismo. Nas palavras do autor, “para o funcionário patrimonial, a própria gestão política apresenta-se como assunto de interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos”. A escolha das pessoas para exercer as funções públicas se dá menos por mérito e por habilidade e mais por confiança pessoal. Predomina as vontades particulares, que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados, como a família e as relações domésticas foram modelo das relações sociais.

E vamos para o segundo conceito, aquele que dá nome ao capítulo. A cordialidade brasileira, entendida na concepção de Sérgio Buarque de Holanda, não tem nada a ver com bondade, gentileza, amabilidade, hospitalidade ou qualquer outra virtude semelhante. Cordialidade aqui vem de coração e se refere à propensão dos brasileiros de encarar tudo com um fundo emotivo, como já foi mencionado anteriormente. Junto com essa cordialidade, vem à aversão às relações impessoais, que são necessárias para o bom funcionamento das instituições públicas e até privadas.

Isso se manifesta também na aversão a ritualismos sociais e a dificuldade do brasileiro em mostrar reverência prolongada diante de um superior. A reverência pode até existir, desde que não suprima o desejo de estabelecer intimidade. É também manifestação dessa tendência de atribuir a tudo um fundo emotivo o amplo uso de diminutivos e também de se referir às pessoas com o primeiro nome e não com o prenome mesmo sem maior intimidade.

Dessa forma, é um traço marcante do brasileiro a dificuldade em estabelecer formas de convívio que não sejam ditadas por um fundo emotivo, traço que é de difícil compreensão para os estrangeiros. A questão é que esse traço se difunde para contextos em que relações mais impessoais deveriam prevalecer, como os negócios e principalmente a gestão pública.

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